Primeiras linhas sobre a comissão de permanência

AutorGlauber Moreno Talavera
Ocupação do AutorExecutivo corporativo em São Paulo; Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUC-SP
Páginas19-26

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A comissão de permanência, consolidada pela dinâmica contratual bancária sedimentada nos contratos de mútuo bancário, tem – como espécie de encargo que o é – suscitado debates ora científicos ora passionais que, não raro, têm sido entrecortados simultaneamente por nuances de razão e de intempestividade entre aqueles que, de um lado, defendem sua legalidade e os que, na vereda de mão contrária, a refutam.

Contendores de toda magnitude têm participado dessa polê-mica, alguns argutos e notáveis, tratando o tema com temperança e acuidade, e outros dispensando a ele mero simulacro de análise, enaltecendo números e cálculos que, se por um lado salientam “o golpe baixo dos juros altos” e denotam antipatia aos lucros demasiados, por outro, mostra que a exatidão da pesquisa provavelmente fora entorpecida pela parcialidade patente em tal aversão exacerbada à recompensa pelo risco que o investidor assumiu ao iniciar seu empreendimento num mercado permeado pela insegurança gerada por sua forte volatilidade.

É fato que a métrica do percentual de juros é questão que em al-guns casos extremos, sem subtrair-se do mundo jurídico, está amalgamada também a fatores morais e éticos que caracterizam aqueles que sabem o preço de cada coisa e o valor de coisa alguma. Destarte, ao encetar análise a partir de uma conclusão já assentada, o pesquisador passa a conceber premissas prêt-à-porter para legitimar o resultado preexis-

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tente, tentando, conotativamente, tensionar arbitrariamente o peso para fazer com que a direção do fio de prumo corrobore sua preferência. Ao conduzir-se, dessa forma, o estudioso passa a ser detentor de um propósito do qual já estava “enamorado” e dependente, quedando-se subalterno de sua própria e irremediável cegueira. Como de há muito asseverou Sêneca, somente é livre quem deixou de ser escravo de si mesmo.

Num e noutro ponto, é cediço que a aparente solidez de algumas premissas, dogmas e axiomas cunhados pela mão vigorosa dos bons costumes pode seduzir o hermeneuta a olvidar a tormenta e a escolher navegar por atalhos que o levem a portos, senão mais acautelados e firmes, ao menos confortáveis. Esse tema, ao que nos parece, não permite tal licenciosidade, pois, árido e circunspeto, demanda pertinácia do intérprete, que haverá de preparar-se para turbulências de alta densidade inseridas num mosaico complexo e dinâmico, havendo de estabelecer estruturas lógicas e conceber mecanismos aptos a dar efetividade aos normativos vigentes.

Concebida com fundamento no inciso IX do art. 4º, da Lei
4.595, de 31.12.1964,1que estabeleceu novo regramento sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias, a comissão de permanência foi originariamente arquitetada em 28.01.1966, nos termos do item XIV da Resolução Bacen 15,2tendo sido, ato

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contínuo, objeto de tratamento normativo pelo item V da Circular Bacen 77, de 23.02.19673e, posteriormente, em 15.03.1967, também pela Circular Bacen 82,4que deu nova redação ao item V da Circular Bacen 77.

Transcorridas mais de duas décadas desde a edição da Resolução Bacen 15, e a par de outros normativos emanados do Conselho Monetário Nacional – CMN e divulgados pelo Banco Central do Brasil nesse interregno, a Resolução Bacen 1.129, emitida em
15.05.1986 e atualmente em vigor, corroborou a regularidade da cobrança da comissão de permanência, franqueando expressamente às instituições financeiras,5no seu item I, a possibilidade de cobrança desse encargo, cujo cálculo deve ser parametrizado pelas mesmas taxas pactuadas no contrato original ou pela média da taxa de mercado praticada no dia do pagamento.

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Todavia, malgrado exista disposição normativa amparando a cobrança da comissão de permanência nos contratos de mútuo bancário, celeumas várias, seja nos estudos acadêmicos ou na militância forense cotidiana, têm erigido, a referida comissão a tema que tem inspirado desde reflexões sobre os fundamentos macro-econômicos de sustentação do mercado até questões sobre a reinvenção da comutatividade contratual, todos perpassados por indagações sobre o papel das instituições financeiras e pontuados por um sem-número de argumentos jurídicos, econômicos, financeiros e sociais de toda sorte. A embrulhada é tamanha que nos traz, à lembrança, as ordens desconexas que, na obra narrativa O Processo, do romancista austro-húngaro Franz Kafka...

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