Proteção à maternidade no direito trabalho brasileiro

AutorSayonara Grillo Coutinho Leona da Silva
Ocupação do AutorOrganizadora
Páginas257-272

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1. Introdução

Este artigo tem como objetivo o estudo da proteção à maternidade no trabalho, de forma a verificar os seus aspectos fundamentadores.

Tal análise apresenta importância tendo em vista que a gravidez e os cuidados com a prole contribuem para a discriminação feminina no mercado de trabalho, em razão do pensamento tradicional baseado em preconceitos e estereótipos de que a função da mulher na sociedade é meramente reprodutiva.

Desta forma, busca-se analisar a licença-maternidade como forma de proteção ao mercado de trabalho da mulher, tanto em relação ao acesso quanto à sua manutenção e garantia de igualdade. E, ainda, como meio de possibilitar a dedicação à carreira sem interferência na vida pessoal.

Ademais, esse direito está diretamente relacionado à garantia da saúde tanto da gestante quanto de seu filho e dos cuidados necessários à manutenção da gestação. Além do tratamento adequado após o nascimento, de forma a evitar riscos à vida de ambos.

Afora isso, busca-se o exame das normas de proteção à maternidade sob a perspectiva dos direitos da criança, assegurados pela Constituição da República de 1988, bem como os desdobramentos da garantia de tais direitos.

Importa, ainda, analisar a relação desse direito com questões não disciplinadas na legislação brasileira que se fazem presentes diante das modificações sociais, seja pela maior inserção da mulher no mercado de trabalho e necessidade de divisão igualitária das responsabilidades com a criação dos filhos e afazeres domésticos ou pelas modificações no conceito de família, que não se restringe mais ao modelo de pai e mãe com filhos, mas, inclui famílias monoparentais, homoafetivas e ligadas por vínculos afetivos e não somente biológicos.

Outras questões relevantes são as recentes alterações legislativas e os incipientes debates acerca de temas que possuem estreita relação com os avanços sociais, principalmente das mulheres, tais como a efetividade de medidas antidiscriminatórias, da maior participação do pai na vida familiar, com a regulamentação da licença-paternidade e instituição da licença parental.

Para tanto, essa pesquisa se deu através da verificação dos debates doutrinários atuais acerca do tema, assim como da busca por informações quanto ao seu enfrentamento pelo poder legislativo e pelos organismos internacionais de proteção ao trabalho e aos direitos humanos. Além disso, buscou-se apresentar jurisprudências recentes e considerados relevantes em relação ao tema.

2. Os direitos da mulher no trabalho: breve histórico

Apesar de as mulheres, desde muito tempo, já exercerem diversas atividades em razão da necessidade de seu sustento, há um histórico de discriminação em relação ao seu trabalho, principalmente em razão dos preceitos de que o papel da mulher na sociedade restringe-se aos cuidados com o lar e com a prole.

Em razão da cada vez maior inserção feminina no trabalho fora do lar, principalmente durante a industrialização, e, em virtude da situação de exploração, foram surgindo diversas normas relacionadas ao trabalho da mulher, tanto nas legislações internas dos países, como nas internacionais. No entanto, verifica-se que o cunho era extramente protetivo, como ensina Sônia mascaro Nascimento:

A fase protetora do trabalho feminino foi marcada pela elaboração de Convenções e Recomendações sobre materni-dade, trabalho noturno, insalubre, perigoso, duração do trabalho, trabalho manual e habitual com cargas, segurança e

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higiene do trabalho, enfim, regras destinadas a preservar a reprodução da espécie da mulher, e assegurar-lhe condições para cumprir as obrigações familiares.1Essa proteção exacerbada foi criticada pelos próprios países que as internalizaram por desrespeitar o princípio da igualdade, restringir o mercado de trabalho da mulher e reforçar a divisão sexista de atividades, tornando-se discriminatória. Assim, vem ocorrendo a progressiva flexibilização das normas de forma a intensificar a igualdade de oportunidades e tratamento entre trabalhadores e trabalhadoras.

Desta forma, a ação internacional, atualmente, busca a garantia de igualdade de gênero, mantendo-se proteção especial somente no ponto em que há real desigualdade: a maternidade, que além de ser uma das grandes causas para a discriminação da mulher no mercado de trabalho, possui uma importante função social de renovação das gerações e cuja tutela é essencial para assegurar a saúde da mãe e da criança e o seu desenvolvimento.

Nesse contexto de internacionalização da legislação sobre o Direito do Trabalho foi criada a Organização Internacional do Trabalho, em 1919, cujas Convenções e Recomendações exercem grande influência nas legislações internas dos países.

