O Processo de Descentralização na Administração Pública

AutorSilvio de Jesus Pereira
Páginas184-193

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Introdução

Uma coisa é certa: não há como falar de formação de Estado sem a divisão de poderes e, consequentemente, sem falar, de forma sintética ou ampla, de Administração Pública, o que nos remete ao Direito Administrativo como ramo do Direito que a estuda.

Por serem tais ramos do direito pertencentes ao Direito Público, não se pode olvidar que há afinidade de um em relação ao outro. No Direito brasileiro, a afinidade ficou delineada quando o constituinte incluiu em nossa Constituição Federal um capítulo específico para a Administração Pública (Capítulo VII) no Título que constitucionaliza a Organização do Estado (Título III).

A eficiência foi objeto da Emenda Constitucional n. 45/2004, que integrou o caput do art. 37 desse Capítulo VII da Constituição Brasileira na forma de Princípio Constitucional da Administração Pública.

É nesse sentido que desenvolvemos nossos estudos para demonstrar que a descentralização do Serviço Público pode ser um instrumento importante e até mesmo necessário para alcançar esse Princípio Constitucional.

A descentralização, processo de distribuição de atividades inerentes à administração pública direta para a administração pública indireta, não teve início com o administrador moderno. Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto1, a história da administração pública registra o processo de descentralização desde o Império Romano, quando o Estado se sujeitava a algumas normas jurídicas definidas.

A partir de então, as sucessivas revoluções técnico-políticas (Revolução Francesa, Revolução In-

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dustrial, Revolução Americana e outras), as seguidas descobertas tecnológicas e o aumento da densidade demográfica exigiram dos gestores públicos novos procedimentos administrativos para desburocratizar a utilização do poder ou controlar o desenvolvimento das atividades do Estado.

Os gestores encontram na descentralização o meio de promover a separação entre atividade específica e atividades privadas desenvolvidas pelo Estado, tornando esse instrumento administrativo imprescindível para a Administração Pública.

No estudo da Teoria do Direito Constitucional, para Jorge Omar Bercholc2, independentemente do Sistema de Governo ou Regime Socioeconômico, o método da descentralização somente pode ser utilizado com a definição precisa do que se entende por serviço público, posto que não há que se confundir esse com o exercício de atividades da iniciativa privada exercida pelo Estado, mesmo as atividades executadas para promover a intervenção ou a regulação. Com razão o sapiente doutrinador.

No absolutismo, todas as atividades, públicas e privadas, eram exercidas pelo Estado. Em contraponto ao Estado Absolutista o Estado Liberal, foram formados pelo processo de transferência à iniciativa privada todos os serviços, público e privado, passando a se preocupar apenas com os direitos fundamentais.

A ausência de controle ou regulação na execução das atividades executadas pela iniciativa privada impediu o estado de garantir aos cidadãos esses direitos fundamentais. Diante desse impedimento, o Estado então retira os serviços públicos da iniciativa privada, assume a execução desses serviços e inicia um processo de intervenção e regulação dos serviços industriais e comerciais, inclusive, por algumas vezes, exercendo suas atividades. O Estado também passa a adotar métodos de gestão privada no desenvolvimento de suas atividades e o Serviço Público passa a ser regido pelos Princípios da Supremacia e da Indisponibilidade do Interesse Público.

Nesse estudo, apresentaremos o surgimento da descentralização das atividades públicas que irá permitir aos novos paradigmas de Estado a utilização desse instrumento de administração de forma mais intensa a partir do surgimento do "Estado do Bem-Estar Social", quando aumenta a intervenção do Estado.

Para melhor demonstrar a importância da descentralização administrativa, demonstrar-se-ão neste trabalho sua classificação e os novos entendimentos sobre sua utilização, dentre eles, a necessidade de participação pública, que deixa de ser apenas um instrumento técnico como se verá adiante.

1. Um pouco da administração pública nos diversos paradigmas de estado pós-absolutismo

A grande divergência entre o paradigma liberal e social consiste na determinação da igualdade entre as pessoas. No liberalismo, a autonomia da iniciativa privada contra ingerências estatais era suficiente para garantir a isonomia entre os cidadãos (livre acesso às camadas da pirâmide de estratificação social); o Estado Social, por sua vez, procurou equipará-los materialmente como condição da igualdade social e política.

