Princípio da Continuidade da Relação de Emprego

AutorFrancisco Meton Marques De Lima
Ocupação do AutorMestre em Direito e Desenvolvimento pela UFC. Doutor em Direito Constitucional pela UFMG
Páginas137-174

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1. Do liberal ao social

Para sua sobrevivência, de regra, é desejo do assalariado a continuidade indefinidamente da relação empregatícia até outra oportunidade melhor ou a aposenta-doria. Este princípio dá um livro. A continuidade é um corolário da continuidade da empresa, pois se a mão de obra constitui um dos elementos essenciais da ativi-dade econômica, deve integrar-se ao empreendimento.

Na nossa histórica santa má formação humana, acostumamo-nos a achar normal o absurdo. Assim é que mantivemos com a maior normalidade quatro séculos de escravidão, quatro décadas de servidão (durante a República Velha), continuando até 1988 a condição dos brasileiros discriminados, excluídos, desamparados do direito e do Estado. Da mesma forma, acostumamo-nos com o sistema de despedida totalmente imotivada, como um direito potestativo do empresário. Ora, como pode se atribuir a um agente da atividade econômica, nesta condição, potestade sobre um ser humano?

Pois bem, tudo de ruim que se faz no Velho Mundo se noticia por aqui e se copia. O de bom é omitido. Veja-se que o Novo Código do Trabalho português, instituído pela Lei n. 99/2003, refletindo a opção da União Europeia, enuncia:

Artigo 382º Proibição de despedimento sem justa causa

São proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.

Claro que nesse conceito de justa causa se incluem todas as hipóteses em que o empregador não possa manter o empregado, por fatos atribuídos a este ou pelas vicissitudes empresariais, como extinção do posto de trabalho, despedidas coletivas etc.

O princípio em estudo consiste em estabelecer presunção juris tantum da continuidade da vinculação de emprego. À sua sombra, presume-se que o empregado

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não pediu demissão nem abandonou o emprego. Ao empregador cumpre provar esses fatos de forma a não suscitar qualquer dúvida. Nestes casos, analisa-se a causa do pedido de demissão ou do abandono e se não houve vício de consentimento, como exposto no capítulo sobre a irrenunciabilidade.

O pensamento liberal, preocupado com o indivíduo singular, prevenia-se contra a escravização do homem. Por isso, encontramos em quase todos os Códigos Civis que se seguiram ao Código de Napoleão a proibição, na locação de serviço, de cláusula eternizadora do contrato. O nosso Código de 1916 não fugiu da regra: determina em seu art. 1.220 a proibição de contrato de locação de serviço por mais de quatro anos; e no artigo seguinte faculta a qualquer dos contratantes pôr fim ao contrato sem prazo estipulado a seu arbítrio, mediante prévio aviso.

Depois, as ideias sociais identificaram que o medo maior do trabalhador é o de perder o emprego, e não o de tornar-se escravo. Por conseguinte, a legislação social criou a regra do contrato por tempo indeterminado e como exceção os contratos por tempo certo. Para estes, estipula formas e condições de admissibilidade.

No dizer de Riva Sanseverino, a continuidade da relação é a regra, e o termo, a exceção. Daí decorre que o contrato a termo é formal, expresso e, na dúvida, interpreta-se como sendo por prazo indeterminado.

2. Fundamentos do princípio

O princípio fundamenta-se na necessidade que o trabalhador tem de um emprego que lhe assegure o sustento próprio e da família. Outro fundamento, de ordem moral, é que toda pessoa tem direito ao trabalho. Logicamente, todos necessitam de uma ocupação, para o bem do corpo e da alma, porque o ócio é o pai de todos os vícios.

O fator segurança soma-se aos anteriores. Talvez desponte como mais importante diante de cada pessoa individualizada. Ainda que o trabalho seja pesado e o ganho pouco, o trabalhador gostaria de poder contar com ele indefinidamente, até que outro melhor se lhe apresente. Com efeito, qualquer emprego eleva o empregado à condição de filiado da Previdência Social, garantindo-lhe os benefícios daí decorrentes: seguro contra acidente de trabalho, salário-família, salário-materni-dade, seguro-desemprego, aposentadoria etc. Além disso, o salário percebido no emprego custeia a subsistência do empregado e proporciona a ele e a sua família segurança alimentar.

