Princípios de Direitos Autorais

AutorSávio de Aguiar Soares
CargoProcurador do Estado de Minas Gerais. Advogado. Doutor e Mestre em Direito (PUC - MG)
Páginas16-28

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1. Do direito intelectual e o microssistema autoral
1.1. Conteúdo

O direito intelectual engloba historicamente os direitos autorais e os direitos industriais, ambos insertos no sistema global da denominada propriedade imaterial (bens jurídicos intangíveis). Essa categorização lógico-jurídica é delimitada por intermédio da classificação das espécies de direitos subjetivos na órbita do direito privado, sendo relacionados com os conceitos ínsitos à evolução do racionalismo jurídico, o que ensejou a proteção legal aos direitos emanados do intelecto humano.

Estes direitos do homem enquanto criador intelectual configuram- se nas criações do espírito, de cunho estético ou utilitário, conforme o caso, haja vista a possibilidade de exploração econômica pela crescente diversidade de usos das obras intelectuais na sociedade moderna em decorrência da valoração promovida pela ideologia liberal burguesa, com relevo para os movimentos políticos do liberalismo e do capitalismo, de que são também manifestações jurídicas as declarações políticas dos direitos do homem e do cidadão.

O direito intelectual foi trazido à baila em 1877 quando o jurista belga Edmond Picard preconizou a tese de inserção dessa nova categoria jurídica, em face do postulado da insuficiência da clássica divisão tripartite dos direitos (direitos pessoais, direitos obrigacionais e direitos reais), sendo denominada teoria dos direitos intelectuais, tendo sido adotada para elaboração da lei belga de 1886, que resultou na consagração por meio de convenções internacionais e, em seguida, nas leis internas de muitos países.

Exsurge uma diversidade de propostas de conceituação para o termo propriedade intelectual que se sobrepõem consoante os interesses e necessidades dos sujeitos de direitos correlacionados, seja dos criadores (titulares originários), seja dos titulares derivados de direitos intelectuais e até mesmo dos intérpretes da normativa de regência.

A posição mais usual reputa-o como o direito de propriedade, dotado de exclusividade como incentivo, que recai sobre as mais variadas e intangíveis formas de criação da mente humana resultante do esforço intelectual (Leite, 2004).

Segundo Eduardo Leite (2004, p. 22), entende-se o direito de propriedade intelectual como "o direito do ser humano sobre suas criações intelectuais, suas invenções, textos, desenhos, expressão criativa, como direito do indivíduo sobre as criações do intelecto humano". Isto é, na esteira de Gabriel di Blasi, Paulo Parente e Mário Soerensen Garcia citados por Leite (2004, p. 22), conceitua-se "como sendo o direito de uma pessoa sobre um bem imaterial, voltando-se para o estudo das concepções inerentes aos bens intangíveis".

Patrícia del Nero (1998, p. 38) propugna que a "propriedade intelectual refere-se a ideias, construtos, ou seja, criações intelectualmente construídas a partir de formas de pensamento advindas do contexto lógico ou socialmente aplicável ao conhecimento técni

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co-científico capaz de resultar em uma inovação".

J. P. Remédio Marques (2003, p. 294) define os direitos de propriedade intelectual como "direitos subjetivos patrimoniais privados, constitucionalmente tutelados, que protegem as diversas formas de criação intelectual ou de prestação empresarial".

Tais posicionamentos suscitam divergências, pois o caráter de novidade e o elemento meramente patrimonial não se delineiam estritamente pressupostos da tutela aos bens intelectuais em sua abrangência, o que impõe um contorno restritivo ao espectro dos direitos do intelecto humano em tela.

Consoante José de Oliveira Ascensão (2004, p. 6), a estratégica e controvertida expressão "propriedade intelectual" surgiu com o desiderato de preparar um entendimento favorável ao reconhecimento e expansão do direito de autor ante a deflagração da Revolução Francesa no século XVIII, que emergiu para abolir privilégios.

Nesse diapasão, a nomenclatura em comento teve um aspecto pragmático, a fim de situar os bens jurídicos protegidos no rol das propriedades, numa leitura de sacralização da propriedade individual à luz do liberalismo jurídico.

Ademais, a gênese dos direitos intelectuais em espécie constituise na criação do espírito humano que se rege pelos interesses materiais do indivíduo como modo de exteriorização da personalidade do autor (mediante pensamentos e a transmissão de sensações, sentimentos, conhecimentos etc.), estabelecendo- se por instrumentos mecânicos tangíveis ou simplesmente perdurando na dimensão incorpórea do que se expressa (desprovido do emprego de suporte fático) consoante a necessidade do criador intelectual.

