Prisão Civil do Devedor de Alimentos: Uma visão constitucional e jurisprudencial

AutorRodolpho Cézar Aquilino Bacchi
Páginas59-77

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I Visão Histórica

O poder familiar1, com o nome de pátrio poder, era exercido pelo homem. Que representava o cabeça do casal, o chefe da sociedade conjugal. Sua obrigação era prover o sustento de toda a família, o que se convertia em obrigação de prestar alimentos, quando do rompimento do casamento. Este não entendido como dissolução, por ser até então o casamento indissolúvel, somente se extinguindo por morte ou anulação. Contudo, havia a possibilidade de desquite, o que ensejava a separação de fato dos cônjuges, à dispensa do dever de fidelidade e ao término do regime de bens.

O Código Civil de 1916 neste tema era extremamente conservador, quando não permitia o reconhecimento de filhos gerados fora do casamento, os chamados filhos ilegítimos. Os quais não poderiam alcançar sua identidade e nem prover sua subsistência.

Outra posição anacrônica do Código de 1916 era a imposição da obrigação alimentar ao marido em favor da mulher inocente e pobre, apesar de atribuir o dever de mútua assistência a ambos os cônjuges.

MARIA BERENICE DIAS2 descreve que “apesar da possibilidade de desquites, o vínculo matrimonial mantinha-se inalterado. Tendo em vista que o casamento nãoPage 60 se dissolvia, o encargo assistencial permanecia, ao menos do homem para com a mulher, a depender da sua inocência e necessidade, assim reconhecida na ação de desquite. O dever de sustento somente cessava no caso de abandono do lar sem justo motivo. A maior preocupação não era com a necessidade, mas com a conduta moral da mulher, pois a sua honestidade era condição para obter pensão alimentícia. O conceito de honestidade, para as mulheres, sempre esteve ligado à sua sexualidade. O exercício da liberdade sexual fazia cessar a obrigação alimentar, sem qualquer questionamento quanto à possibilidade de ela conseguir manter-se. Assim, a castidade integrava o suporte fático do direito a alimentos. Para fazer jus a eles, a mulher precisava provar não só sua necessidade, mas também sua castidade”.

A partir da Lei do DivórcioLei 6.515, a obrigação de alimentar, entre os cônjuges, passou a ser recíproca, segundo o art. 19, que prevê que o “cônjuge responsável pela separação judicial prestará ao outro, se dela necessitar, a pensão que o juiz fixar”, isto é, o cônjuge responsável pela separação não teria o direito de pleitear alimentos. Ao autor da ação caberia provar a necessidade, a sua inocência, e a culpa do réu.

Já na união estável, a companheira desde que prove necessidade e enquanto não constituída uma nova união tem direito a receber alimentos, estendendo o mesmo direito ao companheiro, conforme o art. 1º da Lei 8971/94. Nesta hipótese, não se discutiria a postura dos cônjuges quando do fim do relacionamento, limitando o âmbito de cognição da demanda de alimentos.

A jurisprudência passou a encarar tal questão como afronta ao princípio da isonomia, não havendo justificativa plausível para desigualar situações (casamento e a união estável) que apresentam a mesma origem, ou seja, o vínculo afetivo. Logo, passou a dispensar a perquirição de culpa quando a lide envolvesse discussão de alimentos.

O Código Civil de 2002 trata da obrigação de alimentar, não fazendo qualquer distinção quando desses advirem da relação de parentesco ou do rompimento do casamento ou da convivência. A ausência de qualquer diferenciação quanto à natureza desta obrigação tem gerado sérias controvérsias na doutrina atual.

II Conceito e Espécies

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Para SILVIO DE SALVO VENOSA3, “alimentos, na linguagem jurídica, possuem significado bem mais amplo do que o sentido comum, compreendendo, além da alimentação, também o que for necessário para a moradia, vestuário, assistência médica e instrução. Os alimentos, assim, traduzem-se em prestações periódicas fornecidas à alguém para suprir essas necessidades e assegurar a sua subsistência.”

Nessa ótica, CARLOS ROBERTO GONÇALVES4 aduz que “alimentos são prestações para a satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si. Têm por finalidade fornecer a um parente, cônjuge ou companheiro o necessário à sua subsistência. Quanto ao conteúdo, abrangem o indispensável ao sustento, vestuário, habilitação, assistência medica e instrução (art.1920, CC).

Os alimentos, segundo a doutrina, são de várias espécies. Podemos distinguí-los em alimentos naturais ou necessários, como aqueles que possuem alcance limitado, compreendendo o indispensável à subsistência com dignidade; e os alimentos civis ou côngruos são os destinados a manter a qualidade de vida do credor, de modo a preservar o padrão de vida e o status social.

MARIA BERENICE DIAS5 defende que esta classificação, trazida pelo novo Código Civil, tem o nítido caráter punitivo.

