Proteja seu e-mail! Seu Chefe está Fiscalizando

AutorSylvia Kierkegaard
Páginas227-257

    Publicado originariamente em inglês na revista eletrônica Computer Law & Security Report, sob o título: Watch your e-mail! Your boss is snooping. A tradução para o português foi permitida pela autora e pelo editor do referido periódico.

    Traduzido por: Bruno Costa Teixeira1 e Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira2

Sylvia Kierkegaard. Doutora em Direito, Economia, Teologia e Estudos Asiáticos. Editora do Journal of International Commercial Law and Technology (DOAJ Access); Editora do International Journal of Private Law (Inderscience); Conselheira editorial de diversos outros periódicos; Colunista do Computer Law and Security Report (Oxford-Elsevier) e de diversos outros periódicos; Presidente do International Association of IT Lawyers (IAITL).

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1. Introdução

A preocupação global acerca da questão privacidade na internet cresce na contemporaneidade, à medida que a demanda de usuários dos computadores aumenta. As estatísticas indicam a preferência das empresas pelas facilidades proporcionadas por serviços como endereço eletrônico (e-mail) e sítios na rede mundial de computadores (websites) para fins empresariais. Ademais, estas formas de comunicação eletrônica, baratas e instantâneas, não só melhoram o relacionamento empresarial, mas especialmente, a produtividade. E é em função destas e de outras vantagens que os empregadores provêem estesPage 228 recursos aos seus empregados. Entretanto, como era de se esperar, o aumento do uso da comunicação eletrônica no ambiente de trabalho – o que passou a ser fundamental, também trouxe inúmeros riscos para o empregador. Por derradeiro, surgem diversos questionamentos sobre a temática em tela, especialmente em relação aos limites de propriedade do empregador e de privacidade do empregado, a responsabilidade do empregador em face do abuso de direitos do empregado e, ainda, a responsabilidade do empregado diante do abuso de mecanismos disponibilizados pelo empregador. De um lado, os empregados estão preocupados com sua privacidade e, de outro, o empregador aumenta o uso de software para ler, interceptar e monitorar o correio dos empregados, bem como luta, a seu turno, contra o uso pessoal da internet e do correio eletrônico no ambiente de trabalho. Em suma, a tecnologia dos meios de comunicação, que veiculam dados pessoais na internet está criando dilemas tanto em relação ao controle de dados quanto ao respeito do direito de privacidade em face da intrusão alheia. A chave para avançar nesta área é buscar mecanismos de proteção dos dados pessoais por meio do avanço tecnológico e da prevenção normativa. Este artigo, portanto, examinará os aspectos éticos e jurídicos que permeiam a sara da comunicação eletrônica no ambiente de trabalho, com enfoque particular nos avanços legislativos na União Européia e nos Estados Unidos da América.

2. Privacidade

A publicação do influente artigo de Warren e Brandeis, cujo título é "The Right to Privacy"3 (Warren & Brandeis, 1890) trouxe à luz definição jurídica para a questão da privacidade, entendida enquanto direito de ação livre dos olhos e ouvidos alheios. Os autores buscaram, em seu trabalho, explicar a natureza e extensão deste tipo de proteção. Acreditam, inclusive, na possibilidade de aplicação de um direito mais geral a uma variedade de casos existentes, de modo a estabelecer limites ao compartilhamento de sentimentos, idéias ePage 229 emoções no ambiente de trabalho. Afirmam também que o direito à privacidade está baseado na idéia de “personalidade inviolável”, isto é, faz parte de um direito mais geral de imunidade, que garanta “o exercício da personalidade”. Em suma, os autores apresentam o direito de privacidade enquanto proteção inserida no direito de personalidade, na verdade, foi a emergência dos casos que envolvem a problemática aqui apresentada, que estampou a privacidade enquanto direito autônomo. Warren & Brandeis sugeriram que as limitações do direito de privacidade devem ser entendidas, por analogia, com base na lei que trata dos crimes de calúnia e difamação4. Veicular informações daqueles funcionários públicos que se candidatam ao trabalho no escritório, não seria proibido, por exemplo. Desta forma, limitar o direito de privacidade não significa inviabilizar a comunicação de qualquer assunto, mas proibir somente aquele tipo de comunicação que, sob circunstâncias que a torne uma “comunicação privilegiada”, conforme dispõe a lei dos crimes de calúnia e difamação. Aqueles assuntos de interesse geral, (público ou empresarial) não serão proibidos. Warren e Brandeis propuseram, na verdade, um conceito de privacidade baseado na proteção individual ou ainda, no controle de dados pessoais por parte do próprio indivíduo.

