Pressupostos fáticos

AutorFernando Maciel
Ocupação do AutorProcurador Federal em Brasília/DF. Mestre em Prevenção e Proteção de Riscos Laborais pela Universidade de Alcalá (Espanha)
Páginas27-58

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A ação regressiva acidentária pressupõe a concorrência das seguintes circunstâncias fáticas: um acidente do trabalho sofrido por um segurado do INSS; o implemento de alguma prestação social acidentária; e a culpa do empregador quanto ao cumprimento e à fiscalização das normas de saúde e segurança do trabalho.

A fim de facilitar a compreensão do instituto, vejamos cada um desses pressupostos de forma mais detida, cuja coexistência condiciona a procedência da pretensão ressarcitória exercida pelo INSS.

3.1. Acidente do trabalho

O primeiro pressuposto de uma ARA é a ocorrência de um acidente do trabalho sofrido por um segurado do INSS.

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Curiosamente, esse é um requisito não exigido de forma expressa pela legislação pátria. Compulsando-se o art. 120 da Lei n. 8.213/91 verificamos a sua dicção no sentido de que: "Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis".

A partir de uma interpretação literal, se é que a mera literalidade vocabular pode ser considerada como um método interpretativo, é fácil concluir que o legislador brasileiro não inseriu o "acidente do trabalho" enquanto um requisito expresso das ARAs.

Partindo dessa premissa, poderíamos cogitar de situações em que a negligência de uma empresa para com as normas de Saúde e Segurança do Trabalho poderia acarretar no implemento de prestações por parte do INSS, mesmo inocorrendo qualquer acidente do trabalho e/ou doença ocupacional.

A título exemplificativo, tomemos uma empresa que atua em um segmento econômico cuja rotina de trabalho expõe seus empregados a condições especiais de labor, mediante o contato com algum agente químico, físico ou biológico que prejudique a saúde ou a integridade física dos trabalhadores. Vamos supor que essa empresa não disponibilize aos seus empregados os equipamentos de proteção (coletivos e individuais) necessários para mitigar os efeitos da exposição ao referido agente prejudicial, descumprindo, assim, as normas de SST previstas na CLT e nas NRs do MTE.

Ao incorrer nessa conduta negligente para com a saúde e a integridade física de seus empregados, expondo-lhes a condições especiais de trabalho, uma das consequências previdenciárias poderia ser a concessão da aposentadoria especial prevista no art. 5724 da LBPS, circunstância que poderia ser evitada acaso a empresa tivesse adotado as medidas de SST cabíveis para eliminar e/ou neutralizar a nocividade, como, por exemplo, o fornecimento do EPI eficaz, conforme entendimento adotado pelo STF em regime de repercussão geral ao julgar o Agravo em RE n. 664.335 (Publicado no DJe de 12. 2.2015)25:

O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial.

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Com base nesse cenário hipotético, estaríamos diante da negligência de uma empresa para com as normas de SST, conduta essa que acarretaria no implemento de uma prestação social por parte do INSS. Nesse caso, seria cabível o ajuizamento de uma ARA para cobrar da empresa a despesa previdenciária que derivou de sua conduta negligente?

Em que pese todos os elementos previstos no art. 120 da Lei n. 8.213/91 se fazerem presentes no exemplo antes descrito, numa análise preliminar, entendemos que o ajuizamento de uma ARA não se faz cabível em tais situações, porquanto, s.m.j., a ocorrência de um acidente do trabalho e/ou doença ocupacional é um requisito imprescindível para o exercício da pretensão ressarcitória veiculada numa ARA.

Para alcançar esse entendimento mais restritivo do objeto de uma ARA, podemos partir de três premissas. A primeira decorre da natureza distinta apresentada pela aposentadoria especial quando confrontada com as espécies de benefícios concedidos aos trabalhadores vítimas de acidente ou doenças ocupacionais, a exemplo do auxílio-doença, do auxílio-acidente e da aposentadoria por invalidez.

