Pronunciamentos judiciais sujeitos a impugnação por recurso

AutorJúlio César Bebber
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho. Doutor em Direito do Trabalho
Páginas54-73

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5.1. Noções gerais

Somente os atos do juiz, desde que constituam pronunciamentos qualificados por conteúdo decisório, são suscetíveis de impugnação por meio de recurso. Não se sujeitam a recurso, por isso, os atos praticados pelas partes, pelo Ministério Público e pelos auxiliares do juízo (diretor de secretaria, oficial de justiça, perito, contador etc.).

Para adequada compreensão dessa assertiva, ressalto que ato do juiz é o gênero do qual pronunciamento do juiz é espécie.

Os atos processuais do juiz podem ser classificados da seguinte forma:

a) atos de documentação - são os atos que se destinam a documentar certos fatos (v. g., rubrica lançada em folhas dos autos);

b) atos reais - são atos de personalização da atuação do juiz (v. g., inspeção judicial, condução de audiência);

c) pronunciamentos judiciais - são atos praticados pelo juiz que resolvem o litígio ou questões incidentes, ou simplesmente impulsionam o processo preparando-o para resolução acerca dos pedidos formulados pelas partes.

5.2. Classificação e conceitos dos pronunciamentos judiciais

A CLT não classifica, nem tampouco conceitua, os pronunciamentos do juiz, embora faça referências à:

  1. decisão (CLT, 831; 832; 850 etc.), que é o gênero do qual os demais pronunciamentos são espécie;61

  2. sentença (CLT, 832, §§ 5º e 6º; 852-G; 852-I; 879; 895, IV e § 2º; 897, § 2º etc.);

  3. decisão interlocutória (CLT, 893, § 1º).

Imprescindível, por isso, utilizar o CPC que classifica e conceitua alguns dos pronunciamentos judiciais nos arts. 162 e 163.

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5.2.1. Sentença

O vocábulo sentença traduz a ideia de sentir (sentio, is se sum, ire), apreciar, julgar. De acordo com a disciplina legal vigente (CPC, 162, § 1º), sentença é "o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269" do CPC.

A exata compreensão do conceito de sentença exige uma breve nota histórica.

Ao elaborar o CPC de 1973, o legislador adotou a consequência dos pronunciamentos judiciais como critério distintivo. Dessa forma, se o conteúdo do pronunciamento judicial fosse decisório e potencialmente tivesse aptidão para pôr fim ao processo, estaríamos diante de sentença;62 caso não tivesse aptidão para ensejar o término do processo, estaríamos diante de decisão interlocutória.63

Esse critério, bem como a conceituação dos pronunciamentos judiciais no art. 162 do CPC (a despeito do conselho das fontes romanas, segundo o qual omnis definitio in jure civile periculosa est), foi levado a efeito pelo legislador diante da necessidade de assim proceder como requisito indispensável à elaboração e à compreensão de um sistema recursal simplificado, de modo que, "se o juiz põe termo ao processo, cabe apelação. (...) Cabe agravo de instrumento de toda a decisão, proferida no curso do processo, pela qual o juiz resolve questão incidente".64 A conceituação dos pronunciamentos judiciais, como se vê, possui íntima ligação com o sistema recursal.

Como a Lei n. 11.232/2005 instituiu o processo sincrético como regra, viu-se o legislador compelido a mudar o conceito de sentença. Daí a razão de a nova redação do art. 162, § 1º, do CPC deixar claro que é o conteúdo, e não mais a aptidão para pôr fim ao processo65 (não obstante isso possa ocorrer), que define o pronunciamento judicial como sentença.66

Por essa razão, sob a nova ordem legal, sentença deve ser conceituada como o pronunciamento do juiz que:

- examina apenas a relação jurídica processual e tem como efeito programado a extinção do processo;

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- examina a relação jurídica material e tem como efeito programado pôr fim ao processo ou à fase cognitiva;

- extingue o processo declarando satisfeita, ou não, a obrigação.

Disse que a sentença:

  1. é o pronunciamento do juiz, porque é uma das espécies do gênero atos processuais do juiz;

  2. examina apenas a relação jurídica processual e tem como efeito programado a extinção do processo, porque a decisão que examina a relação jurídica processual (pressupostos processuais e condições da ação) sem extinguir o processo (CPC, 267, caput) é classificada como decisão interlocutória (CPC, 162, § 2º - infra, n. 5.2.3);67

    Pode ocorrer, entretanto, de a decisão judicial declarar a impossibilidade de examinar o mérito e não pôr fim ao processo, classificando-se, ainda assim, como sentença. Isso ocorrerá quando a jurisdição ainda se fizer necessária para, por exemplo, executar multas (v. g., por litigância de má-fé), honorários advocatícios e custas processuais, bem como na hipótese de interposição de recurso. Daí a razão de se falar em efeito programado.

