As Bases do Processo de Integração Regional e Considerações sobre a Experiência da União Europeia na Implementação dos Direitos, Garantias e Deveres Sociais

AutorMárcio Luis de Oliveira
Páginas425-436

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Introdução: integração regional1

A integração regional entre sociedades soberanas, nos termos abordados neste trabalho, é um evento característico das relações internacionais do período pós-guerra e uma das consequências do fenômeno da globalização2.

Por contingências históricas, sociedades soberanas partem para uma cooperação recíproca de maior vinculação e coordenação em seus vários setores políticos, econômicos, sociais e jurídicos. Logo, a afirmação de uma consciência transnacional alicerçada em princípios comuns e a vontade política dos Governos na consecução de objetivos convergentes e na superação de interesses divergentes propiciam a harmonização e até mesmo a unificação de políticas públicas e de normas jurídicas, além de aproximarem os setores privados e as sociedades civis de diferentes países. Paulatinamente, o processo de integração regional requerer, em etapas mais adiantadas do fenômeno, a delegação de funções e de competências originariamente decorrentes das soberanias estatais para instituições políticas, legiferantes, administrativas, jurisdicionais e de controle que transcendem os Estados envolvidos3.

No contexto do mundo globalizado - altamente plural, complexo e dinâmico -, os benefícios decorrentes da comunhão de esforços coletivos são os grandes propulsores do processo integracionista. A multiplicidade e a diferenciação dos sistemas econômicos, políticos, sociais e jurídicos existentes em cada sociedade soberana e as necessidades históricas de aproximações desses sistemas - com o intuito de promover a otimização do desenvolvimento econômico-social em âmbitos territoriais e em escalas superiores às dos países envolvidos - dão origem a "sistemas comunitários" distintos dos sistemas internos dos Estados participantes.

De forma gradativa, os novos "sistemas comunitários" necessitam de instâncias decisionais e normativas próprias para possibilitarem a efetividade de suas ações e objetivos comuns. Concomitantemente, as instâncias intergovernamentais ou supranacionais formadas nos distintos processos de integrações regionais também passam a demandar por procedimentos para se legitimarem perante as respectivas sociedades e para afirmarem as suas autoridades.

Contudo, não se pode desconsiderar o fato de que a competência para a tomada de decisões políticas com impactos interestatais e para a emissão de normas jurídicas vinculantes em relação a Estados pressupõe a existência de instituições político-jurídicas derivadas - em suas origens - dos próprios Estados. Portanto, no processo de integração regional, essas instituições resultam de consensos intergovernamentais e de delegações de competências dos Estados envolvidos, dando formação a tipos e gradações distintas de integração, que vão da simples "Área de Tarifas Preferenciais" à "União Econômica e Monetária", além, é claro, da possibilidade de fundação de um novo Estado, resultante da fusão daqueles que iniciaram o processo de integração.

Assim, o fenômeno da integração regional se origina, se afirma e se sustenta na conjugação, em gradações distintas, de

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quatro bases importantes: a economia, a política, a sociedade e o direito.

Ao longo deste trabalho, faremos uma breve exposição das bases da integração regional, bem como dos modelos e da tipologia dos blocos de integração, dando-se ênfase à questão do bem-estar social, que é um importante pilar do processo integracionista.

Concluiremos o trabalho analisando aspectos dos direitos, garantias e deveres sociais implementados no âmbito da União Europeia, assim como alguns dos dilemas europeus relacionados ao retrocesso social hoje ocorrente.

Ressaltamos, por fim, que este artigo foi elaborado com respaldo em nossa Dissertação de Mestrado, defendida em 19994, à qual remetemos o leitor, caso haja algum interesse no aprofundamento dos estudos acerca da integração regional na União Europeia.

Passemos aos temas.

1. As bases da integração regional5

O associativismo estatal com propósitos integracionistas pressupõe a formação de uma economia (mercado) regionalizado e a vontade política dos Estados-membros. Porém, nos estágios mais avançados da integração regional, nos quais ocorre o fenômeno do "compartilhamento de soberanias estatais" em menor ou maior gradação (como é o caso da União Europeia), a integração não se limita aos aspectos econômico (mercado) e político (conjugação de vontades governamentais) 6. Em tais estágios, a integração demanda: a) respaldo popular (legitimidade democrática); b) bem-estar socioeconômico para os povos envolvidos; c) afirmação da consciência transnacional; d) sistema jurídico próprio, dotado de normas e instituições peculiares.

