Princípio Fundamental: Solidariedade Social

AutorWladimir Novaes Martinez
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário
Páginas74-88

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21. Introdução

Apresentado o conteúdo, o exame propriamente dito dos princípios inicia-se com a solidariedade social e prossegue com os básicos e os técnicos.

No seguro social, a fraternidade é essencial, mas, exatamente por sua posição nuclear, o preceito sustentador distingue-se dos básicos e dos técnicos, sobrepairando como diretriz superior.

Diferentemente do exame dos postulados que ela engloba, o estudo da solidariedade social é a análise da previdência social; ausente a solidariedade, será impossível organizá-la.

Sem preocupação de classiicar, a maioria dos jusprevidenciaristas admite a solidariedade social como eixo fundamental do seguro social, chegando alguns a aprofundá-la e a dividi-la em nuanças interiores. Sem estar cuidando especiicamente do assunto, Milton Duarte Segurado arrola a solidariedade social entre os seis princípios mais gerais e universais do Direito, tal sua importância (Introdução ao Estudo do Direito, p. 224).

22. Signiicado

Na previdência social, basicamente, a solidariedade social signiica a contribuição da maioria em favor da minoria. Há constante alteração dessas parcelas da maioria e da minoria e, assim, em um dado momento, todos contribuem e, em outro, todos se beneiciam dos aportes inanceiros da coletividade. É ideia simples: cada um se beneicia de sua própria participação pecuniária.

Na seguridade social, a diferença fundamental reside na clientela ser maior e o custeio ser indireto, por intermédio de exações, restando ainda mais anônimo o esforço de cada um na contribuição, ixada segundo a capacidade coletiva de consumir.

Como princípio técnico, a solidariedade social signiica a contribuição de certos segurados, com capacidade contributiva, em favor dos despossuídos (e deles próprios). É visível na contribuição dos urbanos em favor dos rurais. É jacente na cotização dos aposentados, sem reverter inteiramente a seu favor, quando do extinto pecúlio, convergindo para outros trabalhadores ativos ou não (PBPS, art. 81, I). Também presente na contribuição de quem não tem direito a todas as prestações.

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Outra acepção da solidariedade social se acha no campo obrigacional, limitada à matéria de custeio, quando terceira pessoa é responsabilizada pelas contribuições de outras pessoas originariamente obrigadas a contribuir (PCSS, art. 30, VI/VII, IX e 31).

Socialmente considerado o princípio, trata-se de colaboração marcadamente anônima, traduzindo a solidariedade, mesmo obrigatória, dos indivíduos.

Cientiicamente, solidariedade é técnica imposta pelo custeio e exigência do cálculo atuarial.

É imperioso repisar o signiicado da solidariedade; ela não é uma instituição originária da previdência social, a despeito de aí ter encontrado habitat natural para o seu desenvolvimento e efetivação. A solidariedade, referida no princípio, quer dizer a união de pessoas em grupos, globalmente consideradas, cotizando para a sustentação econômica de indivíduos em sociedade, individualmente apreciados e, por sua vez, em dado momento, também contribuirão ou não, para a manutenção de outras pessoas, e, assim, sucessivamente.

No momento da contribuição, é a sociedade quem aporta. No instante da percepção da prestação, é o indivíduo a usufruir. Embora no ato da contribuição seja possível individualizar o contribuinte, não é possível vincular cada uma das contribuições a cada um dos percipientes, pois há um fundo anônimo de recursos e um número determinável de beneiciários.

23. Origem

A origem da solidariedade referida no seguro social provém da assistência, berço comum de quase todas as técnicas de proteção social. O mutualismo encampou a ideia e ela adquiriu funcionalidade. Contribuiu para isso a forma facultativa. A obrigatoriedade foi o passo seguinte na consolidação.

No seguro privado, como no seguro social, a solidariedade é exigência lógica, técnica matemático-inanceira.

A previdência social surgiu quando o homem teve a compreensão de que, sozinho, ou mesmo em família, isoladamente, não podia suportar o peso dos encargos produzidos pelos riscos sociais.

O início mais remoto da solidariedade social é natural. Quando o homem primitivo deixou a horda como aglomerado humano e organizou-se no grupo preparatório da sociedade, teve de observar a mútua ajuda, ser solidário.

Tal solidarismo incipiente não foi capaz de unir as pessoas. O homem primitivo organizou a família e, à base dela, situava-se a mútua assistência, cujos resquícios podem ser vistos no Direito de Família.