Uma das primeiras Convenções dessa organização era voltada ao trabalho da mulher, sendo as duas maiores preocupações da ação internacional nesse campo a proteção contra as condições penosas de trabalho, salvaguardando sua integridade física, especialmente quando em estado de gestação, e a necessidade de lhes atribuir igualdade de direito e de tratamento com os homens.

Em sua primeira Conferência Internacional do Trabalho, realizada em 1919, a OIT adotou seis convenções, sendo uma delas, a de número 3, relativa à proteção à maternidade, demonstrando que essa matéria se encontra no centro de preocupações dos Estados-membros da OIT desde a sua criação.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988, que surgiu após as mudanças políticas iniciadas com a derrocada do regime militar. No tocante ao trabalho da mulher diversos movimentos influenciaram a sua elaboração, principalmente, para revelar a discriminação, a precária condição de trabalho, as dificuldades da maternidade em face do emprego, entre outras questões. Dessa forma, a chamada constituição cidadã instituiu os direitos e garantias fundamentais, principalmente o princípio da igualdade, que não se restringe ao tratamento absolutamente igual a todos, mas permite o tratamento desigual diante das desigualdades. Sendo assim, a Constituição “[…] privilegiou a isonomia entre homens e mulheres, apenas diferenciando onde a desigualdade se faz patente, como é o caso, v.g, da maternidade”.2Porém, apesar da crescente conquista da mulher no mercado de trabalho e do avanço das normas de proteção, ainda é muito frequente a sua discriminação em relação ao gênero acarretando a preterição nas vagas de emprego e percepção de salários menores aos dos homens para o exercício da mesma função, sendo a gravidez um dos principais fatores para esse tratamento discriminatório. Ademais, ainda se encontra presente o debate sobre a divisão dos encargos familiares entre homens e mulheres, principalmente pela não ratificação pelo Brasil da Convenção n. 156 da OIT e da sua respectiva Recomendação n. 165, que dispõem sobre trabalhadores com encargos de família e a licença parental.

A Constituição de 1988 também faz previsão à “Proteção do mercado de trabalho mediante incentivos específicos, nos termos da lei” (art. 7º, xx), recepciona, assim, normas a respeito, bem como orienta o legislador e o administrador a debater e elaborar políticas públicas neste mesmo sentido.
A licença maternidade, neste aspecto, é relevante conquista, muito embora ainda não ideal, porquanto o tempo reduzido reservado aos homens (licença-paternidade) ainda é revelador de uma concepção de que cabe quase que exclusivamente à mulher os cuidados com os filhos e os trabalhos do lar.

3. Delimitação conceitual

A licença-maternidade corresponde ao período pelo qual a gestante ou mãe adotiva permanecem afastadas do trabalho, ou seja, dispensadas de sua prestação, sem prejuízo do trabalho e emprego e percebendo o benefício previdenciário correspondente ao salário-maternidade.

Silvana mandalozzo afirma que o “fundamento da licença-maternidade é o princípio da continuidade da relação empregatícia”.3Este período de afastamento constitui norma imperativa, não podendo haver transação ou renúncia por parte da empregada, nem mesmo através de acordo coletivo. Assim, havendo trabalho durante o período de licença caberá ao empregador realizar o pagamento referente à prestação dos serviços, além da penalidade administrativa prevista no art. 401 da CLT.

O salário-maternidade possui natureza jurídica de benefício previdenciário e seu pagamento é realizado diretamente pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), nos termos do art. 71 da Lei n. 8.213 de 1991, que dispõe sobre os planos e benefícios da Previdência Social.

Esse pagamento independe do tempo de serviço da empregada, bem como não está sujeito a qualquer limite, sendo o único benefício previdenciário que pode ser pago com valor superior ao teto dos benefícios pagos pela Previdência So-

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cial, em razão do disposto no art. 7º, xVIII, da Constituição da República, que veda o prejuízo ao salário, principalmente, como forma de evitar a discriminação da mulher no mercado de trabalho.

Além disso, é garantido à gestante a estabilidade no emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, de acordo com o art. 10, II, “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, sendo vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa.
mauricio Godinho Delgado entende que o período de afastamento enquadra-se como interrupção do contrato de trabalho, tendo em vista que todos os efeitos básicos da interrupção estão presentes, como o cômputo do período aquisitivo de férias, 13º salário, realização dos depósitos de FGTS, entre outros. Assim, não estando presente somente a remuneração paga pelo empregador. Desta forma, para esse doutrinador, há um caso de exceção com a figura...

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