Os Princípios nas Constituições

AutorFrancisco Meton Marques De Lima
Ocupação do AutorMestre em Direito e Desenvolvimento pela UFC. Doutor em Direito Constitucional pela UFMG
Páginas35-42

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1. Positivação dos princípios nas constituições

Canotilho define a Constituição como um sistema aberto de regras e princípios “que, através de processos judiciais, procedimentos legislativos e administrativos, iniciativa dos cidadãos, passa de uma law in the books para uma law in action, para uma living constitution41.

Bonavides (op. cit., p. 260) elucida que os princípios gerais do direito foram encampados pela Constituição. Averba que o eixo dos princípios salta dos Códigos, onde eram fontes de mero teor supletório para as Constituições, onde em nossos dias se convertem em fundamento de toda a ordem jurídica, na qualidade de princípios constitucionais:

As Constituições fizeram no século XX o que os Códigos fizeram no século XIX: uma espécie de positivação do Direito Natural, não pela via racionalizadora da lei, enquanto expressão da vontade geral, mas por meio dos princípios gerais, incorporados na ordem jurídica constitucional, onde logram valoração normativa suprema, ou seja, adquirem a qualidade de instância juspublicística primária, sede de toda a legitimidade do poder. Isto por ser tal instância a mais consensual de todas as intermediações doutrinárias entre o Estado e a sociedade.

No mesmo sentido, García de Enterría, comentando a criação norte-americana da supremacia da Constituição, registra que:

La idea de un Derecho fundamental o más alto (higher law) era claramente tributaria de la concepción del Derecho natural como superior al Derecho

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positivo e inderogable por éste y va a ser reafirmada por los colonos americanos en su lucha contra la Corona inglesa, a la que reprochan desconocer sus derechos personales y colectivos.42

Seguindo a mesma trilha, Flórez-Valdés (op. cit., p. 94) pondera que a Constituição é a norma suprema, fundamental e fundamentadora do ordenamento jurídico, tronco de que nascem todas as normas do direito e eixo, por sua vez, de um ordenamento.

A Constituição erige-se como uma carta de limitação ao arbítrio e ao mesmo tempo ao abuso de direito. Neste sentido, Del Vecchio já escrevia que a escola do direito natural pretendia essencialmente manter a não arbitrariedade do direito. E acrescenta que os sistemas constitucionais da Inglaterra e da França têm como documentos fundamentais os Bills of Rights e as Declarações dos Direitos, expressões típicas e genuínas da escola do jus naturae. Assim, conquanto já constitucionalizados, são atributos da lei natural os princípios da condição jurídica conferida à pessoa, da liberdade43 como expressão do valor absoluto da personalidade humana; da igualdade; da limitação de direito só em virtude de lei; da soberania da lei (entendida como a síntese do direito de todos e não como mandato arbitrário); da divisão dos poderes; da igualdade de obrigação do cidadão e do Estado.

Na mesma senda, Revorio destaca que, em seu entender, os princípios de direito constitucional são princípios gerais de direito, porém, com determinadas peculiaridades muito importantes: caráter explícito, caráter normativo e superior posto hierárquico44.

Poder-se-ia qualificar como princípios gerais de direito os grandes princípios da justiça, da igualdade, da liberdade, da dignidade da pessoa, do devido processo legal. Baracho refere-se a uma série de princípios de amplíssimo grau de generalidade que reforçam a aplicabilidade da Constituição, como o princípio democrático, o princípio ideológico, o princípio institucional, o princípio da igualdade, o princípio da tutela do trabalho, o princípio da tutela da pessoa e do ambiente, o princípio solidarista e o princípio internacionalista45, todos alçados ao seio constitucional, a maioria dos quais gestados na normatividade anterior.

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Bonavides diz que a constitucionalização dos princípios compreende duas fases distintas: a fase programática e a não programática, de concreção e objetividade. Na primeira, a normatividade dos princípios é mínima, pairando numa região abstrata, por isso, de aplicabilidade diferida. Na segunda, a normatividade é máxima, com positividade e aplicação direta e imediata.

Há também princípios não referidos textualmente, como os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da subsidiariedade, de amplíssima generalidade.

Quanto à natureza e às características dos princípios constitucionais, Canotilho pondera que eles exercem dupla função: uma normogenética, porque são fundamento de regras, e outra idoneidade irradiante, que lhes permite ligar ou cimentar objetivamente todo o sistema constitucional46. Espíndola lembra que eles “expressam uma natureza política, ideológica e social, normativamente preponderante” (destaques do autor)47. E Cármen Rocha sintetiza as características dos princípios constitucionais: generalidade, primariedade, dimensão axiológica, objetividade, transcendência, atualidade, poliformia, vinculabilidade, aderência, informatividade, complementaridade e normatividade jurídica48.

A classificação e a hierarquização dos princípios constitucionais variam de acordo com diversos fatores: os valores primordiais que cada Constituição elege; a raiz cultural de que deriva; o modelo de Estado e a matriz constitucional. Neste sentido, as sociedades de raiz cultural greco-romana, por exemplo, elegem a liber-dade como um dos valores superiores. A propósito, Agostini traz precioso excerto de Henride la Bastide, segundo o qual o mundo se divide em cinco grandes eras de culturas: a) a civilização da Palavra, com o Islã; b) a do Gesto, com a “dança de Shiva” e “o sorriso de Buda”; c) a do sinal, com o Extremo Oriente; d) a do Ritmo, com a África negra e seus avatares americanos; e e) a da Pessoa, saída da tradição judaico-cristã49. David sistematiza o seu estudo segundo as grandes famílias do direito: família romano-germânica, família socialista, família da common law, família muçulmana, família do direito do extremo oriente e...

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