As Entidades de Prática Desportiva no Ordenamento Jurídico Brasileiro

AutorLuiz Felipe Guimarães Santoro
Ocupação do AutorAdvogado graduado pela USP. Especializado em Administração Esportiva pela FGV-SP e MBA em Football Industries pela Universidade de Liverpool (Inglaterra)
Páginas118-123

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Ver nota 1

O objetivo deste artigo é discutir o papel das entidades de prática desportiva e sua inserção/importância no âmbito do desporto brasileiro.

Em primeiro lugar, cumpre-nos conceituar as entidades de prática desportiva, que nada mais são do que os clubes e associações desportivas, dedicados ou não à prática profissional, que contam com atletas vinculados e ministram treinamentos com vistas à formação de atletas individuais e/ou equipes para participação nas mais diversas competições realizadas em nosso país e em âmbito internacional.

Quanto à sua formatação jurídica, as entidades de prática desportiva podem ser constituídas sob a forma de associações de fins não econômicos (arts. 53 a 61 do Código Civil) ou sob a forma de sociedades empresárias, segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092 do Código Civil (vide art. 27, § 9º da Lei n. 9.615/98).

Logo de início é necessário esclarecer que entidade de prática desportiva "profissional" não é uma terminologia adequada. Isso porque "profissional" não é a entidade em si, mas sim o atleta, a prática. O que define a classificação de profissional ou não profissional é a situação dos atletas praticantes, e não a modalidade ou a entidade de prática desportiva em questão.

Uma mesma entidade de prática desportiva pode congregar atletas profissionais e não profissionais, os quais evidentemente serão submetidos a distintos programas de treinamento.

Todas as entidades de prática desportiva estão aptas a serem consideradas formadoras de atletas, bastando, para tanto, que cumpram os requisitos estabelecidos no art. 29, § 2º, da Lei n. 9.615/1998, com a redação dada pela Lei n. 12.395/2011:

§ 2º É considerada formadora de atleta a entidade de prática desportiva que:

I - forneça aos atletas programas de treinamento nas categorias de base e complementação educacional; e

II - satisfaça cumulativamente os seguintes requisitos:

  1. estar o atleta em formação inscrito por ela na respectiva entidade regional de administração do desporto há, pelo menos, 1 (um) ano;

  2. comprovar que, efetivamente, o atleta em formação está inscrito em competições oficiais;

  3. garantir assistência educacional, psicológica, médica e odontológica, assim como alimentação, transporte e convivência familiar;

  4. manter alojamento e instalações desportivas adequados, sobretudo em matéria de alimentação, higiene, segurança e salubridade;

  5. manter corpo de profissionais especializados em formação tecnicodesportiva;

  6. ajustar o tempo destinado à efetiva atividade de formação do atleta, não superior a 4 (quatro) horas por dia, aos horários do currículo escolar ou de curso profissionalizante, além de propiciar-lhe a matrícula escolar, com exigência de frequência e satisfatório aproveitamento;

  7. ser a formação do atleta gratuita e a expensas da entidade de prática desportiva;

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  8. comprovar que participa anualmente de competições organizadas por entidade de administração do desporto em, pelo menos, 2 (duas) categorias da respectiva modalidade desportiva; e

  9. garantir que o período de seleção não coincida com os horários escolares.

    Nesse sentido, admite-se que uma entidade de prática desportiva formadora de atletas seja "não profissional", caso se dedique apenas ao treinamento de atletas não profissionais.

    As entidades de prática desportiva, se assim desejarem, poderão se filiar às chamadas entidades de administração do desporto (federações e confederações), adquirindo o direito de participar das competições organizadas por estas últimas.

    Admite-se também a não filiação das entidades de prática desportiva às entidades de administração do desporto, mas neste caso estas não são obrigadas a aceitar aquelas em suas competições profissionais ou não profissionais.

    Nos termos da legislação em vigor (Lei n. 9.615/1998, art. 13, parágrafo único, inciso VI), as entidades de prática desportiva integram o Sistema Nacional do Desporto, que tem por finalidade promover e aprimorar as práticas desportivas de rendimento, congregando as pessoas físicas e jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos, encarregadas da coordenação, administração, normatização, apoio e prática do desporto, bem como as incumbidas da Justiça Desportiva.

    Conforme sintetiza Álvaro Melo Filho em sua obra "Nova Lei Pelé - Avanços e Impactos" (2011), as entidades de prática desportiva tem papel proeminente no âmbito do ordenamento jurídico-desportivo brasileiro, sendo destinatárias, além das normas legais, dos estatutos, regulamentos e resoluções emanados pelas entidades nacionais de administração do desporto (confederações) e das entidades estaduais de administração do desporto (federações):

    Assim como as demais entidades desportivas, as entidades de prática tem sua autonomia quanto à organização e funcionamento garantida pela Constituição Federal (art. 217, inciso I):

    CF, Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, observados:

    I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;

    II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;

    III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não profissional;

    IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.

    § 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.

    § 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.

    § 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.

    Discussão recorente refere-se aos limites de tal autonomia para as entidades de prática desportiva. Juristas de nomeada, como o próprio autor do artigo constitucional, Dr. Álvaro Melo Filho, entendem que o objetivo de tal disposição da Carta Magna é afastar a intromissão estatal nas questões internas da administração do desporto, dada a especificidade da atividade esportiva (specificité de l’activité sportive). Assim, as questões interna corporis das entidades desportivas, poderiam ser por estas livremente decididas, sem qualquer intervenção estatal.

    Como questão interna corporis tem-se, por exemplo, a formatação jurídica de tais entidades. Na redação original da Lei Pelé (Lei n. 9.615/1998, art. 27), entidades de prática desportiva envolvidas em competições profissionais disputadas por atletas profissionais eram obrigadas a se transformarem em empresas.

    Assim estabelecia o dispositivo legal revogado:

    Lei Pelé, Art. 27 (versão de 1998). As atividades relacionadas a competições de atletas profissionais são privativas de:

    I - sociedades civis de fins econômicos;

    II - sociedades comerciais admitidas na legislação em vigor;

    III - entidades de prática desportiva que constituírem sociedade comercial para administração das...

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