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A solidariedade social é projeção de amor individual, exercitado entre parentes e estendido ao grupo social. O instinto animal de preservação da espécie, soisticado e desenvolvido no seio da família, encontra, na organização social, ampla possibilidade de manifestação.

Pequeno o grupo social, a solidariedade é quase instintiva. Vencendo o natural egoísmo, quem ajuda o próximo, um dia poderá ser ajudado. Suplantado o individualismo, a pessoa integra-se na sociedade. Essa ajuda, sem perspectiva de reciprocidade, é moral; com certeza de reciprocidade, é seguro social.

A solidariedade familiar é a primeira forma de assistência conhecida, à qual a pessoa recorre quando da instalação da necessidade; só depois intervêm técnicas mais elaboradas de proteção social.

Nair Lemos Gonçalves, a esse respeito, reproduz palavras de Miguel Reale (Lições Preliminares de Direito, p. 52): “os descendentes não podem faltar à assistência devida aos pais e avós, toda vez que estes se encontrem em diiculdades econômicas, por motivos que não podem ser superados. É, evidentemente, um preceito de ordem jurídica e, ao mesmo tempo, de ordem moral. É o princípio da solidariedade humana, ou melhor, da solidariedade familiar que dita a regra jurídica consagrada nos códigos” (Novo Benefício da Previdência Social, p. 51).

O Código Civil abriga várias técnicas de proteção social e alguns princí-pios de seguro social, na parte do Direito de Família, porque a família é uma das mais antigas e efetivas técnicas de amparo social.

Salta à vista a baixa solidariedade do plano CD adotado pelas entidades associativas de previdência complementar.

24. Limites

A solidariedade social tem por limite a sociedade. Seu alcance corresponde à universalidade da técnica de proteção social considerada. Enorme no seguro social, maior ainda na seguridade social.

O limite pode ser direto, quando se refere aos contribuintes destinatários da norma (contribuintes-segurados) e pode ser indireto, quando existem pessoas contribuindo sem serem beneiciadas (empresas e a população de modo geral, no caso brasileiro, por intermédio da parte patronal) e outras, beneiciadas sem contribuírem (dependentes dos segurados e atendidos pela assistência social).

Pode interligar mais de um regime, como é o caso da solidariedade ja-cente na contribuição das empresas urbanas em favor do extinto PRORURAL.

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Será meramente proissional, caso do seguro especial do aeronauta, ou limitar-se às pessoas envolvidas em uma relação econômica, na hipótese da solidariedade iscal.

25. Tipos

Fenômeno complexo, a solidariedade social contida no seguro social apresenta inúmeros aspectos, comportando variada angulação. Alguns autores tiveram o cuidado de tipiicá-la e, como se verá a seguir, classiicá-la.

Mário L. Deveali lembra a solidariedade proissional, ixando-lhe certos limites. “Essa solidariedade pode ocorrer tanto no âmbito territorial, mais ou menos amplo, como no âmbito de cada proissão. Mas quando é imposta por lei (a solução poderia ser diferente no caso da proposta ou aceitação por parte dos segurados) não deve exceder limites razoáveis, já que, em caso contrário, voltaríamos a fazer confusão entre previdência e assistência social” (Alguns Princípios Básicos em Matéria de Previdência Social).

No caso brasileiro, após a uniicação dos institutos de previdência social (Decreto-lei n. 72/66), a absorção do SASSE (Lei n. 6.430/77) e a união com o IPASE e o FUNRURAL (Lei n. 6.439/77), é quase inexistente esse solidarismo proissional, no entanto, vislumbrada em outras técnicas de proteção social (v. g., mutualismo, técnicas sindicais etc.).

Ercole Scerbo destaca outro aspecto da solidariedade social, a solidariedade econômico-jurídica: “Também no campo político existe sobre o assunto uma rica variedade de opiniões e se pode acentuar que quase todos os partidos, enquanto estão plenamente de acordo em aceitar uma solidariedade econômico-jurídica, não o estão absolutamente no que concerne ao signiicado substancial de tal solidariedade e aos critérios a seguir para poder realizá-la eicientemente. Alguns, baseados na affectio societattis, conside-ram a seguridade social como um direito natural do homem. Outros pedem a abolição da beneicência, inspirada quase sempre em conceitos...

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