Processo eletrônico e o princípio da extraoperabilidade: a conexão a serviço da causalidade (informação), da estrutura (operação) e da juridicidade

AutorS. Tavares Pereira
Páginas59-96

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Introdução

"[...] tanto quanto possível, busquemos o realizável no presente humano para um presente ainda mais humano, não para utopias irrealizáveis [...]."1

Este artigo persegue dois propósitos: (1) propor, de forma mais ampla e fundamentada, o princípio da extraoperabilidade e (2) dar as bases para distingui-lo (ou não) do princípio da conexão. Depois de os itens iniciais estabelecerem noções e conceitos necessários ao desenvolvimento das refiexões, traz-se uma abordagem dos dois princípios e, ao final, num quadro de dupla entrada, listam-se as características. A conexão ocupa lugar especial no estudo, porque ambos os princípios se amparam nela. O propósito (1), acima, inclui proposta do que fazer com as conexões tecnológicas para plugar o processo com segurança na internet.

Com a transferência do processo para o mundo virtual, algumas perguntas emergem persistentemente: é possível aproveitar o que se denomina de inteligência coletiva a favor da aceleração do processo? A qualidade da prestação jurisdicional pode ser aprimorada? Há riscos decorrentes dessa transferência do processo para o ambiente virtual? Há como evitá-los? Que características deve ter o sistema eletrônico de processamento de ações judiciais (SEPAJ2) para facilitar a vida dos operadores e ajudar a otimizar, com segurança, a efetividade da atuação jurisdicional, tão desacreditada pelos resultados e tempos que demanda? O princípio da extraoperabilidade é uma tentativa de resposta a tais perguntas.

Dentre as novidades do processo eletrônico, uma é realmente revolucionária: a amplificação e transmutação das possibilidades de conexão. Estudiosos e julgadores têm se referido, em artigos e decisões, ao que denominam ampla e genericamente de conexão. José Eduardo de Resende Chaves Júnior3, inclusive, sugere um

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princípio da conexão4 que, sob inspiração dos marcos teóricos que adota, afirma ser um dos inovadores princípios do processo judicial eletrônico.

Segundo Heisenberg5, nossas observações estão sujeitas ao nosso método particular de questionamento. A tese aqui esposada, sob luzes sociológico-sistêmicas, começa afirmando que a conexão é um elemento essencial de qualquer sistema. Sem conexão, interna e externamente, não há sistema. Portanto, a conexão sempre fez parte do processo. Sob tal assunção teórico-sistêmica, alguns questionam a propriedade de se enunciar um princípio da conexão.

Entretanto, mesmo que a conexão, per si, não possa ser erigida à condição de princípio informativo e diferenciador do processo eletrônico, porque sempre esteve presente no processo, parece pertinente investigar o que fazer a partir da constatação teórico-empírica da existência de novas e mais amplas possibilidades de conexão no processo eletrônico e, então, enunciar um princípio. Tal comando de otimização dá as balizas para o uso das relações do sistema eletrônico com seu entorno, informacional e estruturalmente, e define as linhas gerais a serem seguidas no trabalho: (a) noções iniciais e sistêmicas: sistema, elementos e propriedades, classificação dos sistemas, o SEPAJ e seu papel no processo, o processo como sistema, emergência do sistema processual híbrido, conexão, mundo e mundo dos autos, interoperabilidade e extraoperabilidade e imanência da extraoperação no processo; (b) princípio da conexão: noção e alcance; (c) princípio da extraoperabilidade: autonomia, autarquia, abertura cognitiva e fechamento normativo, diferenciação e outros fatores promotores da autonomia, acoplamento estrutural, estrutura, interpenetração, e (d) quadro de características dos dois princípios.

Espera-se contribuir para aprofundar as refiexões teóricas acerca do aperfeiçoamento do processo pelas novas possibilidades de conexão.

1. Noções iniciais
1.1. Processo, SEPAJ e processo eletrônico

O processo, como método de solução de confiitos, é um sistema de sentido, um sistema de comunicação ou social, como o classifica Niklas Luhmann e se verá mais adiante. Aplicado com ou sem tecnologia, é designado de processo ou sistema processual e está estruturado nos códigos e leis. O Poder Judiciário o utiliza para o exercício de sua função de império.

