A Preclusão Entre o CPC/73 e o Projeto do Novo CPC

AutorFernando Rubin
CargoAdvogado do Escritório de Direito Social
Páginas23-32

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1. Apresentação
  1. O novo CPC, já aprovado no Senado Federal, sob a denominação final de Projeto 8.046/10, e neste momento em tramitação na Câmara Federal (análise em comissão especial), traz novidades de múltiplas ordens ao se lançar a diploma infraconstitucional substituidor do Código Buzaid (CPC/73).

É, pois, objetivo do presente trabalho investigar o momento atual em que se projetam essas alterações, com foco especial no tema preclusivo, buscando pontos de convergência e também de divergência entre o CPC/73, com as reformas que já foram implementadas no seu texto, e o Projeto 8.046/10, em debate na Câmara dos Deputados.

Serão abordados avanços e também retrocessos que se sucederam neste debate para a tentativa de formação de um novo CPC, inclusive a diferença de redação entre o projeto final no Senado 8.046/10 e o seu antecessor, de número 166, também do ano de 2010; como também os pontos polêmicos que se debatem atualmente na Comissão Especial da Câmara Federal a respeito da preclusão, diante da publicação recente dos relatórios parciais de avaliação e sugestão de melhoria do projeto vindo do Senado.

2. A preclusão como instituto de direito processual e grande limitador para o agir das partes no processo
  1. A partir dos elementos centrais que configuram a razão de ser do processo estatal - seu procedimento em contraditório, no qual se desenvolvem as relações múltiplas entre o Estado-juiz e as partes litigantes, pautados pela mecânica dos prazos (com seus termos preestabelecidos em lei) -, é que aparece a respeitável imagem da preclusão processual, em todas as etapas, como instituto limitador da atividade processual dos sujeitos envolvidos, trazendo ordem ao feito e celeridade no seu desfecho.

Mesmo já tendo o Estado subtraído aos cidadãos a possibilidade de se valer da justiça privada - impondo a utilização do processo judicial -, é obrigado ainda a impor uma série de limitações à atividade dos litigantes no curso deste instrumento público de jurisdição, para que ande com regularidade, ordem e rapidez, dentro dos prazos preestabelecidos; subtraindo, por sua vez, a marcha do processo ao completo arbítrio do seu diretor, o Estado-juiz, representando esta uma importante e indiscutível garantia aos litigantes (jurisdicionados).

Extrai-se daí que a preclusão deve ser compreendida como um instituto que envolve a impossibilidade, por regra, de, a partir de determinado momento, serem suscitadas matérias no processo, tanto pelas partes como pelo próprio juiz, visando-se precipuamente à aceleração e à simplificação do procedimento. Integra sempre o objeto da preclusão, portanto, um ônus processual das partes ou um poder do juiz; ou seja, a preclusão

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é um fenômeno que se relaciona com as decisões judiciais (tanto interlocutória como final) e as faculdades conferidas às partes com prazo definido de exercício, atuan-do nos limites do processo em que se verificou.

Na Itália, onde o instituto da preclusão foi devidamente sistematizado, principalmente a partir dos estudos de Chiovenda, chegou-se a criticar o fato de ter se dado destaque ao fenômeno quando vinculado às atividades das partes - a partir do conceito de que o fenômeno preclusivo representaria a perda, extinção ou consumação da faculdade processual pelo fato de se haverem alcançado os limites assinalados por lei ao seu exercício.

Embora, de fato, apreclusão de questões para o juiz não conste expressamente na definição do instituto desenvolvido por Chiovenda, não há dúvida, analisando as suas obras, de que a espécie é contemplada ao lado da preclusão de faculdades para as partes, tanto é que, para diferenciar a coisa julgada material da preclusão (diferenciar, nas suas exatas palavras, "coisa julgada e questões julgadas"), discorre em miúdos sobre o que seja a preclusão de questões e sua ramificação interna, deixando transparecer que decisões interlocutórias ou finais inimpugnadas "transitam em julgado em sentido formal", não podendo mais ser modificadas pelas partes e pelo julgador.

De qualquer modo, cabe o grifo, o instituto ganha, inegavelmente, brilho particular ao se estabelecer como o grande limitador para a atividade processual das partes - sujeitas a firmes sistemáticas de prazos e formas, desde a fase pos-tulatória, no rito de cognição, até a extinção definitiva da fase de execução do julgado; mesmo porque, por outro lado, há matérias de or-dem pública não sujeitas ao regime preclusivo para o Estado-juiz.