Então, a relação entre a autonomia privada e a autonomia pública ficou desequilibrada: no paradigma liberal, em razão de uma esfera privada formalmente garantida e indiferente às desigualdades econômicas e sociais; e no paradigma social, em decorrência de uma administração provedora e autônoma, na medida em que, por um lado, procura compensar as desigualdades sociais e, por outro, retira dos cidadãos o poder decisório.

Diante desse posicionamento contraditório entre os paradigmas liberal e social, aparece a necessidade de estruturar a condução da Administração Pública, surgindo então o Direito Administrativo para efetuar o controle dos bens e do sistema financeiro do Estado, de forma a defender, monitorar e controlar o interesse público, bem como os exageros praticados pela classe economicamente dominante. A dimensão do Direito Administrativo, comportada dentro da noção de Estado Democrático de Direito, implica maior participação dos administrados na gestão das políticas públicas de saúde, educação, trabalho, etc. e implica também a inclusão dos admi-

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nistrados no âmbito da esfera consultiva e decisória da administração pública (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988).

A doutrina possui enorme dificuldade em estabelecer uma clara distinção entre o Estado Democrático de Direito e o Estado Social, afirmando alguns autores que o Estado de Direito é uma derivação do Estado Social, posto que, a partir desse paradigma, é que se iniciou a estruturação legal da Administração Pública tendo a participação do cidadão.

De fato, no início do Século XX, houve mudança na Administração Pública, quando o Estado deixou de ser um agente subsidiário da iniciativa privada passando a ter uma administração voltada para o interesse público; porém, apenas ao final desse Século XX é que o Estado se estruturou legalmente de forma a ter maior participação do cidadão, fortalecendo a legitimidade do exercício do poder, a retomada do conteúdo material das leis e a devolução da ideia de justiça. Essa participação efetiva popular começou a ocorrer, no final do Século XX, na Itália, Alemanha, Portugal, Espanha e em países da América Latina.

A Constituição alemã (1949), juntamente com a Constituição de Portugal (1976), e a Constituição da Espanha (1978) são consideradas inauguradoras do Estado Democrático de Direito. Denota-se nesse paradigma que a corrente naturalista dos princípios fundamentais passa a prevalecer sobre a corrente positivista, tendo os princípios do direito como fatores constituintes de fonte subsidiária do direito, já que os princípios são fundamentos da ordem jurídica por consagrarem valores supremos e servirem de base para a interpretação das leis.

O cidadão passa a ter maior participação social no controle e gestão do poder, pois nesse modelo de Estado deve-se observar o princípio da legalidade.

Passa-se, então, a ser difundida a ideia de maior participação social como forma de legitimação das atividades da Administração Pública. Consequentemente, implanta-se o modelo de descentralização das atividades administrativas e regulação dessas atividades por entidades públicas, porém, de direito privado, surgindo as Autarquias, Empresas Públicas e Fundações, ou seja, a chamada Administração Pública Indireta.

O surgimento do Estado Regulatório modifica a Administração Pública com o objetivo de impor um estado regulador e sem o poder executório das atividades privadas, ou seja, devolve à iniciativa privada a execução das atividades privadas, mantendo o controle que o faz por meio da regulação e o poder de intervenção para extirpar os abusos da iniciativa privada tais como o cartel e o truste.

2. Classificações da descentralização

A classificação da descentralização não é pacífica entre os doutrinadores, contudo, em muitas obras, o que se vê é apenas uma questão de nomenclatura para diferenciar uma de outra, sendo que o resultado na aplicação de um método de descentralização é exatamente o mesmo. Exemplo disso é a chamada "descentralização territorial" de Maria Silvia Zanella Di Pietro3; a descentralização sistemática de Jorge O. Bercholc4; e a descentralização geográfica de Marcelo Alexandrino5.

Para que possamos delinear a amplitude necessária aos nossos estudos, tomemos a classificação trazida pela doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro que é mais detalhada e que abrange os entendimentos dos demais autores, fazendo ressalvas aos posicionamentos de Jorge Omar Bercholc6, jurista argentino, que tem um entendimento diferente dos doutrinadores brasileiros quando coloca a descentralização como instrumento necessário para que os serviços públicos estejam mais próximos do cidadão sem prejuízo de sua utilização na forma de gestão

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pública e da divisão do próprio Poder Executivo, o que pode ser visto como repartição do Poder entre os entes da Administração Pública.

Di Pietro apresenta as seguintes modalidades de...

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