Os princípios informadores do Direito do Trabalho

AutorPedro Proscurcin
Ocupação do AutorDoutor em Direito pela PUC/SP. Professor de Direito na FECAP/SP
Páginas66-78

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1. Princípios do Direito do Trabalho

Por ter sido sistematizador dos princípios do subsistema jurídico trabalhista, vamos dar ênfase aos ensinamentos de Américo Piá Rodriguez, neste trecho desta obra. O autor explica que é importante distinguir princípio de normas e de regras jurídicas. Inicia citando Ronald Dworkin, para quem erram os positivistas que acham que o direito é um conjunto de normas ou regras, omitindo os princípios. Explica Rodriguez: enquanto as normas se aplicam ou não se aplicam, o princípio dá o sentido e o conteúdo material da norma. Valendo-se de Zagrebelsky, outro importante intérprete do direito, explicita que as normas são basicamente regras, enquanto uma Constituição expressa fundamentalmente princípios. As regras são interpretadas dogmaticamente, segundo o método jurídico. Os princípios, não; esses são interpretados com transcendência, isto é, levam-se em conta os valores éticos e morais impregnados no modo de vida, na natureza e na cultura do povo. A regra tem caráter geral "para um indeterminado número de atos e fatos", já o princípio "é geral porque comporta uma série infinita de aplicações", afirma Rodriguez, apoiado em Eros Roberto Grau.

Para reafirmar a diferença entre regra e princípio, cita outro brasileiro, Luiz de Pinho Pedreira da Silva, que aponta três aspectos definitivos: a) a regra é explícita na lei, o princípio está implícito e é inferido de uma norma ou de um conjunto delas; b) a regra é ou não é aplicada, não comporta exceções; o princípio, mesmo assemelhado à regra, não tem aplicação automática; c) em caso de conflito de normas, aplica-se o critério de solução das antinomias41 e quando ocorre choque de princípios leva-se em conta o peso relativo de cada um42, ou, como ensinava Celso Bastos nas suas aulas: havendo colisão de princípios, pauta-se pelo critério da "cedência recíproca", prevalecendo aquele que melhor atenda ao conflito específico, sem prejuízo da integridade de cada um deles. Adiante estudaremos o princípio da proporcionalidade para completar essas ideias.

Os princípios atendem a funções essenciais: a) informadora, isto é, o legislador deve considerá-lo ao elaborar a lei; b) normativa: na lacuna da norma, tem função integrativa, ou seja, na falta da norma, o intérprete, e também o juiz, decide com fundamento no princípio o caso concreto; c) interpretativa: resolvendo com proporcionalidade e justiça obscuridade eventual; d) criadora, fazendo evoluir o subsistema

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ao mesmo tempo em que impede a sua degradação; e) estruturante, à medida que oferece ao legislador elementos absorvidos do meio ambiente social43.

Os princípios que estudaremos também são aplicáveis ao direito coletivo do trabalho. A ideia segundo a qual nas relações coletivas as partes estão em pé de igualdade não se sustenta. A propósito, historicamente, conforme apontou Sizheimer, o direito coletivo é anterior ao direito estatal, razão pela qual a tutela da norma estatal cabe com muito mais razão quando a norma é elaborada sem a intermediação do Estado, cuja função é a de servir ao interesse público assegurando a dignidade da pessoa humana. Obviamente, o direito coletivo tem os seus princípios específicos, fato que jamais dispensaria a aplicação dos princípios do Direito do Trabalho voltado para os direitos individuais.

Rodriguez salienta que "o Direito do Trabalho surge como consequência de uma desigualdade". Tanto o direito coletivo quanto o direito individual do trabalho evoluem paralelamente e são modalidades que não afetam o fenómeno social, que é um só: a tutela da parte mais frágil da relação social de trabalho. Busca-se, pois, uma desigualdade jurídica para compensar a desigualdade económica dos agentes da relação capital e trabalho44.

O jurista brasileiro Ari Possidonio Beltran adota a mesma interpretação, apoiado em Rodriguez. Se o direito coletivo tem a mesma finalidade que o direito individual, não há justificativa para supor-se que no primeiro caso haveria "igualdade" entre as partes, as quais, ainda que na forma coletiva, continuam proporcionalmente extremamente desiguais.

Outro aspecto seria a participação dos empregados nas decisões da empresa, por meio da coparticipação ou cogestão no empreendimento como comunidade de trabalho45. Porém, não sendo a gestão do empregado, pois o capital tem poder de veto, seria uma temeridade falar em "igualdade de participação". Contudo, é certo que a empresa tende a ser mais democrática. Por exemplo, o poder patronal de demitir pode ficar mais limitado, especialmente se houver critério para as demissões de pessoal. Mas, como se vê, embora de forma mais civilizada, a ruptura contratual continua em mãos do proprietário da empresa. Vamos aos princípios.

