Procedimento Cautelar

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas2395-2421

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1. Introdução

Parece estar claro, a esta altura, que a ação constitui um direito subjetivo público do indivíduo — elevado, no Brasil, à categoria constitucional — e que o processo é a técnica ou o instrumento de que se vale o Estado para solucionar, heteronomamente, os conflitos de interesses verificados entre as pessoas em geral.

É evidente que se as partes possuíssem ampla liberdade para atuar em juízo, praticando os atos que bem entendessem, no lugar, tempo e forma que melhor lhes aprouvessem, isso conduziria a um incontrolável tumulto processual, além de favorecer ao litigante mais astuto e afeito a velhacadas, de subtrair do juiz a direção do processo e de colocar em risco a própria credibilidade popular nesse instrumento estatal destinado a dar cobro aos conflitos de interesses.

Foi precisamente para evitar a ocorrência de situações como as conjecturadas que a lei estabeleceu, com certa rigidez, um complexo sistema de exigências pertinentes não apenas à atuação das partes em juízo, mas, também, disciplinadoras dos atos que elas desejam praticar. Tal é o moderno sistema da legalidade das formas, conforme o qual, por princípio, os atos devem ser praticados no lugar, tempo e forma previstos pelas normas legais do processo.

Ao conjunto de atos praticados no processo se dá o nome de procedimento. Esse conjunto, todavia, não é desordenado, centrífugo; ao contrário, é integrado por atos que se inter-relacionam harmoniosamente, que se interdependem e formam uma unidade teleológica.

É possível, por isso, conceituarmos o procedimento como o conjunto de atos, legalmente preordenados, e em regra preclusivos, inter-relacionados e interdependentes, que se encaminham a um ponto de atração comum: a sentença.

O procedimento representa, portanto, a manifestação extrínseca do processo; corresponde ao envoltório do qual o processo é a íntima substância, de acordo com a metáfora atribuída a Bülow.

O sistema da legalidade das formas não exclui o processo cautelar e o procedimento que lhe é próprio.

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A regulamentação legal das formas procedimentais figura, aliás, como fator de garantia às próprias partes, porquanto disciplina as suas relações recíprocas e as relações com o juiz, evitando, assim, a escravização de uma relação à vontade e aos interesses da outra, bem como a submissão de ambas a um arbitrário comando judicial.

Podemos mesmo asseverar que, inversamente ao que se passa na esfera política, no campo processual a “ditadura das formas procedimentais” é instrumento de asseguração da igualdade dos litigantes e de garantia de imparcialidade do juiz. Mesmo no processo de execução, onde o exequente tem posição de preeminência e o devedor, estado de sujeição”, vigora o sistema da legalidade das formas dos atos procedimentais, pois a supremacia do primeiro não constitui motivo para colocar o processo à sua livre disposição.

O procedimento cautelar não se biparte em fases distintas, uma destinada ao conhecimento e outra à sequente execução; essas fases estão integradas à unidade do procedimento acautelatório e se desenvolvem dentro de um encadeamento lógico, sendo os demais atos praticados de modo sucessivo ou simultâneo, mas sempre tendentes a tornar concreta a finalidade desse processo: a tutela de um direito ameaçado de lesão iminente, grave e de difícil reparação.

Faltaram razões, por isso, a Alfredo Rocco (ob. cit., p. 77-78), Francisco Carnelutti (ob. cit., p. 17) e Piero Calamandrei (ob. cit., p. 35), quando sustentaram a presença de fases específicas e isoladas no procedimento cautelar: de cognição e executiva. Os ilustres juristas parecem não haver percebido que o critério correto para determinar a espécie processual não é o que se baseia nos atos que são praticados e sim no escopo do processo. Ora, sendo objetivo do processo cautelar, como dito há pouco, a proteção de direito ameaçado, e não a composição de lides e a realização prática do direito reconhecido, fica fora do prisma jurídico identificar-se uma fase de conhecimento e outra de execução, em seu bojo.

Por outro lado, incide com amplitude, no processo cautelar, o princípio da demanda ou da inércia jurisdicional, insculpido no art. 2.º do CPC, em conformidade com o qual o juiz somente poderá prestar a tutela jurisdicional quando a parte ou o interessado a requerer nos casos e formas previstos em lei. Nem mesmo a indiscutível necessidade na obtenção dos provimentos acautelatórios justifica o fato de o juiz agir de ofício nesse processo; fazendo-o, estará esquivando-se, com espantosa ousadia, do seu dever de imparcialidade (CPC, art. 125, I), que figura como um dos princípios informativos do direito processual dos tempos modernos.