Bittar (2004, p. 3) assevera que os direitos intelectuais em espécie cumprem finalidades estéticas (de deleite, de sensibilização, de aperfeiçoamento intelectual, como nas obras de literatura, de arte e de ciência), bem como atende a objetivos práticos (de uso econômico ou doméstico, de bens finais resultantes da criação como móveis, máquinas etc.), ascendendo ao mundo do direito em razão da diferenciação em dois sistemas jurídicos especiais quanto ao direito de autor e ao direito de propriedade industrial.

Os direitos intelectuais em espécie são diferenciados por seus componentes essenciais. Isto é, faz-se necessária a característica da intangibilidade (feitio incorpóreo), da criatividade no sentido de reconhecimento da paternidade de criação do intelecto humano dotada de individualidade do criador e especialmente do fato jurídico gerador da tutela legal consistente na exteriorização da obra intelectual, garantindo-se proteção à forma de exteriorização.

O direito de autor em sentido objetivo é o ramo que regula as relações jurídicas decorrentes da criação intelectual e a utilização das obras protegíveis, desde que pertencentes ao campo de atuação da literatura, das artes e das ciências. Ao passo que o direito industrial aplica-se às criações de feitio utilitário, voltadas para a satisfação das necessidades humanas imediatas, sendo dotadas de uso empresarial, afigurando-se nas patentes (invenção, modelo de utilidade, modelo industrial e desenho industrial), marcas (de indústria, de comércio, ou de serviço e de expressão ou sinal de propaganda), indicações geográficas e cultivares (para as variedades vegetais).

Assim, a justificativa teleológica para a bipartição do direito intelectual funda-se no fato da valoração dos interesses sobreditos, dado que os bens de natureza utilitária dotados de interesse mais imediato para a vida humana são sujeitos a um prazo menor de exclusividade do criador.

Em contrapartida, os direitos decorrentes das criações do espírito que atendem os requisitos necessários e sejam voltadas para o aprimoramento cultural de modo geral, como são munidas de maior alcance social, exigem lapso de proteção patrimonial estendido.

Portanto, é inteligível que o direito intelectual conceitua-se como propriedade imaterial ou incorpórea na qualidade de gênero, tendo como espécies ou ramos: os direitos autorais (direito de autor e direitos conexos), os direitos de propriedade industrial e os direitos de propriedade tecnodigital.

Destarte, o professor Leonardo Poli (2006a) propõe a ressistematização com a tripartição da propriedade intelectual em três ramos, quais sejam, propriedade industrial, direito autoral e propriedade tecnodigital, que comungariam das mesmas normas fundamentais na direção de conceber uma teoria geral da propriedade intelectual e, a partir disso, oportunizar a reaproximação ao direito civil e às normas constitucionais fundamentais.

Desse modo, essa nova categoria jurídica versaria sobre a aplicação do direito autoral em vista da tecnologia digital que tem ocasionado mudanças cruciais na seara da propriedade intelectual.

Cuida-se de uma nova compreensão da propriedade intelectual.

Vale dizer, o impacto da tecnologia digital no processo de massificação e acesso às obras intelectuais traduz uma nova realidade que demanda da legislação, da doutrina jurídica e da jurisprudência um exame mais acurado no sentido de

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remediar a propalada crise existente nas instituições autoralistas clássicas com o escopo da harmonização entre a sociedade da informação e os direitos autorais.

Esse ramo do direito intelectual em comento seria responsável pela tutela das novas formas de utilização das obras, ante o desenvolvimento tecnológico, com base nas características apresentadas relativas às possibilidades de ixa-ção das obras em suporte digital, da codiicação de qualquer moda-lidade de obra em representação digital (armazenamento digital), da rapidez no luxo das informa-ções (compartilhamento pela rede mundial de computadores) e divulgação das obras, o aparecimento de novas categorias de obras intelectuais etc.

Nessa esteira, o acordo denominado TRIPS (Agreement on Tra-de Related Aspects of Intellectual Property Rights) ou Acordo sobre Aspectos dos Direitos da Proprie-dade Intelectual Relacionados ao Comércio (ADPIC) emergiu no cenário internacional no sentido de reconhecer a extrema importância da propriedade intelectual para o desenvolvimento socioeconômico-cultural da sociedade.

É válido airmar sobre a neces-sidade de uma releitura conceitual das instituições de direito autoral a im de se coadunar com a realida-de tecnológica em constante transformação, sendo proeminente a tecnologia produzindo relexos no plano do direito.

Izabel Vaz citada por Leite (2004, p. 24) sustenta que um dos motivos da inclusão da tutela à propriedade intelectual entre...

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