Colocando-se como instituto que representa a maior limitação do agir das partes no processo, impondo ordem e celeridade ao procedimento, por certo se trata a preclusão de princípio processual, sem o qual não teríamos organização e desenvolvimento das etapas em prazo razoável. No entanto, admite-se uma aplicação maior ou menor dos seus préstimos, dependendo da espécie de procedimento a ser formatado.

A sua definição como técnica emerge, pois, justamente do fato de o instituto poder ser aplicado, com maior ou menor intensidade, tornando o processo mais ou menos rápido, impondo ao procedimento uma maior ou menor rigidez na ordem entre as sucessivas atividades que o compõem, tudo dependendo dos valores a serem perseguidos prioritariamente pelo ordenamento processual de regência de uma determinada sociedade, em um dado estágio cultural.

Exatamente nesse contexto que se insere o projeto para um novo CPC, já que não se cogita da mera exclusão dos seus préstimos (já que a preclusão é princípio), mas da redução dos seus préstimos (como técnica), em nome principalmente da simplicidade e aceleração do procedimento.

3. Reformas no CPC/73 e aumento das matérias não preclusivas para o juiz: a prescrição
  1. O CPC/73 na sua versão originária já tratava de diferenciar o regime preclusivo disposto para as partes e para o Estado-juiz, restringindo a aplicação do fenômeno ao diretor do processo, especialmente ao passo em que autorizava ao magistrado voltar atrás em decisão já tomada (relativização da preclusão consumativa), quando se tratasse de matéria de ordem pública: como as condições da ação e pressupostos processuais (art. 267, § 3 °), provas (art. 130, caput, ab initio), nulidades absolutas (art. 245, par. único) e erro material (art. 463,I).

    Com as reformas implementadas no Código Buzaid, tratou-se de alargar o rol das matérias não sujeitas à preclusão para o juiz, agregando-se a prescrição - hipótese mantida no Projeto do Senado 8.046/10.

    No que toca à matéria prescri-cional, a novidade apresentada pelo sistema é tratar a possibilidade de aplicação oficiosa da medida ao disciplinar o julgamento da demanda com resolução do mérito.

    A determinação para a decretação ex officio da prescrição, no regime do Codex processual, foi originariamente encaminhada pela Lei 11.280, de 2006, ao tratar da citação do processo, alterando o art. 219 do CPC vigente. Reza o aludido dispositivo, no seu parágrafo 5°: "O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição".

    Agora, o projeto do Senado incrementando a medida, alça o tema ao dispositivo que trata diretamen-te da resolução de mérito, confirmando que cabe ao juiz pronunciar, de ofício ou a requerimento da parte, não só a decadência (como historicamente se admitia), mas também agora a prescrição (histórica matéria de defesa - exceção oportunizada ao réu - tão somente reconhecida quando requerida expressamente pelo demandado em preliminar contestacional).

    Cabe referir, no entanto, que o tema prescricional, nos estritos limites da esfera laboral, não parece sertão simples. Ocorre que sob diversa perspectiva, boa parte da doutrina trabalhista observa que no âmbito do processo laboral, não

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    caberia aplicação subsidiária do art. 219, § 5°, do CPC, já que a decretação da prescrição virá sempre em prol do empregador; será uma vantagem diretamente vinculada à parte mais forte do conflito de interesses submetido à apreciação do órgão jurisdicional - logo, parece claro que seu reconhecimento de ofício pelo magistrado irá colidir, de forma impostergável, com o princípio de proteção.

    De qualquer forma, fechando parênteses, no âmbito do processo civil, a questão está pacificada e vem tratada no art. 474, IV, do pro-jeto do Senado para o novo CPC, e já vinha com próxima redação no anterior Anteprojeto 166/10, art. 469, IV.

  2. É de se observar que as demais matérias não preclusivas para o juiz são mantidas pelo pro-jeto. Ademais, ressalta-se que é tratado nesse contexto o juízo de admissibilidade recursal - aproximando, a doutrina, a sua disciplina especificamente das condições e pressupostos processuais (com as peculiaridades de se tratar de tema afeito ao segundo grau). Por isso mesmo, o Projeto 8.046/10 propõe mudança na atual redação do art. 518 do Código Buzaid, a fim de que a admissibilidade recursal seja efetuada diretamente pelo tribunal ad quem (art. 966 do projeto do Senado, Anteprojeto 166/10, art. 926).

4. Vertentes de aplicação da preclusão no modelo processual atual e hipóteses de supressão pelo Projeto 8 640/10: o agravo retido
  1. No estudo das preclusões que atuam sobre o magistrado ("preclusão de questões"), faz-se presente a regra da preclusividade, que muito bem pode ser confirmada com a omissão da parte preju-dicada, diante de...

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