Princípios Fundamentais da Constituição Federal de 1988

AutorAri Ferreira de Queiroz
Ocupação do AutorDoutor em Direito Constitucional
Páginas315-324

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1 Noções

Cuidam-se no Título I da Constituição Federal de 1988, entre os arts. 1º ao 4º, dos princípios fundamentais, embora nem tudo seja realmente princípio constitucional, por conter, também, normas sobre objetivos a serem cumpridos pelo Estado brasileiro. Aliás, José Cretella Júnior551critica essa expressão taxando-a de redundante, por considerar os princípios como “proposições que se colocam nas bases dos sistemas, informando-os, sustentando-os, dando-lhes base, fundamento”.

A palavra princípio é equívoca, apresentando significados diversos conforme o lugar e momento em que seja utilizada, mas quando empregada em direito significa um mandamento, um núcleo de todo o ordenamento jurídico-constitucional. Princípio é espécie de norma, categoria que abrange também a regra.

Logo, regra e princípio são espécies de normas552. Basicamente, o que distingue uma espécie da outra é o grau de abstração, pois os princípios são mais vazios do que as normas, e também a determinabilidade, que naqueles é bastante acentuada, enquanto as regras em geral são suscetíveis de aplicação imediata. Por ora, o que importa é que como norma nuclear de um sistema os princípios se sobrepõem a qualquer outra norma do mesmo sistema e até servem de parâmetros para dispor em outros sistemas.

Os princípios são, como ensina Robert Alexy, mandatos de optimización553. Qualquer norma que desatenda aos princípios constitucionais estará ferindo a própria constituição, embora não se possa falar de inconstitucionalidade de normas constitucionais. As normas legais ou constitucionais devem se conformar com o mandamento irradiado pelos princípios.

2 Princípios constitucionais positivos

Usa-se essa terminologia para designar os princípios expressamente previstos na constituição, em contraposição a outros, implícitos. Os princípios constitucionais positivos são de duas categorias, segundo lição de Vital Moreira e Canotilho554: princípios políticoconstitucionais e princípios jurídico-constitucionais. É preciso ter em conta que certa confusão criada pelo constituinte entre princípios e postulados que caracterizam uma democracia, como a soberania, a cidadania, o pluralismo político, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e a dignidade da pessoa humana, os quais aparecem na Constituição como fundamentos da República Federativa do Brasil.

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Princípios político-constitucionais são normas que representam decisão política fundamental de existência do Estado, definindo a sua forma de ser e o seu governo e estrutura básica. São as denominadas normas-princípio constantes dos arts. 1º a 4º da Constituição vigente555. Princípios jurídico-constitucionais são desdobramentos dos princípios político-constitucionais, como a supremacia da constituição, a legalidade, a igualdade, a independência da magistratura, a autonomia dos municípios, a anterioridade em matéria tributária, entre outros.

3 Classificação dos princípios político-fundamentais

Reconhecendo não ser fácil a classificação dos princípios fundamentais, José Afonso da Silva556lança mão do ensinamento do Canotilho e Vital Moreira para dizer que “visam essencialmente definir e caracterizar a coletividade política e o Estado e enumerar as principais opções político-constitucionais”. A partir dessa lição – embora prefira denominálos de normas fundamentais, das quais as particulares seriam meros desdobramentos analíticos –, propõe a seguinte classificação: a) quanto à forma, existência, estrutura e tipo de Estado: federação, soberania e Estado democrático de Direito (art. 1º, caput e inciso I);
b) quanto à forma de governo e à organização dos Poderes: República e separação tripartite dos poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário (arts. 1º e 2º); c) quanto à organização da sociedade: organização social, convivência justa e solidariedade (art. 3º, I); d) quanto ao regime político: cidadania, dignidade da pessoa humana, pluralismo político, assim entendida como a multiplicidade de ideias no mesmo espaço, soberania popular, representação política e participação popular direta (art. 1º, II, III, V, parágrafo único); e) quanto à prestação positiva do Estado: independência e desenvolvimento nacional (art. 3º, II), justiça social (art. 3º, III) e não discriminação (art. 3º, IV).

Também há princípios específicos em relação à comunidade internacional (art. 4º):
a) independência nacional; b) respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana; c) autodeterminação dos povos; d) não intervenção; e) igualdade entre os Estados; f) solução pacífica dos conflitos; g) defesa da paz; h) repúdio ao terrorismo e ao racismo; i) cooperação entre os povos; j) integração da América Latina, o que vem se consolidando com a implantação do Mercosul, a exemplo da Europa, com a União Europeia.

4 Função e aplicabilidade dos princípios

Segundo Jorge Miranda557, os princípios têm função nitidamente ordenadora, funcionando como critério de interpretação ou de integração da norma jurídica. Aceitando esse ensinamento, José Afonso Silva vai adiante reconhecendo haver graus diferentes de princípios, pois alguns são de aplicabilidade imediata e de eficácia plena, como a expressão República Federativa do Brasil, que não é mera promessa de que será uma República Federativa, mas que efetivamente o é. É o que chama de norma-síntese ou norma-matriz558. Há certos princípios que não passam de meros programas a serem alcançados, como os previstos no art. 3º, e ainda há simples definições precisas de comportamentos no plano do Direito Internacional, como as previstas no art. 4º, ambos da Constituição Federal.

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5 Princípios fundamentais contidos nos arts 1º a 4º
5. 1 Princípio republicano

A república é uma forma de governo que significa coisa do povo, isto é, o Brasil não é coisa de uns poucos privilegiados como a monarquia ou a aristocracia. São características básicas do princípio republicano a elegibilidade e a temporariedade. A primeira, como forma de aquisição do poder, que não se transmite por herança, como na monarquia; a segunda, pela necessidade de renovação periódica dos que o detêm, por isso é essencial a fixação de prazo não muito longo para exercício do mandato e a proibição de reeleição por indefinidas vezes, tampouco a continuidade no poder por meio de familiares.

5. 2 Princípio federativo

A federação é um princípio absoluto que não pode ser modificado por emenda constitucional. O Brasil adota a forma federativa de Estado, tendo, além de um poder central soberano, poderes regionais autônomos exercidos pelos governadores, nos Estados e no Distrito Federal, e pelos prefeitos, nos municípios.

Traço básico do federalismo é a dualidade de níveis de governo e a repartição de competências entre os entes federados, havendo competências próprias da União e competências próprias dos Estados e municípios. Os entes federativos se acham ligados de forma permanente, ou, no dizer da constituição, de forma indissolúvel. Logo, a indissolubilidade das entidades federativas não é, propriamente, princípio fundamental, como se afirmou em edições anteriores, mas sim traço marcante do próprio federalismo.

Ao contrário da confederação, em que as unidades confederadas se ligam umas às outras por contrato, de forma que podem ser dissolver uma vez cessadas as vontades que as unem, as unidades federadas não podem se desagregar do todo unitário, que é a União Federal. A mera tentativa de secessão autoriza a intervenção federal (art. 34, I). A federação brasileira é formada pela união indissolúvel de Estados, municípios e Distrito Federal, mas não de Territórios, pois estes integram a União (art. 18, § 2º), como mera divisão administrativa.

5. 3 Princípio do Estado democrático de Direito

Estado de direito é o estabelece ordenamento jurídico capaz de obrigar governantes e governados. Cria leis e os faz cumpri-las, mas muitas vezes confundindo na mesma pessoa essas duas qualidades ao legislar por meio de atos, como os decretos em geral. Em nosso País, foi assim durante o Estado Novo, inaugurado por ...

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