Povos indígenas

AutorJosé Claudio Monteiro de Brito Filho
Ocupação do AutorDoutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Professor do Programa de Pós-Graduação e do Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário do Estado do Pará. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará. Titular da Cadeira n. 26 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho
Páginas98-112

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Segundo a Fundação Nacional do Índio Funai 252 não existem estima tivas precisas a respeito dos indígenas no momento da chegada dos europeus ao Brasil há mais de anos Imagina se algo em torno de a milhões de pessoas mais da metade na bacia amazônica

Da mesma forma estima se que eram faladas em torno de línguas diferentes

Cinco séculos depois período em que foram escravizados abandonados anulados em seus direitos e em suas identidades até chegar ao momento atual as populações indígenas foram sendo substancialmente reduzidas

Conforme o Censo do IBGE oitocentas e dezessete mil novecentos e sessenta e três pessoas declararam se indígenas algo em torno de da população brasileira253 sendo que trezentos e quinze

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mil cento e oitenta já morando nas áreas urbanas ou quase do total de indígenas254.

Ainda conforme a Funai são em torno de duzentos e vinte povos indígenas além de mais de setenta grupos de indígenas isolados a res peito dos quais não há mais informações São faladas pelo menos cento e oitenta línguas pelos membros dessas sociedades pertencentes a mais de trinta famílias linguísticas diferentes

Importante observar que não obstante mais de dos indígenas vive rem nas regiões Norte e Centro Oeste especialmente na Amazônia Legal há indígenas em todas as regiões brasileiras

Apresentado esse panorama genérico a respeito dos povos indígenas uma primeira constatação deve ser feita até óbvia mas que é contrariada todos os dias pela população em geral ajudada por uma difusão insu ciente de informações não há um só povo indígena há mais de duas centenas de povos com culturas distintas língua própria diversos entre si em variados aspectos um deles o grau de conhecimento não indígena necessário para o relacionamento com o restante de sociedade brasileira255.

Não se deve preconizar então soluções monolíticas e que não contenham exibilidade su ciente para se ajustar a diversas situações Essa discussão todavia será enfrentada mais adiante

Antes cabe fazer referência às disposições básicas da Constituição da República a respeito dos povos indígenas que são os arts e 256.

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Esses dois artigos embora aparentemente a questão das terras domine a discussão257 reconhecem aos indígenas o direito à sua própria organização social costumes línguas crenças e tradições

Isso não obstante não lhes conceda soberania outorga lhes autonomia su ciente para determinar no interior de cada povo o seu modo de viver

Permite lhes também usufruir dos recursos existentes nas terras em que vivem e quando exploradas nas condições previstas na própria disposição constitucional o direito de serem indenizados ou de participar dos resultados de qualquer exploração

Não é tão simples Há basicamente dois problemas e que se interligam que impedem que essa ainda que não absoluta autonomia gere frutos que permitam às comunidades viver com mais liberdade usufruindo de fato do que lhes foi garantido

O primeiro é que a maneira ainda paternalista com que a União Federal lida com os povos indígenas representa amarra para uma atuação livre

O segundo que mais interessa para a discussão aqui travada decorre do restrito acesso que os integrantes dos povos indígenas têm aos conhecimentos que lhes permitam preservar sua cultura e seu modo de viver

E isso não signi ca apenas deixar que mantenham suas práticas tradicio nais pois como toda sociedade os povos indígenas também estão sempre em evolução No seu especí co caso até para que possam criar estruturas a m de coexistir com a sociedade não indígena

Os povos indígenas mais do que quaisquer outros grupos são ainda carentes de poder especialmente político que os permita reivindicar com mais vigor os seus direitos e a preservação de sua cultura de suas normas e de seu modo de viver

Como a rma Lia Raquel Ventura Baptista a respeito dos povos indígenas

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Eles querem ser respeitados como coletividades especí cas através da preservação de seus costumes crenças e tradições Desejam ter qualidade de vida e buscam ter seu espaço territorial e político ga rantido Alguns aspectos são essenciais para sua sobrevivência terra educação saúde e autodeterminação 258

Para isso precisam integrar se ainda que parcialmente à sociedade não indígena sem que isso signi que necessariamente o abandono de seu modo de vida Assim precisam e querem formação superior capaz de garantir o sucesso de suas demandas

Como diz novamente e aqui adiantando um pouco a discussão que será travada adiante Lia Raquel Ventura Baptista