1.1. Princípio protetor

A ideia de proteção ou tutela decorre da desigualdade económica das partes da relação de trabalho. Não é demais insistir no desequilíbrio de forças entre o empregador e o empregado, sobretudo, do ponto de vista económico. A força da ascendência material patronal é imbatível comparada com a fragilidade económica do empregado. O empregador impõe as condições de trabalho, quando da contratação individual e no dia a dia da prestação do trabalho. Reconhecida a desigualdade das partes, o direito deve intervir na busca do equilíbrio possível.

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Lembra Piá Rodriguez o que Couture dizia: "o procedimento lógico de corrigir desigualdades é o de criar outras desigualdades". Antes de Couture e de tantos outros doutrinadores clássicos, o nosso Rui Barbosa já tinha lecionado sobre as formas de prevenir juridicamente essas injustiças nas sociedades dos homens economicamente desiguais. O princípio protetortem três regras:

  1. in dúbio pro operário, cujo comando determina ao juiz ou ao intérprete escolher dentre os diversos sentidos de uma norma aquele que seja o mais favorável ao trabalhador. O intérprete está vinculado à regra em razão do espírito da norma trabalhista. É inaceitável que um preceito social, cuja análise possa ensejar dúbia interpretação seja adotada àquela que favoreça a parte mais forte. Essa hipótese contraria normas elementares de direito privado constantes do Código Civil. Esse código proíbe a má-fé, o abuso, a lesão e inquina de nulidade os atos sob a égide do agente em condição privilegiada na relação. Outra não é a dimensão do Código do Consumidor, que determina a não aplicação de cláusulas que prejudiquem a parte mais frágil, qual seja, o consumidor. Sob o ponto de vista da regra em debate, o inciso I do art. 7a da Constituição Federal (CF), que veda a despedida do emprego "arbitrária ou sem justa causa", jamais pode ser entendido como não vigente, pelo fato de o legislativo não ter regulado a matéria até a presente data (e lá se vão décadas, a CF é de 1988!). O juiz ou o intérprete não podem aceitar demissões sem os fundamentos que presidiram a vontade do constituinte originário na elaboração da Constituição Federal, sob pena de agirem em favor dos mais poderosos, daqueles que demitem sem qualquer regra ou critério legal.

  2. havendo mais de uma norma aplicável ao caso concreto, deve-se optar pela norma mais favorável ao empregado, ainda que isso contrarie os critérios clássicos da hierarquia das normas. Por exemplo, vejamos o caso do gozo das férias anuais pelo trabalhador. A CLT define que o início das férias é prerrogativa patronal, assim grafado: "por ato do empregador" (art. 134 da CLT). Por outro lado, a Convenção n. 132 da OIT - Orgabização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil, dispõe que o início das férias será "de comum acordo" entre as partes. Ambas as normas possuem a mesma hierarquia jurídica e integram o ordenamento trabalhista do país. Ora, parece fora de dúvida que a norma da OIT é mais democrática, além de possibilitar um acordo que atenda ao melhor período para as partes. Outra situação, e dessa vez para o desabono do STF junto à sociedade, cujo processo foi relatado por Gilmar Mendes, pouco versado em matéria trabalhista, mas devidamente alertado por seus colegas vencidos. Não é que o STF houve por bem reduzir de 30 anos para cinco anos a prescrição do direito às verbas do FGTS não recolhidas pelo mau empregador? Esse fato aconteceu no mês de novembro de 2014. Por certo, é a influência do pensamento neoliberal que está a promover a precarização das relações de trabalho desde os anos 1990 entre nós. Espera-se alguma reação contra a decisão. Para isso existe o Parlamento. Decisões do STF são revogáveis. É inacreditável que tenha o STF esquecido de que o valor do FGTS deve corresponder ao valor da anterior indenização do tempo de serviço, conforme os fundamentos da mudança jurados aos trabalhadores, pela ditadura, quando

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    da instituição do regime atual pela Lei n. 5.107/66. O STF fez mais. Colocou por terra as disposições da Lei n. 8.036/99, em pleno vigor e que manda seja a prescrição somente após decorridos 30 anos. A decisão é um estímulo à fraude e ao não recolhimento normal e correto do FGTS pelo empregador, pois o encurtamento do prazo prescricional ensejará na cabeça de muitos que vale a pena correr o risco pelo depósito incorreto, em virtude da redução do prazo de persecução do direito. Um dos mais graves problemas do Judiciário brasileiro é a vitaliciedade dos mandatos dos juizes do STF. Uma vez nomeados, passam a impressão de donatários insensíveis da donatária. Na Europa, os juizes das Cortes Constitucionais possuem mandatos de, no máximo, seis...

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