O Movimento Pós-Positivista e a 'visão'Neoconstitucionalista da Ponderação: a valoração de princípios em Robert Alexy

AutorClaudio Carneiro - Marcos A. F. Lemos
CargoDoutorando em Direito pela UNESA/RJ - Advogado, atuante na área constitucional tributária, graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
Páginas105-124

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Introdução

Com a superação histórica do jusnaturalismo e o enfraquecimento do movimento positivista, o Direito, como ciência humana, sedento por uma dinâmica mais condizente com os tempos atuais, viu-se forçado a vivenciar a aplicação de novos métodos de interpretação da norma jurídica de tal forma que se pudesse experimentar uma prática mais efetiva e renovada de Justiça (BARROSO, 2004, p.348).

Esta preocupação com uma experiência renovada de Justiça, dentro de moldes mais contemporâneos do chamado Estado Democrático de Direito, tem o primado de estabelecer o equilíbrio entre segurança jurídica e justiça, sob as vestes de uma nova hermenêutica constitucional, focada na teoria dos direitos fundamentais, onde a preocupação com a definição das relações entre valores, princípios e regras é levada ao extremo com o fulcro de se edificar o próprio fundamento da dignidade humana.

Nesse ambiente de reaproximação entre Direito e valorização dos ideais de justiça, há inegável valorização dos princípios, sua incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade em todos os seus aspectos (BARCELLOS, 2003, p. 10).

Inquestionável é o fato de que nessa busca por este tão sonhado equilíbrio entre segurança jurídica e justiça, deve-se sempre levar-se em consideração a aplicação das máximas da proporcionalidade, bem como da razoabilidade, representadas por um princípio instrumental de interpretação constitucional.

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Através da aplicação de tais máximas, objetiva-se a construção de uma premissa conceitual metodológica própria de cânones não expressos no texto constitucional -que antecedendo o próprio processo intelectual do interprete na solução concreta de um dado problema em exame, serve como um instrumento hermenêutico para a aplicação da ponderação de bens em conflito, protegendo assim a essência da lógica constitucional vigente.

Acomplexa engrenagem jurídica guarda em sua própria estrutura ambiguidades e imperfeições, fruto de redações defeituosas, omissões e contradições entre os diplomas vigentes. Por esse motivo, a atividade jurisdicional não mais se limita a um mero exercício de extração de conclusões a partir de premissas intocáveis estabelecidas por um contexto social pluralista, sendo possível que inúmeras soluções se apresentem como razoáveis para um mesmo caso, enquanto coerente e filosoficamente fundamentadas. Tal fenômeno é recorrente em todos os domínios do Direito, sendo certo que quanto mais aberta a estrutura normativa de dado ramo jurídico, maior será o espaço para o confronto de teses igualmente razoáveis.

Esses confrontos são forjados no cerne da própria estrutura do Estado Democrático de Direito e dão relevo à compreensão mais aprofundada da aplicação dos direitos fundamentais.

Este artigo pretende se ocupar da questão da existência de uma única resposta concreta para todo problema jurídico, abrindo margem para que se avalie o método da ponderação e sua tendência em admitir soluções plurais para conflitos entre princípios constitucionais.

Vale a pena frisar que, no decorrer deste estudo, o juízo de ponderação é equiparado ao procedimento de tomada de decisão empregado pelo juiz quando lida com tensões entre valores ou interesses constitucionais que se chocam, deixando claro que ao preferir um dado valor em detrimento de outro, o juiz, de fato, realiza uma ponderação, mesmo que implicitamente ignore os requisitos formais que o procedimento exige.

I Da função jurisdicional da ponderação: os conflitos normativos e a hierarquização de princípios

Não se pode aceitar que a Ciência do Direito, em toda a sua magnitude, quando do estabelecimento de padrões normativos comportamentais para realização do trabalho hermenêutico, se limite a ter como função precípua a mera descrição de significados.

Ao contrário, espera-se que atue como responsável pela reconstrução sistemática de significados, não se limitando a mera atividade de subsunção entre conceitos ou entendimentos conceituais previamente estabelecidos.

No bojo desta tendência, não resta dúvidas que a ponderação (PULIDO, 2003, p. 225) se converteu em um critério indispensável para o exercício da função jurisdicional, especialmente nos Tribunais Constitucionais, que se encarregam da aplicação de normas que, como os direitos fundamentais, têm estruturas de princípios, sendo seu estudo de sumária importância para se alcançar os preceitos emanados do hodierno Estado Democrático de Direito.