Estamos considerando a atuação ex officio do magistrado quanto ao processo cautelar incidental; por muito mais forte razão ele está impedido de tomar a iniciativa de conceder medida dessa natureza em processo não-incidental — a que o Código, em atrito com a melhor doutrina, denomina de “preparatório” (CPC, art. 800, caput). No mais, a disposição dessa norma legal, de que as medidas cautelares serão requeridas (ao juiz) nos parece dotada de clareza suficiente para demonstrar que o magistrado, ainda que em sede cautelar, necessita de que o interessado provoque o exercício da jurisdição.

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Na disciplina do Código vigente, o procedimento cautelar se encontra fracionado em: a) comum, traçado pelos arts. 801 a 803; b) especial (ou específico), estabelecido pelos arts. 813 a 889.

As normas referentes ao procedimento comum são aplicáveis, em caráter supletivo, ao específico (CPC, art. 812), além de regerem as providências inominadas ou atípicas (CPC, art. 798).

É óbvio que as normas pertencentes à parte geral do Código também são aplicáveis ao procedimento cautelar, desde que necessárias para suprirem eventuais lacunas e inexista incompatibilidade entre aquelas normas e esse procedimento.

Para Theodoro Júnior, três foram as circunstâncias determinantes da instituição, pelo Código, de procedimentos acautelatórios específicos: a) para fixar ritos especiais a certa classe de pretensões, como a busca e apreensão, a caução, etc., sem formular requisitos extraordinários ou individualizados para a medida; b) unicamente para estabelecer requisitos especiais a algumas providências (arresto, sequestro, etc.), sem, contudo, afastar o rito comum; c) para estipular, em alguns casos, ritos e requisitos especiais, como se dá com a exibição, a antecipação de provas, o atentado, etc. ... (ob. cit., p. 121).

2. Atos procedimentais

Passemos, agora, à dissecação prática do procedimento cautelar comum, isolando e analisando cada um dos atos que o integram. Os procedimentos específicos serão examinados na segunda parte deste capítulo.

2.1. Petição inicial

Reiteremos que mesmo em sede cautelar o juiz não pode agir de ofício, pois também aqui se encontra subordinado ao princípio da demanda, que exige sempre a iniciativa da parte ou do interessado.

Sob esse aspecto, a petição inicial pode ser conceituada como instrumento formal específico de que o indivíduo se utiliza para provocar o exercício da função jurisdicional — cognitiva, executiva ou cautelar — do Estado. Mais do que isso, ela representa o elemento delimitador da extensão da entrega da prestação jurisdicional invocada, pois é de lei que o juiz não pode decidir a lide além dos limites em que foi proposta (CPC, art. 128), nem proferir sentença, em prol do autor, de natureza diversa da solicitada, nem condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que foi denunciado (CPC, art. 460).

Tem-se afirmado, no universo doutrinário, em razão disso, que a petição inicial corresponde a uma espécie de projeto do provimento jurisdicional que o autor deseja obter. É verdade, por outro ângulo, que esse “projeto” pode ser modificado — com maior ou menor intensidade — pela resposta do réu ou pela incidência de norma legal que a ele se contraponha.

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Essa peça inaugural do processo, porém, está rigidamente submetida a imperativos de ordem formal, sob pena de ser indeferida, por inepta.

Refletindo essas exigências formais, estabelece o art. 801 do CPC que o requerente pleiteará a medida cautelar em petição escrita, que deverá indicar: a) autoridade judiciária a que for dirigida; b) o nome, estado civil, a profissão e a residência do requerente e do requerido; c) a lide e seu fundamento; d) a exposição sumária do direito ameaçado e o receio de lesão; e) as provas que serão produzidas.

Do cotejo entre essa norma legal e o art. 282 do mesmo Código, que dispõe sobre os requisitos da petição inicial relativa ao processo de conhecimento, constatamos que o legislador não introduziu na redação do art. 801 os requisitos: a) do pedido, com as suas especificações; b) do valor da causa; e c) do requerimento para a citação do réu, constantes do art. 282.

Teriam esses requisitos sido propositadamente excluídos da inicial cautelar, ou a omissão seria produto de mera inadvertência do legislador? É de larga conveniência que respondamos a essa indagação.

a) O pedido. Embora o pedido não se encontre incluído entre as exigências formuladas nos incisos I a V do art. 801, entendemos que esteja expresso no próprio caput da precitada norma legal, na parte em que determina que o requerente pleiteará a medida acautelatória. Pleitear é pedir. Concluímos, assim, que o pedido: 1. constitui requisito da inicial cautelar; 2. está implícito na locução “o requerente pleiteará”, integrante da cabeça do art. 801.

  1. O valor da causa. Do ângulo estrito do processo civil, pomo-nos em vilegiatura para afirmar que houve omissão do legislador ao redigir o art. 801 do Código, na medida em que esse valor é imprescindível para fim de cálculo das...

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