Proporcionalidade e Processo

AutorLuiz Gustavo Lovato
Ocupação do AutorAdvogado; Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/RS.
Páginas461-487

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SUMÁRIO: Introdução:1 Aspectos Históricos e Comparados. 2 O Estado Democrático de Direito. 3 Princípio da Proporcionalidade 3.1 Princípios.
3.2 Regras. 3.3 Postulados Normativos. 4 A Proporcionalidade. 4.1 Proporcionalidade como Princípio. 4.2 Proporcionalidade como Regra. 4.3 Proporcionalidade como Postulado Normativo. 5 Elementos da Proporcionalidade. 5.1 Adequação (Geeignetheit). 5.2 Necessidade (Enforderlichkeit).
5.3 Proporcionalidade em Sentido Estrito (Verhältnismässigkeit). 6 A Razoabilidade. 6.1 Distinções entre Proporcionalidade e Razoabilidade. 7 Direito Brasileiro e a Proporcionalidade. Conclusão. Obras Consultadas.

Introdução IntroduçãoIntrodução IntroduçãoIntrodução

O Brasil passa por diversas reformas legislativas que visam alterar o processo e dar-lhe efetividade e celeridade. Não se pode cogitar, contudo, um processo sem vinculação direta aos preceitos constitucionais. Promulgada em 1988, a Carta Magna já sofreu diversas reformas e emendas, sendo que a maior e mais significativa foi a EC 45, que acrescentou o direito fundamental ao processo célere e criou competências, como os Conselhos Nacionais. No início, a CF agregou diversas idéias, princípios e dispositivos oriundos de ordenamentos jurídicos externos, sem, contudo, restar numa colcha de retalhos. A sua evolução adequou-a ao ordenamento nacional tanto quanto o ordenamento foi a ela adequado.

Muitos desses princípios e regras inseridos no texto constitucional se mostram, por vezes, fora do contexto geral da Carta, ou, ainda, interpretados e traduzidos de forma equivocada. Um bom exemplo é o chamado “devido processo legal”, cuja origem está no due process of law norte-americano, e quer dizer, originariamente, “devido processo de Direito”. Direito como direito do cidadão à tutela jurisdicional do Estado para ver dirimidos seus conflitos com outros cidadãos e, ao mesmo tempo, direito de ver sua causa

* Advogado; Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/RS.

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apreciada pelo Poder Judiciário antes de ter seus direitos fundamentais atingidos, seja por um ato Estatal, seja por um ato de particular. Esses são preceitos que ligam diretamente o Processo Civil à necessidade de uma adequação constitucional.

Um tema que a Constituição não abordou expressamente, mas que se encontra em pauta nas discussões doutrinárias modernas do mundo todo, é o da proporcionalidade. A proporcionalidade surgiu para limitar a ação do poder público e, ao mesmo tempo, garantir os direitos fundamentais dos cidadãos. Se o símbolo da justiça tem, por mote, uma balança, podese dizer que uma de suas características é o equilíbrio; para se ter equilíbrio, é preciso dosar proporcionalmente os pesos de seus pratos para centrar o fiel. Mas o que é essa proporcionalidade, afinal

1 Aspectos Históricos e Comparados 1 Aspectos Históricos e Comparados1 Aspectos Históricos e Comparados 1 Aspectos Históricos e Comparados1 Aspectos Históricos e Comparados

O princípio da proporcionalidade desenvolveu-se, originariamente, a partir do Século XIX no controle dos atos administrativos e o seu poder de polícia, como um limitador para evitar a prática de atos abusivos que restringissem direitos fundamentais dos administrados. Foi o primeiro século após a Revolução Francesa, em que a humanidade passou a difundir os ideais iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade, presentes na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Ideais que transferiram a pessoa humana para o centro dos direitos e classificaram-nos como fundamentais. Mesmo os países que continuaram com o regime monárquico passaram, com o tempo, a adotar a forma parlamentarista de governo, buscando afastar, com isso, o despotismo e garantir a tutela dos direitos fundamentais.

Com os regimes totalitários do Século XX, surgiu a consciência de que existem leis injustas, e a proporcionalidade atingiu o poder legislativo. Leis formalmente de acordo com o ordenamento jurídico, quanto à sua promulgação, poderiam estar em contradição com a idéia de justiça. “Uma vinculação jurídica do legislador apenas teve condições de se desenvolver a partir da trágica experiência histórica vivenciada pela humanidade sob o signo dos regimes totalitários e da segunda guerra mundial, quando os juristas se deram conta que existem leis injustas.”1Com a Lei Fundamental alemã de 1949 – num recente pós-guerra –, a administração, o legislativo

1 SCHOLLER, Heinrich. O princípio da proporcionalidade no Direito Constitucional e

Administrativo da Alemanha. Trad. Ingo Wolfgang Sarlet. In: Interesse Público, n. 2, p. 94.

