Procedimento de Manifestação de Interesse: interesse de quem?

AutorAndréa Romualdo Lavourinha
Páginas191-278
Introdução
Enquanto gestor público, qual seria seu plano de governo? Como realizar in-
vestimentos de grande vulto em setores debilitados sem comprometer sobre-
maneira os recursos públicos? Como gerir projetos de infraestrutura de alto
nível de complexidade sem a expertise técnica para tanto?
As questões não são simples e fazem parte da realidade política dos entes
federativos brasileiros. Com efeito, a necessidade de investimento nos diversos
setores de infraestrutura no Brasil tem repercutido, inclusive, na imprensa inter-
nacional: apesar das dimensões continentais, o Brasil despende o equivalente a
apenas 1,5% do PIB em infraestrutura, valor muito reduzido quando comparado
à média global de 3,8%.1
É preciso considerar, porém, que a estruturação de projetos de infraes-
trutura pressupõe a elaboração de estudos de viabilidade. O conteúdo desses

1 Nesse sentido, “despite the country’s continental dimensions and lousy transport links, its
spending on infrastructure is as skimpy as a string bikini. It spends just 1.5% of GDP on infras-
tructure, compared with a global average of 3.8%, even though its stock of infrastructure is
valued at just 16% of GDP, compared with 71% in other big economies. Rotten infrastructure
loads unnecessary costs on businesses. In Mato Grosso a soyabean farmer spends 25% of
the value of his product getting it to a port; the proportion in Iowa is 9%.” THE ECONOMIST.
Has Brazil blown it? A stagnant economy, a bloated state and mass protests mean Dilma
Roussef must change course. Setembro de 2013. Disponível em: http://www.economist.
com/news/leaders/21586833-stagnant-economy-bloated-state-and-mass-protests-mean-
-dilma-rousseff-must-change-course-has. Acesso em: 17 de outubro de 2013.
No mesmo sentido, esses dados foram abordados em reportagem da The Economist,
intitulada The road to hell. Getting Brazil moving again will need lots of private investment
and know-how. Setembro de 2013. Disponível em: http://www.economist.com/news/spe-
cial-report/21586680-getting-brazil-moving-again-will-need-lots-private-investment-and-
-know-how-road.
É importante notar que o valor de 1.5% corresponde a investimento de origem pública e
privada.
PROCEDIMENTO DE MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE:
INTERESSE DE QUEM?
ANDRÉA ROMUALDO LAVOURINHA
192 COLEÇÃO JOVEM JURISTA 2014
fomentar a concorrência entre participantes2 e o desenho de contratos de con-
3 para a sociedade.
Mesmo que a Administração Pública não detenha conhecimento para ela-
borar esses estudos, isso não implica a falência do projeto. O poder público
pode chamar a iniciativa privada para apresentar projetos ou, ainda, pode ser
espontaneamente acionado pelo ente privado interessado em apresentar estu-
dos destinados à estruturação de uma concessão ou PPP.
Nesse sentido, o instituto do Procedimento de Manifestação de Interesse

privada na modelagem de projetos de PPPs e concessões.4
esse procedimento? Existe instituto análogo em âmbito internacional? Como
os entes federativos brasileiros o regulamentam? Quais são as variáveis mar-
cantes adotadas em sua regulamentação? Como ele vem sendo implementado
e, sob uma análise econômica, sua implementação é positiva?
As indagações são muitas. O presente trabalho tem por objetivo abordar o
instituto do PMI de diferentes formas. Vislumbra-se analisar as principais variá-
veis atinentes aos possíveis desenhos regulatórios do instituto, considerando-se
para tanto a literatura internacional acerca das unsolicited proposals. Ademais,
busca-se apresentar as variáveis presentes no Brasil à luz do marco normativo
adotado no país. Objetiva-se, ainda, sob o enfoque da análise econômica do
direito, analisar o instituto em âmbito teórico e, complementarmente, averiguar
empiricamente se há ocorrência de captura do procedimento licitatório subse-
quente ao PMI pelo particular autorizado a elaborar estudos de viabilidade.
Para tanto, optou-se por dividir este trabalho da seguinte forma. A seção 1
contempla uma contextualização do instituto. Objetiva-se, com isso, apresentar
2 Sobre a importância de maximizar a concorrência entre os participantes capazes de prestar
o serviço adequadamente, evitando estruturas que deixem espaço para a ocorrência de si-
tuações inibidoras da competição como conluio, captura e barreiras à entrada desnecessá-
rias. Ver RIBEIRO, Maurício Portugal. Concessões e PPPs: melhores práticas em licitações
e contratos. São Paulo: Atlas, 2011. pp. 10 e ss.
       