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O balanço de valores, bem como de interesses é consectário lógico no exercício de se dar solução a casos complexos e difíceis, chamados de "hard cases" nos quais não se vislumbra a possibilidade de se encontrar a solução justa por mera subsunção.

Ponderar "valores" e bens é tido como atividade pertinente a todo processo de tomada de decisão, que envolve necessariamente uma calibragem de fatores que se indispõem entre si, exigindo que seja atribuído peso a importância de cada qual para se encontrar a solução de um dado problema.

Neste contexto, o processo de tomada de decisão, propriamente dito, estaria atrelado a idéia de hierarquização de princípios, justificando assim, a importância do juízo de ponderação, que racionalmente aplicado, facilitaria a aplicação dos ideais democráticos de participação ampla nos processos públicos deliberativos, prestigiando principalmente as preocupações voltadas a igualdade social.

Considerando a estrutura plural da sociedade moderna, valores colidentes podem ser relevantes em um mesmo contexto, podendo propiciar a criação de soluções aparentemente inconciliáveis.

Por derradeiro, negar a importância da ponderação é o mesmo que ignorar a existência evidente deste pluralismo e, em última análise, seria uma tentativa inócua de esconder os conflitos reais da vida social.

Sob outro enfoque, ao assumí-la como método de solução de conflitos, contribuiria sobremaneira o intérprete constitucional para a queda do véu que paira sobre os conflitos axiológicos, firmando a necessidade de enfrentá-los com racionalidade e principalmente, imparcialidade.

2. Da superação da teoria positivista e sua relação com a ponderação

Um dos principais desdobramentos práticos da ponderação é a pré-disposição a abertura de múltiplos pontos de vista, levando-se em consideração a imperial necessidade de se consumir todos os argumentos de todos os interessados envolvidos para que seja conferida validade ao próprio exercício de ponderação.

Ao explorar todas as nuances dos argumentos (ou interesses) envolvidos, no caso concreto, o juízo de ponderação, inquestionavelmente, abriria maior possibilidade de justiça para os litigantes, assegurando um ajuste mais célere do ordenamento jurídico aos anseios sociais.

Em apertada síntese, o juízo de ponderação poderia ser traduzido como o reflexo da própria complexidade inerente ao Direito, se firmando como um processo de decisão na qual estaria garantida a imparcialidade do juiz, visto que disciplinaria a decisão ao expô-la de maneira mais ampla a argumentos baseados, principalmente, em igualdade social.

Neste ponto, segundo Dworkin, o juiz estaria se afastando da penumbra positivista da discricionariedade, existindo assim uma única resposta correta para cada desafio jurídico (DWORKIN, 1978, p.81), chocando-se frontalmente a teoria positivista, ao militar pela separação entre regras e princípios. O autor assume que o Direito é muito mais amplo que as regras legisladas, sendo também composto de princípios, defendendo que um dado sistema de princípios seria capaz de gerar não soluções diversas igualmente válidas, mas sim, uma única resposta correta, desautorizando consequentemente, a teoria positivista da discricionariedade forte.

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Todavia, este conceito da única resposta correta é ambíguo, sendo ainda muito nebulosa e pouco clara sua definição, comportando algumas visões, que de certa forma, demonstram a grandiosa tarefa de implementá-la de maneira prática (AARNIO, 1990,p.24).

A primeira visão, ou corrente, dita como forte, representada pelas doutrinas extremas do Direito natural racionalista e da jurisprudência dos conceitos, aduz que para cada caso concreto existe uma única resposta correta, que pode ser detectada. A resposta se encontra "oculta" em algum lugar dentro do ordenamento jurídico e a habilidade do juiz consiste em tornar explícito o que se encontra implícito.

Outra corrente, conhecida como versão fraca, também aceita a idéia de que existe uma resposta correta, mas hesita quanto ao objetivo das possibilidades de descobri-la, defendendo que tal resposta não pode ser sempre detectada, quiçá nunca.

A interpretação deste conceito tem sido representada por alguns doutrinadores positivistas, tendo como fundamento um princípio meramente ideológico de que por existirem lacunas no sistema jurídico, cada juiz ou hermeneuta deve ter como guia certa meta, in casu, a resposta correta.

Como pode ser notado, existem muitos problemas relacionados com esta teoria -principalmente do ponto de vista filosófico, já que nunca se poderá dizer com extrema certeza se a única resposta concreta está disponível ou não.

Outra corrente, de postura crítica, intenta argumentar em favor de uma resposta negativa, firmando que não podem haver respostas corretas no raciocínio jurídico (tese ontológica), dizendo que tais respostas podem tão pouco ser detectadas (teses epistemológicas e metodológicas)...

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