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PROPORCIONALIDADE E PROCESSO 463 e o judiciário passaram a ser objeto de vinculação à Constituição e aos direitos fundamentais nela consagrados, atuando sob a reserva da lei proporcional.

Suzana de Toledo Barros diz que “pode-se afirmar que o princípio da proporcionalidade foi consagrado no direito administrativo como uma evolução do princípio da legalidade, mas inicialmente a idéia de proporção ligava-se somente às penas. A submissão dos atos administrativos a um controle jurisdicional requereu a criação de instrumentos processuais hábeis a impedir os órgãos do Poder Executivo a se desviarem da atuação reclamada pelos fins da lei ou, quando ainda adequada a ditos fins, essa atuação se mostrasse excessivamente gravosa aos direitos dos cidadãos.”2 A vinculação à lei, que, por sua vez deve ser promulgada de acordo com os preceitos constitucionais criava um caminho que ligava os dois extremos: a Carta Magna e os atos administrativos.

O poder de polícia da administração passou a ser vinculado, deixando mínimas margens para a discricionariedade, a fim de evitar seu abuso pelo agente público. Heinrich Scholler diz que “apenas com o art. 1º, inc. III, da Lei Fundamental de 1949, é que tanto a administração quanto o legislador e os órgãos judicantes, passaram a ser objeto de vinculação à Constituição e, de modo especial, aos direitos fundamentais nela consagrados.”3A lei que vincula os atos administrativos passou a ter um controle de constitucionalidade, pois, mesmo sendo um ato legal, se a lei for injusta ou inconstitucional, o ato passa a ser arbitrário, lesivo ao cidadão administrado.

Em relação à common law norte-americana, o princípio da proporcionalidade surgiu a partir da obrigatoriedade do devido processo legal (due process of law) para a admissão de restrições a direitos fundamentais. O sistema norte-americano de controle de constitucionalidade “consagra a via de exceção, de modo que todo tribunal federal ou estadual, não importa a sua natureza ou grau hierárquico, poderá exercitar esse controle, sentenciando numa demanda a inconstitucionalidade da lei.”4Segundo o devido processo legal norte-americano, estabelecido na Constituição pela V emenda, em 1791, a garantia da apreciação da causa pelo Poder Judi-

2 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, pp. 38-9.

3 O princípio da proporcionalidade no Direito Constitucional e Administrativo da Alemanha, p.
26.

4 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 281.

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ciário é ampla e indispensável: “[...] nor be deprived of life, liberty, or property, without due process of law [...].”5Diferentemente do caso brasileiro, a Suprema Corte americana trata exclusivamente do controle de constitucionalidade, mediante a apreciação do caso concreto, semelhante à prática do controle difuso brasileiro. “Exerce ela função unificadora da jurisprudência, pondo termo assim às vacilações interpretativas do mesmo passo que remove o estado de incerteza e apreensão acerca da validade da lei, oriunda de decisões contraditórias dos órgãos de jurisdição inferior”6. Sobre o tema, Suzana de Toledo Barros diz que “a lei que se curva à soberania da Constituição, para os americanos, há de ser aquela que respeita os mais basilares princípios de justiça, como a dignidade, a liberdade e a igualdade, e o Poder Judiciário é reconhecidamente o órgão apto a valorar, em última análise, quando esses ideais foram ou não preservados na edição de leis.”7O due process of law norte-americano determina que, para que o cidadão seja punido por uma fato ou por um ato, deve ter sua causa apreciada pelo poder competente para julgar. É a necessidade de um processo, desenvolvido perante uma autoridade competente, para que haja qualquer restrição a direitos do cidadão, ou, como afirma Joaquim José Gomes Canotilho, “a exigência de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito. Como a realização do direito é determinada pela conformação jurídica do procedimento e do processo, a Constituição contém alguns princípios e normas designadas por garantias gerais de procedimentos e de processo.”8A aplicação da proporcionalidade, porém, tanto no sistema da common law, como no da civil law, se dá de forma idêntica. Na primeira, poder-se-ia confrontar os poderes públicos com o sentido substantivo do manifest unreasonableness, enquanto, na segunda, ocorre através do exame da adequação dos meios à prossecução do escopo e ao balanceamento concreto dos direitos ou interesses em conflito.95 Trad. livre: [...] nem privado da vida, liberdade, ou propriedade, sem o devido processo legal [...].

6 O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, p. 26.

7 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 32.

8 CANOTILHO. Joaquim...

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