Já o fundamento de ordem técnica assenta no fato de que a continuidade no emprego proporciona o aperfeiçoamento do trabalhador, que renderá mais na função que há muito exerce; permite ainda ao empregado conhecer melhor a filosofia de trabalho da empresa, consequentemente, a incorporação dos ideais ali reinantes, resultando mais fidelidade e amor ao trabalho. Mesmo a mudança de função não impedirá o aperfeiçoamento do empregado, que há muito conhece pormenores da

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empresa e não terá dificuldade de adaptação à nova função. Aliás, o empregado, sabendo que terá garantia no emprego e ascensão funcional, desde que desempenhe com zelo sua função, terá mais interesse pela empresa, a ela se dedicando como uma parte do seu patrimônio, nela vendo mais do que um simples ganha-pão.

A rotatividade de patrões desperta no trabalhador uma desconfiança no capital, um desamor ao trabalho, motivo pelo qual ele não se interessa pelo que está fazendo: trabalha só para ganhar o pão. Assim é que o trabalhador, tomando conhecimento de que determinada empresa não atura por muito tempo o empregado, certamente não vestirá a camisa dela e passará a trabalhar sem pensar no objetivo final daquele trabalho, mas pensando somente no salário. Esse fator repercute negativamente na qualidade do produto nacional, já que cada empresa não produzirá o melhor, reduzindo-lhe a competitividade; repercute também na produtividade; e por fim atrasa o processo de geração da riqueza nacional.

Por esses fundamentos, especialmente pelo último, impõe-se a necessidade de intervenção do poder público nas despedidas imotivadas, impedindo com isso a nociva rotatividade de mão de obra.

Baltazar Cavazos Flores, em tom eloquente, diz que a estabilidade é a fonte da alegria e do amor ao trabalho, não sendo possível exigir dos homens dedicação e esforço em suas atividades, quando a intranquilidade domina suas consciências102.

O fato de o contrato de trabalho ser de trato sucessivo não fundamenta este princípio, dado que outras relações há com igual característica.

3. Manifestações desse princípio no direito nacional

Apesar de o constituinte não haver aprovado a vedação de dispensa imotivada, impôs várias dificuldades às despedidas sem causa.

Primeiro, o caput do art. 7º da CF ampara toda norma de qualquer fonte que represente melhoria da condição social do trabalhador. Este é o gancho em que se dependuram todas as cestas normativas que representem avanços sociais.

O inciso I garante proteção à relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos da lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos. E este é o gancho constitucional onde se dependuram todas as formas de proteção do emprego.

Marly Cardone, dizendo que o mesmo texto não pode afirmar e negar a um só tempo, interpreta o citado inciso na seguinte passagem:

Daí que a interpretação do inciso I do art. 7º só pode chegar à conclusão de que a lei complementar deve garantir a manutenção da relação de emprego até que haja justa causa, motivo técnico, econômico ou financeiro,

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ou demissão do empregado. A indenização compensatória, assim, será para aquelas hipóteses em que a manutenção da relação de emprego for impossível por fechamento do estabelecimento ou da empresa.103

Apesar de o inciso condicionar sua plena eficácia, a futura lei complementar (que nunca saiu), um grau de eficácia imediata lhe foi conferida, mediante a antecipação de várias garantias contra despedida do emprego: ao dirigente sindical (art. 8º, VIII), ao dirigente da CIPA — Comissão Interna de Prevenção de Acidentes — e à mulher gestante (art. 10, ADCT). Outro grau de eficácia imediata revela-se no amparo a todas as garantias conferidas no plano infraconstitucional contra dispensa arbitrária: ao dirigente de associação ainda não convertida em sindicato (art. 543, § 3º, CLT), ao acidentado no trabalho até um ano após o retorno à atividade (Lei n. 8.213, art. 118), aos empregados públicos e das estatais no período eleitoral, proibição de dispensa durante a greve. Além dessas, existem as convencionais, firmadas em instrumentos coletivos ou em contratos individuais. E tantas outras reconhecidas pela jurisprudência. Trataremos sobre as estabilidades no item 5 deste Capítulo.

Mesmo na faixa das dispensas ainda livremente permitidas, uma série de empecilhos deve ser considerada: a) obrigatoriedade de aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, nunca inferior a 30 dias; b) indenização de 40%...

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