Princípio da Prioridade no Sistema Registral Brasileiro e o Registro de Títulos Contraditórios

AutorBruno Becker
CargoAdvogado da Caixa Econômica Federal
Páginas15-21

Page 15

1. Introdução

O princípio da prioridade do sistema registral imobiliário deve ser conhecido e reconhecido pela comunidade jurídica brasileira, não somente pela influência que exerce sobre os direitos reais incidentes sobre bens imóveis, mas também pela regência que possui sobre qualquer relação jurídica inscritível no álbum imobiliário.

As relações sociais, de um modo geral, são pautadas pelo princípio da boa-fé e da segurança jurídica. Em qualquer resolução de conflito, o primado da boa-fé será sempre invocado, possuindo relevância maior do que qualquer preceito normativo. Constantemente aplicada, a boa-fé autoriza o afastamento da literal disposição legal.

A segurança jurídica, por sua vez, pressupõe a publicidade dos atos e negócios jurídicos praticados na sociedade, dando-se ciência, a todo e qualquer cidadão, do direito que compete a cada qual.

O sistema dos registros públicos, nesse particular, é o instrumento utilizado pelo Estado para garantir publicidade aos diversos e mais variados atos praticados na sociedade, outorgando-lhes a presunção do conhecimento por eventuais terceiros que contra eles possam se insurgir. Daí advém a segurança jurídica, na medida em que o titular do direito não será desapossado de seu domínio sob a alegação de boa-fé de pessoas que se sentirem prejudicadas pelo negócio jurídico anterior.

Como mecanismo de atuação do sistema registral, o princípio da prioridade atua na ordenação dos direitos lançados no álbum imobiliário, regendo a possibilidade - ou não - de seu ingresso na matrícula do imóvel, ou a eventual graduação existente entre cada direito.

Ver-se-á, contudo, que exceções existem ao princípio da prioridade, ora criadas pela lei, ora pela jurisprudência, com vistas a priorizar as situações fáticas, geralmente consolidadas, em detrimento do titular aparente do direito, na ponderação dos interesses envolvidos no caso concreto.

Essas são algumas das questões enfrentadas no presente trabalho.

2. Desenvolvimento

Os princípios constituem a base do sistema jurídico como um todo. Formam o alicerce do Direito, enquanto ciência que regula as relações sociais, prescrevendo normas de conduta. Auxiliam o aplicador do direito a materializar a regra jurídica, inserindo esta no contexto social vivido a cada época, somente assim podendo ser garantida a pacificação social.

As normas jurídicas são dinâmicas, instáveis no tempo, passíveis de modificação conforme os anseios políticos vigentes em cada época e local. Possuem alto grau de especificidade, projetando as relações de forma particularizada.

A abstração, por sua vez, constitui característica peculiar dos princípios, o que viabiliza uma maior estabilidade no tempo, em comparação às normas. Os princípios conservam a sua identidade com o passar do tempo, sobrevivendo mesmo que revogadas as normas jurídicas. O sentido de cada princípio pode facilmente adequar-se às necessidades e anseios de cada geração.

Os princípios formam uma espécie de teia no ordenamento jurídico, construindo o verdadeiro sistema legal. Interligam as mais diversas e variadas normas de conduta, permitindo, assim, a sua convivência harmônica, na regulação dos casos concretos. Auxiliam o exegeta na busca do verdadeiro significado da norma jurídica, podendo inclusive modificá-la, sem qualquer alteração na base normativa.

No direito registral imobiliário, de peculiar importância é o princípio da prioridade. Sem demagogia, pode-se afirmar que a prioridade é o mecanismo norteador do sistema registral. Sem a garantia da prioridade, não se poderia assegurar segurança jurídica aos atos e negócios jurídicos inscritos no registro de imóveis.

A publicidade, isoladamente, resultaria inócua, não fosse a garantia da prioridade dos títulos lançados na matrícula imobiliária. Daí porque não se mostra demasiado posicionar o princípio da prioridade como instrumento formador do direito registral imobiliário.

Mas como princípio que é, necessária a sua convivência harmônica com os demais princípios que vigoram no sistema registral. Para a sua aplicação, comumente são invocados os princípios da legalidade, da publicidade, da especialidade, da concentração e, especialmente, da continuidade. No eventual conflito entre qualquer desses princípios, a casuística deverá posicionar o preponderante.