Analisando os anseios dos povos indígenas veri ca se que todos convergem para a capacitação desses povos A educação surge como necessidade e deve ser prestada pelo governo no sentido de cumprir seu papel através de políticas públicas Nesse ponto está o debate acerca da aplicação das ações a rmativas Enquanto políticas que desigualam para igualar é possível perceber a importância dessas medidas no acesso à educação de nível superior Veri ca se que este tipo de política cumpre efetivamente as garantias constitucionais previstas aos povos indígenas 259

A questão é que até para isso ou seja para participar de programas de ação a rmativa é preciso uma educação mínima nos níveis inferiores Nesse ponto o que deveria ser parte da solução para a preservação do modo de viver dos povos indígenas que é a existência de uma educação indígena garantida por exemplo pelo art da Constituição da República acaba como será visto gerando di culdades e impondo que seja criada fórmula capaz de superar esse obstáculo

Como todavia não é intenção deste livro discutir com profundidade a educação indígena nos níveis fundamental e médio ca apenas a observação embora eu volte a essa questão mesmo que rapidamente mais adiante

Ainda na questão do ensino mas agora falando especi camente do ensino público superior as instituições de ensino federais estaduais e municipais têm nos últimos anos adotado programas de ação a rmativa260.

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Conforme quadro elaborado em pela Universidade Federal de Ouro Preto UFOP Pró Reitoria de Graduação eram as universidades e instituições públicas que adotavam programas nesse sentido sendo estaduais federais261 e municipais

Desse universo programas tinham sistema de ingresso diferencia do para alunos egressos de escola pública ou de nido como carentes para negros pretos e pardos segundo classi cação adotada pelo IBGE para integrantes dos Povos Indígenas262 e para pessoas com de ciência

Desses programas instituíram cotas ou seja reserva de vagas para integrantes dos grupos atingidos pelo programa de ação a rmativa e pon tuação diferenciada na forma de acréscimo de pontos pelo que o fato de o candidato enquadrar se na situação bene ciária do programa implicava que pontos a mais seriam a ele atribuídos

Importante observar que na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte os dois sistemas estavam juntos havendo reserva de vagas e sistema de pontuação diferenciado que levava em consideração o desempenho em disciplinas do nível médio que tivessem a nidade com o curso para o qual o aluno estava concorrendo263 No caso especí co das instituições de ensino superior do Paraná estaduais ou federal embora existisse reserva de vagas elas eram previstas em edital diferenciado já mencionado em nota e com regras próprias o que será mais adiante retomado por constituir experiência que vale a pena discutir

Voltando os olhos agora somente para os programas estabelecidos em prol dos integrantes dos povos indígenas pode se de início fazer duas a rmações

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Primeiro embora não fossem em mesmo número que os estabelecidos em prol de alunos de baixa renda ou em prol de negros eram em quantidade razoável caso se leve em consideração o ainda baixo poder político desses povos e que só se tem demonstrado em questões pontuais

Ainda dentro dessa primeira questão o percentual de vagas observando a proporção de indígenas no conjunto da população também não era desprezível264 estando acima do que seria em termos proporcionais de nido

A análise todavia não pode ser feita sem levar em consideração outros fatores De início o fato de que o número de indígenas com curso superior concluído estava bem abaixo do que esse grupo representava em termos populacionais

É o que se veri ca da informação que constava no site do IBGE e relativa aos dados do censo Os indígenas àquele momento constituíam do total de pessoas com curso superior concluído265 não obstante correspon dessem a da população

Ainda é preciso dessa feita estimular a formação superior dos integran tes dos povos indígenas criando condições para que eles possam aumentar sua participação no grupo de pessoas com formação superior completa mais que triplicando sua participação nas instituições de ensino superior Sob esse prisma o percentual de vagas para além do que os indígenas representam em termos numéricos no conjunto da população pode ser visto somente como forma de encontrar a igualdade mais rapidamente266.

Além disso vagas oferecidas não querem dizer vagas ocupadas como será visto mais adiante bem como não são todas as instituições públicas de ensino que oferecem vagas mas apenas uma parte delas e isso continuará acredito sendo uma realidade para as instituições estaduais e municipais pois a Lei n discutida mais adiante só obriga instituições federais

De qualquer sorte o percentual maior ou menor não deve ser visto somente em análise que considere os números mas também deve ser investi gado a partir das condições que cada instituição oferece para a permanência

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dos alunos e de sua capacidade orçamentária de sustentar essas condições o que também será visto adiante

A segunda a rmação a fazer e a discutir que tem relação com as últimas a rmações que z diz respeito à qualidade dos programas oferecidos ou seja se a forma de ingresso e as condições de permanência são su cientes para permitir a conclusão pelos integrantes dos povos indígenas do curso superior

É que não basta adotar medidas de ação a rmativa como tantas têm sido adotadas no Brasil é...

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