social. Para tanto, deve-se procurar alocar os riscos contratuais com base nos seguintes
critérios: (1) quem pode, a um custo mais baixo, reduzir as chances de que o risco venha
a se materializar ou, não sendo isso possível, mitigar os prejuízos resultantes de sua ma-
terialização? Normalmente, essa parte é aquela que tem maior controle sobre o risco em
questão ou sobre suas consequências. (2) Deve-se evitar sempre a alocação de riscos para
agentes econômicos que podem externalizar suas perdas (o Estado pode sempre transferir
seus custos para todos os contribuintes e as perdas por ele sofridas não induzem a uma
-
rência dos riscos para o parceiro privado, sempre que a resposta a (1) for compatível com
isso. Nesse sentido ver RIBEIRO, Maurício Portugal. Op. cit. pp. 80 a 82.
4 É importante notar que a destinação dos estudos a serem produzidos, i.e., se o objetivo do
poder público é a contratação de PPP, de concessão comum ou a permissão é aspecto que
varia de acordo com o normativo adotado pelas unidades federativas brasileiras. Esse tema
será esmiuçado na seção 3.
PROCEDIMENTO DE MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE 193
ao leitor, de forma breve, o cenário de investimento privado em infraestrutura no
Brasil e as fases de estruturação de projetos, com foco na complexidade atinente
à elaboração de estudos técnicos responsáveis por atestar sua viabilidade.
Em seguida, na seção 2, é apresentada uma revisão de literatura interna-
cional acerca das unsolicited proposals    
introduzirem variáveis relevantes para o delineamento regulatório do proce-
dimento. Nesta seção, também são apresentados mecanismos de incentivo à
participação da iniciativa privada, aplicados internacionalmente.
Na seção 3, é desenvolvida análise do marco normativo federal e estadual
do PMI. A ideia é expor o desenho normativo do instituto adotado no país e
  

Posteriormente, a seção 4 visa analisar o PMI à luz da teoria da agência.
Para tanto, destina-se uma subseção à análise teórica da aplicação das premissas
centrais da relação de agência à autorização conferida pelo poder público ao
particular. Em seguida, é apresentado um levantamento empírico comparativo
entre PMIs solicitados e licitados. O enfoque prático adotado visa contribuir com
a análise da efetiva utilização do instituto no país sob uma perspectiva crítica.
 -
ses realizadas.
1. O contexto do procedimento de manifestação de interesse
O poder público vem buscando, cada vez mais, traçar parcerias com o setor
-
ra pública.5,6 No cerne dessas parcerias, o PMI é um instituto que vem se desen-
5 Essa tendência não se restringe à realidade brasileira. Com efeito, “[g]overnments worl-
      -
mand and supply of public infrastructure, and the use of public-private partnerships (PPPs)
offers an increasingly attractive alternative as compared to traditional method of procure-
  ”. VERMA, Sandeep. Competitive Award of Unsolici-
ted Infrastructure Proposals: A recent Supreme Court verdict unveils fresh opportunities
for procurement reform in India. In: The Practical Lawyer, Londres: The Practical Lawyer,
jun, 2010. Disponível em http://ssrn.com/abstract=1464685 ou http://dx.doi.org/10.2139/
ssrn.1464685. Acesso em: 18 set. 2013. pp. 1 e 2.
   
     
mas em instrumentos para dar suporte ao desenvolvimento econômico e social de uma
determinada região. Essa infraestrutura pode ser econômica e social, sendo exemplos do
primeiro caso as infraestruturas de água, esgotos, eletricidade, entre tantas. As sociais,
por sua vez, são representadas por hospitais, rodovias, presídios, bibliotecas. Outra clas-
     hard e soft. No primeiro caso, certamente
os investimentos serão vultosos envolvendo a construção de prédios e equipamentos. No
caso da infraestrutura soft, a ênfase será na provisão de serviços como limpeza de ruas,
educação treinamento e bens culturais.” NÓBREGA, Marcos. Direito da Infraestrutura. São
Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 55.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT