Prescrição Antes de Transitar em Julgado a Sentença

AutorHeráclito Antônio Mossin/Júlio César O.G. Mossin
Ocupação do AutorAdvogados criminalistas
Páginas55-125

Page 55

O conteúdo normativo que versa sobre a presente matéria se encontra inserido no art. 109 do Código Penal, conforme a seguinte redação: “A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se (...)”.

É oportuno observar que o § 2º, acima mencionado, foi revogado pela Lei nº 12.234, de 5 de maio de 2010, que se refere à prescrição retroativa, cuja matéria será abordada em item específico.

1 Prescrição da pretensão punitiva ou da ação penal

Ao prelecionar sobre a prescrição do delito, afirma Francesco Antolisei que: pressupõe que não exista uma sentença irrevogável de condenação. Para o Código vigente o transcurso do tempo não se limita a extinguir, como o Código anterior, a ação penal, senão que elimina a punibilidade em si e por si: tem um alcance substancial, não meramente processual.57Conforme magistério de Vincenzo Manzini, havíamos visto como a prescrição extintiva do crime constitui uma renúncia, feita preventivamente e legislativamente pelo Estado e determinada pela deletéria do tempo, em fazer valer a pretensão punitiva contra determinado indivíduo, suspeito ou imputado de um crime. No conceito do código vigente a prescrição aboliu o crime, e não somente a ação penal, porque essa investe diretamente na pretensão punitiva do Estado, e não sobre a relação processual, que pode ainda não ter sido exercida.58

Page 56

Nas palavras de Eugenio Cuello Calón, quando tem lugar essa prescrição que o Código chama impropriamente prescrição do delito, se extingue a ação que tem a administração da justiça, ou os particulares, quando se trata de delitos privados, para perseguir aos delinquentes e determinar sua culpabilidade.59Na dicção do direito penal nacional, a prescrição da pretensão punitiva se confunde com a prescrição da ação penal, o que se mostra totalmente inócuo uma vez que, de qualquer maneira, o Estado perde seu ius puniendi in concreto pelo decurso do tempo.

Demarcando seu limite conceitual, Damásio E. de Jesus exorta: na prescrição punitiva, impropriamente denominada ‘prescrição da ação’, a passagem do tempo sem o seu exercício faz com que o Estado perca o seu direito de punir no que tange à pretensão (punitiva) de o Poder Judiciário apreciar a lide surgida com a prática da infração penal e aplicar a sanção respectiva. Titular do direito concreto de punir, o Estado o exerce por intermédio da ação penal, que tem por objeto direto a exigência de julgamento da própria pretensão punitiva e por objeto mediato a aplicação da sanção penal. Com o decurso do tempo sem o seu exercício, o Estado vê extinta a punibilidade e, por consequência, perde o direito de ver satisfeitos aqueles dois objetos do processo.60Na esteira da lição professada por Celso Delmanto, a causa de extinção da punibilidade ora abordada: acarreta a perda da pretensão punitiva (ou do impropriamente chamado ‘direito de ação’, já que a ação é o exercício do direito à jurisdição, e não do próprio direito). Com ela, fica extinta a própria pretensão do Estado de obter uma decisão a respeito do fato apontado como criminoso.61A doutrina, assim como a magistratura cria formas de expressão do direito na ampla liberdade de interpretação das normas jurídicas.

Page 57

Em razão disso surge uma riqueza incomum de vocábulos em torno de determinado instituto.

Por essa razão é que se faz menção à prescrição da pretensão punitiva ou da ação penal, a título de situações que se equivalem. A rigor, na legislação pátria, ao se cuidar da “extinção da punibilidade”, ostenta ela emprego amplo em vários institutos, como se observa nos incisos alinhados pelo art. 107 do Código Penal.

Na situação específica da prescrição, o legislador, no art. 108 do supradito diploma, faz menção expressa à “extinção da punibilidade de crime”. Assim, na dicção legislativa pátria, ocorrendo a prescrição não se pune o crime, ele fica extinto. Entretanto, na expressão corrente da doutrina e jurisprudência faz-se alusão à extinção da pena ou da pretensão punitiva.

A variação de denominação emprestada ao instituto sob análise, desde que centrada no direito penal, não lhe altera o conteúdo e finalidade, que é de não punir o autor do fato delituoso ultrapassado o limite temporal normativamente demarcado para o Estado exercer seu ius puniendi de forma efetiva.

De outro lado, embora se adote e se prestigie a liberdade de linguagem em torno da prescrição, não se apresenta com muita adequação a expressão “prescrição da ação penal”. Isso porque, a rigor, a actio poenalis não está sujeita a prazo prescribente, mas unicamente a prazo decadencial, em se cuidando de ação penal privada.

No que tange à “extinção da ação penal”, quer seja ela pública, quer se trate de privada, ocorrendo a prescrição, evidentemente, a referida ação deixará de ser proposta ou se já estiver em curso será julgada extinta; será determinada sua paralisação, arquivando-se o processo.

Em circunstâncias desse matiz, a extinção actio ponelis é uma consequência direta da prescrição, e não uma de suas formas.

Recordando e enfatizando o que já foi exposto neste trabalho jurídico, independentemente de se discutir a natureza jurídica da

Page 58

actio, isso não implica entender que essa causa extintiva de punibilidade tenha natureza mista ou processual penal. Insista-se, a prescrição somente gera consequência na persecutio criminis, não tendo nenhum vínculo de fundo com o mecanismo usado pelo Estado para tornar uma realidade o direito penal (processo).

Por oportuno, o mesmo também pode ser dito no que diz respeito ao processo de execução (prescrição da pretensão executória).

A execução penal, nos termos da Lei n. 7.210 (Lei de Execução Penal), de 11.07.194, tem seu procedimento previamente determinado para efeito de cumprimento da pena privativa de liberdade e da restritiva de direitos, excetuando a pecuniária (multa), que deve ser objeto de execução pela Fazenda Pública, mediante inscrição na dívida ativa (dívida de valor).

Nessa ordem de consideração pode-se afirmar, de maneira antecipada, que o procedimento da execução poderá não ser iniciado ou se estiver em curso poderá ser objeto de extinção pela ocorrência da prescrição. Portanto, mesmo na fase de execução, a causa extintiva de punibilidade também não tem natureza processual.

No âmbito punitivo do Estado há o ius puniendi in abstrato e o ius puniendi in concreto. A primeira figura é a ameaça (cominação) feita ao indivíduo para que não cometa nenhum tipo de fato punível. Não gera ela nenhum efeito prático no campo da persecução criminal. A segunda figura nasce com a prática do delito. Assim, cometida a infração típica, nasce para o Estado o direito de impor a sanctio legis correspondente.

A jurisdição como forma de dizer o direito (iuris + dictio) é inerte (ne procedat iudex ex officio), depende da provocação do titular da ação penal, que na hipótese da pública tem como titular, privativamente, o Ministério Público.

A teor da legislação penal, a actio poenalis a cargo do parquet para os devidos efeitos de prescrição da pretensão punitiva tem que ser proposta antes de vencer o prazo demarcado por lei. Assim, se não houver a persecutio criminis dentro do espaço temporal estabelecido,

Page 59

que será ulteriormente apontado, fica extinta a punibilidade do autor do fato punível.

Por defluência dessa perda do exercício da actio é que se faz menção à prescrição da ação penal, cujo assunto, inclusive de modo amplo, foi precedentemente abordado, o que gera como consequência a perda do direito de punir.

De forma bastante clara e inquestionável, o legislador estabelece no art. 109 do Estatuto Penal que a prescrição da pretensão punitiva se verifica antes de transitar em julgado a sentença final. Isso significa: enquanto não houver a preclusão das vias recursais, o que somente acontece com o exaurimento do inconformismo, que pode ocorrer desde a primeira instância até em nível de recurso especial junto ao Superior Tribunal de Justiça, ou extraordinário, nos lindes do Supremo Tribunal Federal.

Essa forma prescricional “regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime”. Para melhor ser entendido o preceito trasladado, na sistemática punitiva pátria existe para o delito uma pena mínima e uma sanção máxima abstratamente cominada (ameaça de punição). Para efeito prescricional, só se leva em consideração a sanctio poenalis em seu patamar maior, desprezando-se o menor.

No que concerne à pena privativa de liberdade, esta se refere à reclusão, detenção e prisão simples, embora a lei faça menção a “crime”. Portanto, tal expressão tem sentido ampliativo para compreender em seu bojo também as contravenções penais (Decreto-lei 3.688, de 03.10.1941).

Outrossim, como observa Romeu de Almeida Salles Jr., determina a lei que a prescrição da ação seja calculada com base no máximo da pena cominada ao delito, pena esta privativa de liberdade, segundo a regra do art. 109. É a chamada pena in abstrato. Essa pena é aplicada à tabela contida no próprio art. 109, encontrando-se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT