A Prisão Temporária e o Princípio daPresunção de Inocência

AutorLuiz Eduardo Cleto Righetto - Cristiane Fonseca
CargoAdvogado criminalista - Bacharela em Direito
Páginas25-33

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1. Introdução

A finalidade do presente artigo é a análise do instituto da prisão temporária, uma das modalidades de prisão cautelar do processo penal brasileiro, à luz do princípio constitucional da presunção de inocência do réu.

Objetivando uma melhor compreensão, será feita inicialmente uma sucinta apreciação sobre o controle social do Estado, abordando os tipos de prisões caute-lares existentes no processo penal brasileiro.

Na sequência, o instituto da prisão temporária, que surgiu com a Medida Provisória 111/89, substituída pela Lei 7.960/89, será avaliado nos moldes da doutrina e jurisprudência pátria.

Por derradeiro, será examinado o princípio da presunção de inocência, demonstrando que este tipo de prisão cautelar contrasta com a máxima deste princípio, de que não se deve recolher à prisão o possível autor de uma infração penal antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Para tanto, será colacionado o entendimento jurisprudencial do STF quanto à hipótese e tecidas algumas considerações pontuais, tendo em vista os fatos expostos.

2. Sociedade e Estado: controle social

Um dos maiores conflitos da ciência jurídica reside entre o direito de punir - ius puniendi e o direito de liberdade - ius libertatis. O direito de liberdade é, sem sombra de dúvida, um dos atributos mais importantes do ser humano, do qual decorrem outros direitos fundamentais.

A princípio, o homem vivia em um estado de liberdade plena, na fase do estado de natureza, porém houve necessidade de se impor um regramento para o convívio social. Foi neste momento que surgiu a sociedade civil, oriunda do contrato social, deixando a cargo do Estado o ius puniendi, visto que a liberdade foi restringida para o alcance do bem comum.

Com o contrato social todos são iguais perante o direito, eliminando, assim, a lei do mais forte. É neste estágio que o Estado passa a deter o dever-poder do ius puniendi, visto que, no momento que o estado civil exige um pacto social para uma convivência harmônica entre os indivíduos que compõem a sociedade, este pacto também legitima o Estado a punir o indivíduo que comprometer a paz social ao cometer um delito.

O ius puniendi é o direito conferido ao Estado de punir todo indivíduo que pratica um fato típico, antijurídico e culpável, visando à defesa dos bens jurídicos da sociedade. Porém, mesmo o Estado sendo o único a deter o ius puniendi, este uso é limitado pelo interesse

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público, não podendo ser udado de forma indiscriminada. Além do mais, o ius puniendi encontra-se adstrito ao princípio da reserva legal (nullum crimen, nulla poena sine lege), encontrando previsão no art. 5o, inciso XXXIX, da Constituição da República Federativa do Brasil.

No momento em que um crime é praticado, nasce para o Estado, em nome da coleti-vidade, o direito de perseguir o provável autor da infra-ção - o ius perse-quendi, que procura dar efetividade ao ius puniendi através das fases inves-tigativa e judicial. Para que o acusado seja submetido à sanção prevista em lei, é necessária a apuração da veracidade da acusação, sempre respeitando princípios como o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório e, principalmente, a presunção de inocência, que norteia o ius libertatis.

Porém, apesar de a Carta Magna anunciar, em seu artigo 5o, inciso LVII, o princípio da presunção de inocência, assegurando que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenató-ria", existe a hipótese estabelecida no artigo 5o, inciso LXI, da mesma Constituição, que afirma que "ninguém será preso, senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente", estabelecendo, assim a possibilidade constitucional de um indivíduo ser levado à prisão antes mesmo do trânsito em julgado da sentença condenatória.

3. A prisão no processo penal brasileiro

No ordenamento jurídico brasileiro, segundo Capez1, existem duas espécies de prisão, quais sejam: a prisão-pena (penal), que é aquela imposta em virtude de sentença penal condenatória transitada em julgado, e a prisão processual (provisória ou cautelar), destinada a assegurar o bom desempenho da investigação criminal, do processo penal ou da execução da pena.

O presente artigo tem como foco as prisões processuais, especificamente, a prisão temporária. Para Rangel2 a prisão processual "é uma espécie de medida cautelar, ou seja, é aquela que recai sobre o indivíduo, privando-o de sua liberdade de locomoção mesmo sem sentença definitiva". Segundo a Lei 12.403/11, que altera, dentre outros, o artigo 283 do Código de Processo Penal, a prisão processual compreende as seguintes formas: prisão em flagrante delito; prisão preventiva e prisão temporária.

Com a reforma do Código de Processo Penal pela Lei 11.689/08, deixou de existir a prisão do artigo 408, § 2o, chamada de prisão pela pronúncia. Portanto, caso estejam presentes os requisitos da preventiva, o juiz, após pronunciar o réu, deverá mantê-la, no caso de réu preso, ou decretá-la, no caso de réu solto.

A Lei 11.729/08 revogou o artigo 594 do Código Penal, que dispunha sobre a prisão pela sentença condenatória recorrível, quando o réu era obrigado a recolher-se a prisão antes do trânsito em julgado da sentença, sob pena de ser impedido de apelar. O STF já havia decidido que tal prisão figurava como requisito extravagante de admissibilidade do recurso, violando o princípio do duplo grau de jurisdição.

No âmbito penal, o juiz deve atuar dentro da chamada "discri-cionariedade recognitiva", ou seja, deve verificar se no caso concreto encontram-se os pressupostos previstos na lei penal para então lançar mão do instrumento cautelar, portanto, o poder de cautela do juiz penal encontra sérios limites no direito de liberdade do cidadão, em conflito com o dever do Estado de garantir a eficácia da persecução penal.

Dois pressupostos devem preexistir à prisão cautelar, apresentando-se como indispensáveis à sua decretação. São eles: o fumus boni iuris e o periculum in mora.

O fumus boni iuris, mais conhecido como a "fumaça do bom direito", no conceito de Rangel3 é a "probabilidade de uma sentença favorável, no processo principal, ao requerente da medida", resumindo-se no "binômio prova de existência do crime e indícios suficientes de autoria".

O segundo pressuposto de uma medida cautelar, o periculum in mora, também chamado "perigo na demora", pode ser traduzido como o perigo que a liberdade do acusado pode causar à efetividade do provimento final do processo, qual seja, a absolvição ou a condenação daquele.

Enfim, o caráter provisório das medidas cautelares encontra fundamento no sentido que visa tutelar uma situação de perigo, de modo que se mostrarão necessárias enquanto existir a possibilidade de algum dano decorrente daquele perigo (periculum in mora), desde que haja a probabilidade de uma solução favorável ao requerente da

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medida cautelar, ao final do processo principal (fumus boni iuris).

4. As prisões cautelares no processo penal brasileiro

A prisão em flagrante é uma forma de instauração do inquérito policial. É a única que não é decretada, mas para que seja considerada legal seus requisitos devem ser observados, sob pena de ilegalidade.

Para Capez4, prisão em flagrante é a "medida restritiva, de natureza cautelar e processual, consistente na prisão, independentemente de ordem escrita do juiz competente, de quem é surpreendido cometendo, ou logo após ter cometido, um crime ou uma contravenção". Aplica-se, pois, também às contravenções.

A prisão preventiva é um modo de prisão processual ligado a uma medida restritiva de liberdade determinada por um juiz. Essa determinação pode ocorrer tanto na fase do inquérito policial como da instrução criminal. É considerada uma medida de segurança processual, garantindo eventual execução de pena, o interesse da instrução criminal e a preservação da ordem pública.

É fundamentada no Código de Processo Penal, nos artigos 311 a 316, visando garantir que o acusado não fuja ou que venha a coagir testemunhas. Para sua decretação deve sempre apresentar os pressupostos de toda medida cautelar, ou seja, deve haver o indício suficiente de autoria e da materialidade do delito.

A terceira modalidade de prisão cautelar é a. prisão temporária, que, ao contrário das demais, não está disposta no Código de Processo Penal, mas sim em uma lei específica, a Lei 7.960/89. Esta modalidade de prisão substituiu, legalmente, a antiga prisão para averiguação e, como objeto do presente artigo, será estudada detalha-damente no próximo capítulo.

5. A prisão temporária

Como já explanado, a prisão temporária encontra previsão na Lei 7.960/89 e tem a finalidade de acautelamento das investigações do inquérito policial, conforme previsto em seu artigo 1o, inciso I. Como é uma medida de caráter provisório, tem a sua duração expressamente fixada no artigo 2o da referida lei, além do artigo 2o, § 4o, da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos).

Podemos ver as principais características da prisão temporária no artigo 1o da Lei 7.960/89, in verbis:

Art. 1° Caberá prisão temporária:

I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;

II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;

III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:

a) homicídio doloso (art. 121...

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