Enquanto o implemento de uma aposentadoria especial pressupõe a mera exposição de um trabalhador a agentes prejudiciais a sua saúde e/ou integridade física, os demais benefícios acidentários pressupõem uma efetiva condição de incapacidade laboral a ser comprovada pela Perícia Médica do INSS, sendo total e permanente no caso da aposentadoria por invalidez, total e temporária no caso de auxílio-doença e parcial e permanente no caso de auxílio-acidente.

Nos casos de aposentadoria especial, não há que se falar em incapacidade do trabalhador, mas sim em condições especiais de labor que prejudiquem a saúde ou integridade física do obreiro, sem contudo incapacitá-lo para o trabalho, circunstância que, por consequência, serve de fundamento para sua aposentação em tempo inferior a outros trabalhadores que não estão sujeitos a condições especiais de trabalho.

Com efeito, a negligência de um empregador que, por exemplo, não disponibiliza os EPCs e EPIs determinados pelas normas de SST pode ter consequências distintas sob a ótica da saúde e integridade física dos trabalhadores. Nos casos sujeitos à aposentadoria especial, a capacidade de trabalho permanecerá íntegra, apenas ensejando uma aposentação mais precoce, que é prevista ordinariamente na legislação para tais hipóteses.

Entretanto, nos casos de eventos infortunísticos que ensejem o implemento de benefícios acidentários, a incapacidade laboral deverá se fazer presente, circunstância mais gravosa que, por derivar de um risco extraordinário imputável aos empregadores/contratantes (negligência para com o cumprimento e fiscalização das normas de SST), exorbita o âmbito de cobertura a ser suportada pela Previdência Social, tanto que viabiliza o ressarcimento dessa despesa por meio da ARA a ser ajuizada contra o responsável por essa conduta culposa.

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A segunda premissa pode ser encontrada na forma de custeio dessas prestações sociais. Tanto a aposentadoria especial quanto os benefícios acidentários, os quais são concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho (GIIL-RAT), são financiados pela arrecadação obtida através do SAT, nos termos do preconizado no art. 22, II, da Lei n. 8.212/91.

Ocorre que, no que se refere à aposentadoria especial, a despesa com essa espécie de benefício é custeada não apenas pelos recursos provenientes do SAT, pois tais alíquotas são acrescidas de 12 (doze), 09 (nove) ou 06 (seis) pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, respectivamente.

Outrossim, tal acréscimo não incide sobre a folha salarial genericamente considerada, o que se verifica quanto à base de cálculo dos benefícios acidentários, mas sim especificamente sobre a remuneração dos segurados sujeitos às condições especiais de labor.

É o que se extrai da redação do art. 57, §§ 6º e 7º, da Lei n. 8.213/91, in verbis:

Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei. (Redação dada pela Lei n. 9.032, de 1995)

§ 6º O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente. (Redação dada pela Lei n. 9.732, de 11.12.98)

§ 7º O acréscimo de que trata o parágrafo anterior incide exclusivamente sobre a remuneração do segurado sujeito às condições especiais referidas no caput.

Por fim, a terceira premissa decorre da própria interpretação do dispositivo legal que serve de fundamento de validade às ARAs, qual seja o art. 120 da Lei n. 8.213/91. Inicialmente, temos que externar nossa crítica quanto à indevida colocação desse dispositivo na Seção atinente às "disposições diversas relativas às prestações". Em nosso entender, devido ao seu conteúdo normativo intimamente ligado à matéria acidentária, melhor seria sua inserção entre os arts. 19 a 23 da Lei n. 8.213/91, os quais apresentam a definição de acidentes do trabalho, doenças ocupacionais, acidentes por equiparação, dever de comunicação à Previdência Social etc.

Feito esse registro, o fato é que tal dispositivo legal (art. 120) deve ser interpretado conjuntamente com o seu subsequente, qual seja o art. 121 da Lei n.

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8.213/9126, o qual trata de matéria intimamente conexa, também servindo como fundamento de validade para o instituto da ARA, conforme vimos anteriormente.

Esse último dispositivo legal preconiza que o fato de a Previdência Social efetuar o pagamento de...

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