Os aspectos acima descritos serão analisados em torno das quatro bases do processo de integração.

1.1. A base econômica: o desenvolvimento e o mercado macrocontinental7

A tentativa, pelo Estado, de alcançar um certo nível de desenvolvimento econômico e o poder das forças inerentes ao mercado são dois fatores que atuam na origem do movimento integracionista.

O Estado, no cumprimento de suas funções e na consecução de seus fins (a realização do interesse público e a proteção dos interesses privados legítimos), precisa promover o desenvolvimento econômico para garantir o bem-estar da sociedade e gerar riquezas. Para tanto, o Estado vai buscar nas suas relações internacionais os elementos de cooperação que poderão lhe proporcionar o desenvolvimento desejado.

Essa cooperação, até há pouco tempo, só podia ser obtida junto a outros Estados ou perante organismos internacionais. Entretanto, e em virtude do fenômeno da globalização, a iniciativa privada vem se tornando, cada vez mais, uma fonte importante de recursos financeiros para os Estados, competindo com o clássico modelo de cooperação econômica estatal internacional. E embora já se perceba muitos dos efeitos funestos da ingerência do capital privado nos destinos das nações, não se pode deixar de ressaltar que ele tem sido, para o bem e para o mal, um fator decisivo na dinâmica integracionista do mundo globalizado.

O capitalismo, como sistema econômico de âmbito global, vem garantindo e fortalecendo a hegemonia das "leis de mercado". As forças intrínsecas ao dinamismo e ao expansionismo da economia competem por grandes contingentes de consumidores e mitificam o lucro. As fronteiras nacionais e as ideologias protecionistas são, portanto, indesejáveis a uma economia globalizada e já não servem mais como obstáculos aos efeitos e aos interesses do capital.

Nesse contexto, muitos Estados passam a perceber a necessidade de flexibilizar e interagir, de forma progressiva e permanente, os elementos e os fatores que compõem as suas economias nacionais, de modo a constituírem sistemas econômicos de abrangências regionalizadas, de extensões continentais e transcontinentais.

Tal atitude permite a convergência dos interesses públicos e privados de naturezas transnacionais numa determinada região do globo, servindo como alternativa para uma melhor sustentação, formatação e "disciplina" desse novo modelo econômico mundial que é movido por fatores econômicos transfronteiriços e, por conseguinte, resistente às regulações e às políticas de intervenção e de correção nos foros nacionais8.

Logo, e em princípio, o processo de integração é formado, em sua base econômica, pela tentativa de se criar sistemas econômicos regionais mais fortes e menos vulneráveis do que as economias nacionais às vicissitudes internacionais e até mesmo às peculiaridades locais, e com melhores possibilidades de se garantir o livre mercado conjugado com o desenvolvimento econômico no espaço integrado. Assim, os fatores econômicos (produção, circulação, repartição e consumo) de bens e de serviços, antes limitados ao sistema econômico nacional, ganham magnitude macrocontinental.

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1.2. A base política: a vontade política, a soberania compartilhada e a legitimidade democrática9

Apesar da relevância dos fatores econômicos na origem e no desenvolvimento da integração regional, o processo não se desenvolve sem a vontade política dos Estados. O mecanismo da integração tem nas regras de mercado o seu elemento propulsor, mas ele necessita do poder político integrador dos Estados, sem o qual dois ou mais sistemas econômicos internos não se harmonizam ou não se unificam.

Por sua vez, a harmonização e a unificação das políticas estatais, com intuito integracionista, requerem discussões, negociações e consensos tanto ao nível interno quanto ao externo. Por tal razão, a vontade e a força políticas dos órgãos estatais e de seus dirigentes são determinantes para o impulso e o desenvolvimento da integração.

Em grau mais avançado de cooperação e de coordenação verticais e horizontais do processo de integração, a transferência de competências originadas das soberanias estatais para órgãos autônomos passa a ser um dado irrefutável. Ou os Estados começam a compartilhar entre si algumas de suas funções e competências soberanas, em matérias específicas do movimento de integração, ou se...

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