Já quanto à sua causa jurídica6, “classificam-se em legais ou legítimos, decorrentes de uma obrigação legal, que pode advir do parentesco, do casamento, ou do companheirismo (art.1694, CC); voluntário, isto é, que emanam de uma declaração de vontade que podem ser intervivos (obrigação assumida contratualmente com quem não teria nenhuma obrigação legal de prestar alimentos – estão inseridas no direito das obrigacionais) ou causa mortis (quando manifestada em testamento, geralmente pela forma de legado, também chamados de testamentários); e indenizatórios ou ressarcitórios, resultante da pratica de um ato ilícito. Apenas os alimentos legais ou legítimos pertencem ao direito de família.”

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A prisão civil somente será decretada nesta última hipótese, ou seja, no caso dos alimentos oriundos de relação familiar (arts. 1566, III e 1694 do CC), sendo tal coação, inclusive, autorizada por nossa Constituição (art.5º, LXVII).

Com relação a sua finalidade7, podem os alimentos ser distinguidos em “definitivos, que possuem caráter permanente, estabelecidos pelo juiz na sentença ou em acordo das partes devidamente homologados, podendo ser revistos (art. 1699). Provisórios são os fixados liminarmente no despacho liminar proferido na ação de alimentos, de rito especial estabelecido pela Lei de Alimentos (Lei n. 5478/68), e ainda exigem prova préconstiuída do parentesco, casamento ou companheirismo. Provisionais (ou ad litem) são os determinados em medida cautelar, preparatória ou incidental, de ação de separação judicial, de divórcio, de nulidade ou anulação de casamento ou de alimentos. Têm por função manter o suplicante e a prole, durante a tramitação da lide processual, e ao pagamento das despesas judiciais, inclusive honorários advocatícios, conforme o art. 852 do CPC.”

SILVIO DE SALVO VENOSA8 coloca que, “quanto ao tempo em que são concedidos, os alimentos podem ser futuros ou pretéritos. Futuros são aqueles a serem pagos após a propositura da ação; pretéritos, os que antecedem a ação. O nosso ordenamento, porém, não permite que sejam cobrados alimentos antes da citação, com fulcro no art. 13, 2 da Lei 5478/68. Os alimentos são devidos ad futurum, e não ad praeteritum. O contrato, a doação e o testamento podem fixá-los para o passado, contudo, porque nessas hipóteses não há restrições de ordem pública.”

III Características

A obrigação alimentar baseia-se no dever familiar, quando entre pais e filhos, cônjuges e companheiros, mas também pode decorrer da lei. Quando fundada no vínculo de parentesco fica circunscrita aos ascendentes, descendentes e colaterais até segundo grau, com reciprocidade. Isto significa “que é mútuo o dever de assistência, a depender das necessidades de um e das possibilidades do outro. O credor alimentar de hoje pode vir, em momento futuro, a tornar-se devedor, e vice-versa. A reciprocidade tem fundamento no deverPage 63 de solidariedade. Com relação aos alimentos decorrentes do poder familiar, não há que se falar em reciprocidade (art. 229, CF). No momento em que os filhos atingem a maioridade, cessa o poder familiar e surge, entre pais e filhos, obrigação alimentar recíproca em decorrência do vínculo de parentesco.”9

Entretanto, tem ponderado a Jurisprudência no sentido de a obrigação alimentar paterna não se extingue com a maioridade do filho, mantendo-se o encargo até o limite de vinte e quatro anos, limite este extraído da legislação sobre o imposto de renda, enquanto estiver cursando ensino superior, excetuado-se quando este puder prover o seu próprio sustento. A obrigação alimentar paterna ainda se extingue com a emancipação do filho em razão do casamento (TJSP, AgI 248.527-1/8-SP, Rel. Sousa Lima, j. 19-4-1995).

Nesse diapasão, os alimentos são devidos por força do vínculo de parentalidade, afetividade e até por dever de solidariedade. Esta imposição da proteção ao direito à vida, assegurado constitucionalmente no art. 5, não dizendo respeito apenas ao interesse privado do alimentado, mas também por ser do interesse geral o seu adimplemento, sendo por isso regulado por normas cogentes de ordem pública, isto é, normas que não podem ser derrogadas ou modificadas por acordo ou convenção das partes.

A primeira e principal característica da obrigação de prestar alimentos é o seu caráter personalíssimo, não podendo assim ser transmitidos à outrem, na medida em que tem como finalidade garantir a subsistência do alimentado. Por se destinarem à subsistência do alimentado, constituem um direito pessoal, intransferível. Esta é a característica fundamental, da qual decorrem todas as demais.

Também se caracteriza pela transmissibilidade, pela possibilidade de ser transmitida aos herdeiros, segundo o art. 1700 do Código Civil, enquanto que o Código de Civil de 1916 previa a intransmissibilidade. Segue o atual Código a mesma regra esculpida pelo art. 23 Lei da Lei 6515/77, que ao elencar do dever dos cônjuges consagrou a transmissibilidade.1...

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