O SEPAJ é um sistema técnico - um sistema de informação (SI) - que serve ao processo. É uma ferramenta funcional, algorítmica, que supõe uma infraestrutura ampla de meios computacionais e de comunicação e que é visto como apto a acelerar e aprimorar o funcionamento do sistema social processo. O funcionamento na internet (sistema WEB) é seu traço mais marcante6.

O processo eletrônico é o processo (o método de solução de confiitos) feito com o auxílio do sistema de informação SEPAJ.

O processo, o SEPAJ e o processo eletrônico são os objetos das teorizações deste artigo. O SEPAJ é analisado sob os ângulos tecnológico - pois é um ente tecnológico - e jurídico, porque incorpora regramentos normativo-jurídicos (eNormas ou normas tecnológicas7).

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Trata-se, portanto, de um Sistema de Informação8 (SI) extremamente regulamentado, especializado, e que deve implementar características muito particulares. Nele, aplicando analogicamente o dizer de Ferraz Jr., o Direito "[...] se revela não como teoria sobre a decisão mas como teoria para a obtenção da decisão"9.

1.2. SEPAJ: agente processual tecnológico (eSujeito) e eConexões (conexões tecnológicas ou eletrônicas)

A Resolução CSJT n. 13610 erige o SEPAJ à condição de verdadeiro sujeito processual eletrônico (eSujeito, um agente automatizado11) e o chama de sistema ou de PJe-JT. Esse eSujeito vale-se de conexões de um tipo que jamais existiu no processo: as eConexões ou conexões tecnológicas, típicas do mundo virtual, que ligam sistemas técnicos com sistemas técnicos. Existem vários SEPAJ em uso: Projudi, PJe, PJe-JT, eSAJ, eProc.

O comando de otimização sobre o uso eficaz e jurídico das eConexões foi enunciado em 2009 como o princípio da extraoperabilidade, embora sem o acompanhamento das fundamentações expostas neste artigo: "um SEPAJ deve ser concebido como um subsistema autônomo e estruturalmente acoplado".

As ideias de autonomia e acoplamento estrutural exprimem características jurídico-tecnológicas a serem observadas na definição e desenvolvimento dos SEPAJ para explorar a potencialidade das eConexões com segurança. Elas são melhor explicadas no item específico sobre o princípio da extraoperabilidade.

2. Sistema

A palavra sistema há muito é utilizada no Direito. Mas, na Resolução CSJT n. 136, e em outras normas recentes, ela é usada com significação oriunda da área tecnológica, para referir software ou um sistema técnico. A inter-pretação dessas normas e o avanço teórico do Direito, e especialmente da TGP, dependem da aplicação pertinente desse conceito.

2.1. O processo judicial como sistema

Assume-se, axiomaticamente, que (1) existem sistemas e (2) o processo judicial é um sistema. Assim, se afastam dilemas epistemológicos iniciais. Existem sistemas, portanto, e o processo judicial é um sistema.

Por ora, a definição de sistema de Bertalanffy12, como complexo de elementos e suas inter-relações, permite incluir a presença de conexões no esforço teórico. Luhmann critica esse conceito, centrado demais no objeto e retrato de uma visão ontológica superada. A visão sistêmica, contextual, inclui também as conexões sistema/entorno13. Stair e Reynolds, da área de

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tecnologia, baseados em Bertalanffy, definem sistema como "um conjunto de elementos que interagem para realizar objetivos".14

2. 2 Sistema à luz da análise de sistemas, o processo e o SEPAJ

À luz da análise de sistemas, vejam-se a seguir as lições de Alan Daniels e Donald Yeates15 que são úteis há décadas.

A palavra sistema, no sentido em que se diz análise de sistemas ou engenharia de sistemas, é difícil de definir. Muitos pensam ser melhor deixá-la indefinida e captar o sentido pela observação de como é utilizada16.

Na linguagem comum, o termo é aplicado com ao menos dois sentidos diferentes do da expressão análise de sistemas. O leigo chama de sistema uma coleção de coisas similares e inter-relacionadas, como em sistema numérico, ou um conjunto de...

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