  3. examina a relação jurídica material e tem como efeito programado pôr fim ao processo ou à fase cognitiva, porque num processo sincrético a jurisdição pode, ou não, ainda se fazer necessária. Daí, mais uma vez, a razão de se falar em efeito programado;

    Pode ocorrer de a sentença de mérito pôr fim:

    - ao processo. As sentenças bastantes por si para a realização do direito (hipóteses dos arts. 466-A e 466-B do CPC),68 as sentenças que declaram prescrição e decadência, bem como as de improcedência, por exemplo, desde que dispensem atividade posterior, nem sejam objeto de recurso, são eficazes no sentido de dar cabo ao processo;

    - a uma das fases do processo. Isso ocorre quando há necessidade de atividade posterior, a fim de alcançar o cumprimento da obrigação atestada na sentença (CPC, 269, caput).

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  4. extingue o processo declarando satisfeita, ou não, a obrigação, porque essa é a característica da sentença proferida na forma do art. 795 do CPC. Referida sentença tem natureza meramente processual (formal). Vale dizer: sua função reside unicamente em pôr termo ao processo, declarando satisfeita (CPC, 794, 795 e 269), ou não (CPC, 794, 795 e 267), a obrigação.

    5.2.1.1. Adequação do conceito de sentença

    O novo conceito de sentença, aliado à modificação da cabeça dos arts. 267 e 269 do CPC, causou certa perplexidade aos mais afoitos e exige jogo de cintura dos juízes em situações específicas para evitar que, embora as coisas restem aparentemente simplificadas de um lado, compliquem-se em outro.

    Parece-me equivocada, então, a assertiva de alguns juristas69 que, interpretando isolada e literalmente o art. 162, § 1º, do CPC, sustentam que o legislador, na esteira do direito italiano, adotou o sistema de sentenças parciais. Nesse sistema, o juiz poderá, no curso do procedimento, solucionar definitivamente cada um dos pedidos cumulados (ou em relação a um dos litisconsortes) na medida em que eles se encontrem em condições para tanto.

    Defender a adoção do sistema de sentenças parciais implica:

  5. a proliferação de sentenças, com indesejável proliferação de recursos dotados de efeito suspensivo;70

  6. a mudança dos meios de impugnação. Essa circunstância não é sustentável. A Lei n. 11.232/2005 não modificou o sistema recursal (CPC, 513 e 522). Seria, aliás, um contrassenso admitir a possibilidade de interposição de recurso de apelação (ou apelação por instrumento) contra decisões proferidas no curso do procedimento (sentenças parciais) quando, pouco tempo antes, essa porta foi estreitada pela Lei n. 11.187/2005 que deu nova redação ao inc. II do art. 527 do CPC para autorizar o relator do recurso de agravo por instrumento a convertê-lo em agravo retido mediante decisão irrecorrível (CPC, 527, parágrafo único).71

    É por essa razão que alguns doutrinadores têm dito que, a despeito da literalidade do art. 162, § 1º, do CPC, não se pode identificar o que seja sentença apenas pelo seu conteúdo, sendo ela o pronunciamento do juiz cujo efeito

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    programado é o de pôr termo ao processo ou a uma de suas fases.72 Esse, em meu sentir, é o entendimento mais adequado.

    5.2.1.2. Classificação das sentenças quanto à eficácia

    Como preconizado por Pontes de Miranda, nenhuma demanda ou sentença nasce pura, contendo, em si, um conjunto de eficácia.73

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    Daí por que deve a sentença ser classificada tomando-se em conta o efeito que lhe é preponderante.74 Vale dizer, a natureza jurídica da sentença é classificada de acordo com o efeito que se destaca e prevalece sobre os outros.75

    Desse modo, as sentenças podem ser classificadas76 em:

  7. sentenças declaratórias. São as sentenças em que a carga de eficácia preponderante é a declaração por meio da qual é extirpada a incerteza (existência ou inexistência de relação jurídica, autenticidade ou falsidade de um documento

    - CPC, 4º). Como regra:

    - são autossuficientes, ou seja, não exigem atividade complementar em juízo;

    - produzem efeito ex tunc, ou seja, retroagem ao momento em que se verificou a situação jurídica.

  8. sentenças constitutivas. São as sentenças que produzem transformação mediante a constituição, a alteração ou a desconstituição de uma relação ou a situação jurídica. O principal efeito das sentenças de procedência em demandas constitutivas é o surgimento de um estado jurídico novo. Como regra:

    - são autossuficientes, ou seja, não exigem atividade complementar em juízo;

    - produzem efeito ex nunc, ou seja, produzem efeitos a partir do momento em que se tornam imutáveis. Há situações excepcionais em que a sentença constitutiva possui efeito ex tunc, como, v. g., a desconstituição de certa relação fundada na incapacidade do agente.

  9. sentenças condenatórias. São as sentenças em que o juiz afirma a existência do direito e de sua violação e condena o réu a prestar certa obrigação.77 Possuem

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    carga de eficácia executiva insuficiente. Isso significa dizer que não autorizam a prática de atos destinados à efetivação da sentença dentro da mesma...

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