O princípio da prioridade garante a preferência do direito materializado no título que primeiro for apresentado ao registro de imóveis.

Sua previsão normativa vem expressa no artigo 182 combinado com o artigo 186, ambos da Lei 6.015/73 (BRASIL, 1973), in verbis:

"Art. 182. Todos os títulos tomarão, no Protocolo, o número de ordem que lhes competir em razão da seqüência rigorosa de sua apresentação.

Art. 186. O número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente."

Na lição de Carvalho (1976, p. 191), "o princípio da prioridade significa que, num concurso de direito reais sobre um imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação de precedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento: prior tempore potior jure. Conforme o tempo em que surgirem, os direitos tomam posição no registro, prevalecendo os anteriormente estabelecidos sobre os que vierem depois."

Balbino Filho (2001, p. 175) salienta que "sobre um mesmo imóvel podem concorrer vários direitos reais, mais estes não se acham no mesmo plano de igualdade; graduamse por uma relação de preferência na ordem cronológica do seu aparecimento. Os que surgirem primeiro e cumprirem o roteiro traçado pela legislação específica, inerente à constituição, transmissão e modificação dos direitos reais, prevalecem sobre os posteriores."

Importante de nota que o princípio da prioridade rege a preferência tanto no conflito entre os direitos reais, como no conflito entre direitos obrigacionais inscritíveis no álbum imobiliário. Poderá ainda regular o direito de preferência existente entre direitos de mesma categoria, e direitos de diferente categoria. O conflito entre títulos de natureza diversa será analisado oportunamente.

O artigo 174 da Lei 6.015/73 (BRASIL, 1973) prevê a obrigatoriedade do Livro de Protocolo no Registro de Imóveis, conforme segue: "O livro n. 1 - Protocolo - servirá para apontamento de todos os títulos apresentados diariamente, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 12 desta Lei."

Não se pode negar o acesso ao cartório de registro de imóveis a qualquer título que lhe é apresentado. Mesmo que o instrumento possua incorreções ou irregularidades gritantes, deverá receber o registro do protocolo. Essa regra vem excetuada na hipótese de o título ser apresentado para simples exame e cálculo dos respectivos emolumentos, caso em que ficará dispensado o protocolo inicial, na esteira do disposto no artigo 12 da Lei 6.015/73 (BRASIL, 1973):

"Art. 12 Nenhuma exigência fiscal, ou dúvida, obstará a apresentação de um título e o seu lançamento do protocolo com o respectivo número de ordem, nos casos em que da precedência decorra prioridade de direitos para o apresentante.

Parágrafo único - independem de apontamento no Protocolo os títulos apresentados apenas para exame e cálculo dos respectivos emolumentos."

Ceneviva (2003, p. 29) esclarece que "apresentante não é a pessoa que comparece com o título, para oferecê-lo a registro, mas aquela que tem interesse no referido assento, como titular da eventual prioridade ou precedência dele conseqüente. O termo apresentante, no caso, é mal empregado, já que a interpretação gramatical pode levar a tomá-lo como sinônimo de portador do papel, daquele que o exibe ou entrega. Como a lei, em outras disposições, alude a 'parte', esta expressão seria mais adequada."

É de 30 (trinta) dias o prazo de validade do protocolo do título no cartório de registro de imóveis. Ultrapassado este período sem que o registro tenha sido realizado, por desídia do apresentante, restam preclusos os efeitos do protocolo, dentre os quais se destaca a preferência do título apresentado em primeiro lugar.

Essa a dicção do artigo 205 da Lei 6.015/73 (BRASIL, 1973): "Cessarão automaticamente os efeitos da prenotação se, decorridos 30 (trinta) dias do seu lançamento no Protocolo, o título não tiver sido registrado por omissão do interessado em atender às exigências legais."

O termo inicial para a contagem do prazo decadencial tem gerado certa controvérsia na doutrina.

A teoria restritiva sustenta que o título deve ser registrado no prazo de 30 dias, contados da data do protocolo inicial. Defende-se que, nesse mesmo prazo, caberá ao registrador realizar a qualificação registral, resguardando período razoável para que sejam sanadas eventuais irregularidades pelo apresentante.

A teoria extensiva, que nos parece mais coerente, sustenta que a contagem do prazo decadencial se inicia com a cientificação do apresentante, das exigências feitas pelo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT