O Princípio do Melhor Interesse da Criança nos Processos de Adoção e o Direito Fundamental à Família Substituta

AutorAna Carla Harmatiuk Matos - Ligia Ziggiotti de Oliveira
CargoPossui mestrado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (1999) - Estudante de Direito na Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Páginas285-301

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1. Introdução

São inúmeros os temas que se relacionam à infância e juventude, e, naturalmente, muitos tiveram desenvolvimento diverso ao longo dos séculos. O instituto da adoção, no Brasil, reproduziu, por anos, o modelo patriarcal, fundado exclusivamente no matrimônio e transpessoal da família. A evidência, à época, dava-se aos pais que não pudessem gerar filhos, a quem se prestavam as crianças abandonadas. O Código Civil de 1916 consagrava esta noção, destacando sua preferência por pais que tivessem necessidade de adotar por não terem possibilidade de reproduzir ou mesmo para aumentar o número de filhos, dada a importância de vários membros para cumprir a sua então função econômica.

No país, ainda que tenha o tema se desenvolvido desde a codificação, é com a Constituição de 1988 que o caráter social do instituto encontrou terreno, priorizando a necessidade de se encontrar uma família substituta às crianças dos abrigos brasileiros. Neste sentido, destaca-se o princípio do melhor interesse da criança, que deve fundamentar, atualmente, os casos concretos acerca da adoção.

Acresce-se ao debate a complexidade de que se dota o Direito de Família contemporâneo, já que a disciplina é iluminada, constitucionalmente, por princípios que apontam para um modelo aberto de entidade familiar, cujo principal mote reside na realização de seus membros.

O presente trabalho tem por objetivo analisar alguns aspectos do princípio do melhor interesse da criança, destacando, especialmente, quando este fundamenta compreensões das novas realidades e paradigmas no Direito de Família.

2. A adoção: entre o público e o privado

Conquanto represente interesse privado, oriundo tanto dos adotantes, quanto das crianças e dos adolescentes, o tema da adoção insere-se, fatalmente, no bojo do interesse público, reafirmado, inclusive, internacionalmente, através de convenções e tratados também subscritos pelo nosso país.

Infere, sobre o tema, Rodrigo da Cunha Pereira (2005), que o Estado reserva especial interesse na preservação da família, pois a partir dela se realiza o indivíduo -

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especialmente por conta da formatação dos novos princípios do Direito de Família, que confortam as mais diversas formações familiares. Ademais, em respeito ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, pontua o autor, é que se deve orientar o intérprete, em busca de favorecer, ao potencial adotado, o direito de ter uma família.

Na adoção, figura o Estado como guardião do interesse desse importante aspecto, já que se mobiliza em prol da tutela dos interesses individuais indisponíveis das crianças e jovens a quem falta capacidade. Na prática, entre o abrigo e o lar, há grande espaço de atuação pública, desde a intervenção do Ministério Público no feito, em observância ao fato de que "de fiscal da lei passou a atuar como o defensor institucional dos direitos humanos e da cidadania", até a sentença judicial que constitui, no registro da criança, os adotantes como seus pais, afinal, "não há adoção sem decisão judicial” (FACHIN, 1999).

Entrega-se, destarte, aos órgãos públicos, o árduo trabalho de escolher o seio familiar de que participará o adotado. A postura que se demanda deste ente é a de garantidor, não apenas do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, mas de todos aqueles que a Carta Constitucional aponta como fundadores da ordem nacional.

De acordo com os ensinamentos de Tânia da Silva Pereira (1996), "a determinação de prioridade absoluta para a infanto-adolescência como norma constitucional há de se entender por primazia ou preferência para as políticas sociais públicas 'como dever da família, da comunidade, da sociedade civil e do Poder Público' (art.227-CFeart.4°-ECA)".

Deste modo, convivem tanto o interesse do Estado em responder ao contingente de jovens abrigados, potenciais adotados, na medida da expectativa destes de encontrarem uma família; quanto o interesse de recebê-lo, afetivamente, a família, potencial adotante, cujo desenho pode sertão variado quanto permite a Constituição de 1988.

3. Breves notas acerca da adoção

O comprometimento com a infância e juventude, tão debatido atualmente, encontra raízes recentes. Segundo se manifesta Tânia da Silva Pereira (2011):

A história da humanidade é história dos adultos. Se hoje a criança e o adolescente são sujeitos de direitos reconhecidos no ordenamento jurídico nacional e internacional, objeto de amor e de intensa proteção e afetividade da família, é preciso lembrar que nem sempre gozaram desse privilegiada situação.

A doutrina que abarca o Direito de Família, atualmente, reconhece o desenvolvimento do tema ao longo dos anos, inclusive em razão da configuração de família, que reforma seus perfis constantemente. Entretanto, é possível o debate acerca da influência que o ordenamento anterior, calcado em valores considerados ultrapassados, ainda exerce no deferimento de certos pedidos de adoção.

O Código Civil de 1916 contemplava modelo excludente de se compor família.

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Quem não era casado não vislumbrava possibilidade de adotar antes da abertura do sistema pela Constituição Cidadã. Ademais, o Código Civil desprestigiava explicitamente o filho adotivo em comparação aos outros, que em relação a ele gozavam de privilégios sucessórios. Aos filhos adotivos dedica-se metade do patrimônio a que os filhos biológicos tinham direito.

O estabelecimento do vínculo da filiação, pela adoção, sob a égide do antigo diploma civilista, possibilitava-se pela via cartorial. Tratava-se, pois, de negócio jurídico equiparado a qualquer outro, que poderia se concretizar deste modo pouco formal. Atualmente, conforme se pontuou, a via judicial é a única que se abre para o estabelecimento do vínculo da adoção, que só se pode dar quando para proteger o infante.

Previam-se, pois, duas modalidades de adoção, a simples e a plena. Pela adoção simples, estabelecida tão somente por escrituração pública, sem interferência do Judiciário, o vínculo entre adotante e adotado era bastante tênue, pois não abarcava a característica de irrevogabilidade da adoção plena. Esta, por sua vez, desligava o adotado de seus laços familiares anteriores para ser recepcionado integralmente em sua nova família.

Ademais, só adotavam os maiores de cinqüenta anos. Se a adoção se pleiteava conjuntamente, concediam-na apenas àqueles que eram casados, sem descendentes legítimos ou legitimados - destacando o fundamento de manter o núcleo familiar daqueles que não poderiam ter filhos naturalmente. Salienta, ainda, a primazia do interesse dos descendentes em relação ao das crianças a previsão de que a convenção entre as partes e a ingratidão do adotado eram capazes de fundamentar a dissolução do vínculo.

Até que o cenário fosse drasticamente alterado, alguns movimentos legislativos prepararam terreno para a priorização absoluta da criança. Neste sentido, gradativamente, a adoção passou a se prestar para ampará-la, em cotejo, principalmente, à sua valorização inclusive em âmbito internacional.

Para a definição estrutural do instituto, vale o conceito de adoção, de acordo com Eduardo de Oliveira Leite (2005), "um ato solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece um vínculo de filiação trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que lhe é estranha". Além duma conceituação formal, em observância às novas perspectivas do direito de família, materialmente, expõe-se que o estabelecimento de vínculo através da adoção destaca os laços de afeto, que se visibilizam desde logo (FACHIN, 1999).

Ressalta-se, ainda, que, presentemente, nos termos da legislação aplicável, dentre os requisitos exigidos para a efetivação da adoção, consta a maioridade do adotante, com necessidade de diferença de 16 anos entre este e o adotado. Veda-se a adoção entre aqueles que mantêm laços de sangue entre si, em busca de afastar tentativas de fraude. Ademais, ressalta-se que, embora se possibilite a adoção pelos solteiros, os casais que pretendem adotar devem ser casados ou conviventes em união estável, independentemente de orientação sexual.

Quanto à função do instituto, na contemporaneidade, o sentido filantrópico da adoção parece conquistar espaço. Enfatiza Rodrigo Ignacio Mendez Parodi (1994):

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Desde entoces, y a lo largo de este siglo y debido principalmente a causa de la cantidad de niños huérfanos que han dejado las guerras mudiales y las guerras regionales, así como las situaciones de pobreza y abandono de la niñez en el mundo, la legislación sobre la adopción ha venido sufriendo cambios drásticos e importantes que pretenden darle uma mayory más eficaz protección al menor adoptado.

Apresenta-se, portanto, que a finalidade do instituto da adoção perde sua antiga veste de satisfação dos adotantes para que se verifique a satisfação do adotado. Nesta esteira, o princípio do melhor interesse da criança se constrói.

4. Aspectos do direito de família contemporâneo

A Constituição de 1988 entrega aos juristas uma nova complexidade, especialmente ao Código Civil. Por muitos anos, a Carta inspirada no Código Napoleônico ocupou espaço de maior prestígio em nosso ordenamento, o que, presentemente, não mais se justifica.

A fundamentação dos institutos se identificava no individualismo, ainda bastante atrelado aos ensinamentos do Direito Romano. Não obstante, a principal preocupação do Direito de Família estava na manutenção do paradigma patriarcal, afixado na estabilidade da família natural. Neste sentido, expressa-se Gustavo Tepedino (2004):

A hostilidade do legislador...

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