O Dicionário Americano de Etimologia (2004) define “privacidade” como “o estado de liberdade desassociado de qualquer intrusão”. Sendo assim, este direito pressupõe:

• Estar livre de monitoramentos de rotina realizados por meio de outros veículos de comunicação ou organizações;

• Manter suas informações pessoais sob seu controle e acesso;

• O cliente deve ser atendido como consumidor e cidadão. Privacidade condiz com a confiança depositada nos serviços da empresa que, por sua vez, não deverão veicular informações de modo incoerente com as expectativas dos clientes. Isto também significa que, estes dadosPage 230 pessoais não serão compartilhados com terceiros, com o intuito de fazer telemarketing ou mala-direta;

• O Direito de permanecer anônimo sem identificação. Embora, usualmente esta exigência não seja necessária ou requerida, existem situações em que será necessária (como por exemplo, for caso de informar um crime);

• Viver sem vigilância, investigação sistemática ou monitoramento das ações individuais ou coletivas;

• Fixar limites para intrusão em ambientes doméstico, do trabalho e do espaço público; e

• Determinar o destino dos fatos privados, o que inclui o direito de decidir acerca da possibilidade e das condições de publicação destes fatos;

Não obstante o exposto acima, o direito de privacidade não é absoluto, assim como não está presente em determinados casos. Afinal, este direito pode estar em conflito com outros interesses, seja de outras pessoas, comunidades ou organizações empresariais. As autoridades públicas, por exemplo, não podem interferir no âmbito privado do cidadão, em virtude da supremacia do Estado Democrático de Direito. Contudo, surgem exceções a isto quando questões de segurança nacional, ou de saúde pública estão em jogo. E mais, quando aspectos criminais estão em tela ou ainda, quando a segurança e o direito de liberdade de outros sujeitos também estão configurados, o império do direito de privacidade deverá ser mitigado.

3. Monitoramento de e-mail

Paralelamente ao avanço dos meios de comunicação eletrônicos, a preocupação com os modos de acesso e controle dos dados pessoais adquiriu portentosas proporções. No mundo inteiro, as novas descobertas e tecnologias surgem a toda velocidade, assim como cada vez mais e de diversas maneiras, empregadores monitoram seus empregados. As empresas forçam políticas dePage 231 controle que condicionam os empregados a anotar todas as tarefas realizadas, inclusive o número da chamada e o tempo despendido em ligações telefônicas, além de anotar as idas ao banheiro. Contudo, em diversos casos, a vigilância exacerbada no ambiente de trabalho poderá ferir seriamente a dignidade do empregado. Isto é, políticas de vigilância podem ser criadas para molestar, discriminar e criar uma dinâmica pouco saudável no ambiente empregatício.

O jornal dinamarquês Danish BT informou em artigo publicado no dia cinco de agosto de dois mil e um, a demissão de quatro empregados, logo após a leitura de seus e-mails pelo empregador (Krabbes, 2001). Outra funcionária foi mandada embora por enviar “e-mails demais”. É inegável que sua conta de correspondência eletrônica estava sendo vigiada.

De acordo com pesquisa realizada pela American Management Association em 2004, a qual investigou 840 empresas estadunidenses, uma em cinco delas (20%) apresentou processo de investigação dos e-mails de funcionários, em detrimento dos 14% em 2003 (AMA Survey, 2004). Outras 13% estão enfrentando processos judiciais, em razão de e-mails de empregados interceptados. Em geral, contas de correio eletrônico são monitoradas com maior freqüência do que programas de mensagens instantâneas. Dentre as empresas analisadas, 60% usam software para monitorar e-mails externos (caixas de entrada e de saída), mas apenas 27% delas monitoram comunicações internas, as quais são utilizadas para troca de informações entre empregados. As estatísticas acima refletem o minorar da complacência por parte do empregador no sentido de tolerar comunicações pessoais no ambiente de trabalho.

No ano de 2001, uma pesquisa realizada pela AMA no ambiente de trabalho em 1.627 empresas de médio e grande porte, apresentou os seguintes resultados:

• 63% monitoram o acesso à internet, contra os 54% no ano de 2000;

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• 47% arquivam e revisam e-mails dos funcionários, contra 38% em 2001; e

• 40% bloqueiam o acesso a sites não autorizados, contra os 29% do ano anterior.

Das organizações pesquisadas, 27% apresentaram ocorrências do abuso por parte dos empregados do acesso a e-mail e internet no ambiente de trabalho. Desse número, 65% das empresas fizeram uso de algum tipo de sanção disciplinar. Registre-se que o crescente monitoramento reflete a preocupação com a produtividade e a responsabilidade do empregado. O relatório mostrou...

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