A posição do Supremo Tribunal Federal - Decisão Vinculante na ADI 4277 - Ação Direta de Inconstitucionalidade

AutorDjalma Pizarro
Ocupação do AutorTabelião do 2º Ofício de Notas de Uberlândia
Páginas73-85

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Ver nota 112

A elaboração da presente dissertação, em seu início, foi colhida pela histórica decisão do Supremo Tribunal Federal, em 05.05.2011, (acerca da aprovação da união estável homoafetiva) motivo pelo qual seus fundamentos serão ora trazidos à baila, para a sua devida análise, ao menos em relação aos aspectos tangenciadores desta pesquisa.

A justificativa para a inserção deste capítulo em localização topográfica pretérita ao tópico que trata da evolução das decisões pretorianas acerca da união estável homoafetiva, tem sua explicação fincada no fato de que a novidade e a autoridade da decisão do Supremo já, praticamente, encampam todas as correntes que se firmaram ao longo dos anos precedentes, acerca de tormentoso e apaixonante tema jurídico-social.

Na verdade, a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF 132, de iniciativa do Governo do Estado do Rio de Janeiro113e também na ADPF 178, de iniciativa da Procuradoria Geral da República114, consolidou um longo caminho inserido na jurisprudência, resolvendo-se a favor da tese do reconhecimento da união estável homoafetiva.

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As duas entidades fundamentaram ações semelhantes, constando que os parceiros homoafetivos desenvolviam relações nos mesmos moldes dos casais heteroafetivos, merecendo, por conseguinte, igualdade de tratamento, malgrado a expressa disposição constitucional em sentido contrário (art. 226 da Carta Política do Brasil).

Os procuradores nas duas ações afirmaram que os homens e mulheres homossexuais devem ser tratados com igualdade, com respeito e que devem usufruir das mesmas benesses, direitos e deveres de um casal heterossexual.

As duas ações alvitradas encararam o caso dos homoafetivos como uma violação dos princípios da igualdade e dignidades inerentes a todo ser humano.

Os procuradores sustentaram inexistir diferença qualitativa entre os relacionamentos homo e hetero, pois baseiam-se nas mesmas premissas. Não se trata apenas de união de sexo, mas união de afetividades.

A ausência de proteção constitucional aos homoafetivos significava uma odiosa discriminação contra eles, circunstância que não se coaduna com o princípio da dignidade humana, inscrita no início da Carta Constitucional Brasileira de 1988.115O texto constitucional veda o tratamento arbitrário e, segundo os fundamentos das duas ações propostas, existe agressão ao princípio da igualdade formal.

A desequiparação operada pelo texto constitucional, em sua primeira leitura, não alberga nenhum interesse estatal específico e legítimo, em flagrante contradição com o próprio texto constitucional, na parte em que abole qualquer discriminação baseada em critério arbitrários, e a desequiparação de tratamento entre casais homo e

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hetero foi uma dessas infelizes nuances do texto político de 1988. A discriminação por orientação sexual é uma forma de preconceito baseada no sexo do companheiro.116As duas ações também apelaram para o fato de que a discriminação ofenderia o princípio da liberdade, cujo vetor garante a qualquer pessoa escolher o sexo do parceiro íntimo, que também requer proteção do direito à privacidade. A negação da escolha do parceiro íntimo fere o mais comezinho princípio da liberdade do homem, afetando traços fundamentais da personalidade humana.

A exclusão dos casais homossexuais à proteção jurídica atende apenas a algum interesse localizado de grupos defensores de uma pretensa ordem moral, que intenciona impingir aos demais a sua "verdade moral".117

A decorrência desse atrelamento tem por objetivo caracterizar e manter a família patriarcal, denotando um nítido privilégio masculino. Essa noção de família não mais atende às aspirações do homem moderno, cuja noção primeva fundamenta-se na união de afetividades, com espaço de suporte mútuo e afeto.118

Os procuradores também assinalaram que a desequiparação operada pelo texto constitucional afronta o princípio da dignidade humana.

Essa ofensa ocasiona prejuízos em diferentes níveis: seja pela impossibilidade de acesso aos direitos necessários para a construção de uma vida em comum, ou pelo estigma social que uma união homoafetiva acarreta no seio da sociedade.

A negação da proteção e reconhecimento do poder estatal às uniões homoafetivas geram consequências funestas na proteção dos direitos previdenciários, causando prejuízos financeiros e toda sorte de injustiças.

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O princípio da dignidade da pessoa humana, segundo os procuradores, está umbilicalmente ligado a traços da personalidade humana. O não reconhecimento dos mesmos leva ao desconforto e à depreciação do ser humano.119Adilson Moreira, em seu vigoroso trabalho120sobre o tema "união homoafetiva", asseverou que "A decisão do Supremo Tribunal Federal que equiparou as uniões homossexuais às uniões heterossexuais pode ser vista como uma das mais importantes da história da jurisprudência brasileira sobre a igualdade."

O voto do Ministro Relator Carlos Ayres de Britto121fundamentou-se em algumas vertentes principiológicas constitucionais: isonomia, igualdade, dignidade da pessoa humana; reconhecimento do entendimento de família como união de afeto e companheirismo, sendo que o tratamento desigual aplicado aos homoafetivos constitui uma discriminação sexual; caso a parceria fosse entre sexos opostos, não haveria tal discriminação, o que estabelece, ao ver do Ministro Relator, uma discrepância no norte constitucional crivado pelo princípio igualitário entre os parceiros.

O Ministro Relator ainda citou a norma constitucional que proíbe a discriminação baseada no sexo das pessoas.122

A decisão ainda fincou-se no princípio da igualdade formal, no que ele mencionou de constitucionalismo fraternal. Iniciativas governamentais deveriam promover a eliminação do estigma da diferença de tratamento, permitindo a inclusão social dos casais homoafetivos, sobejando a ideia de que o pluralismo político deve prevalecer, e o Estado deve dar suporte e atenção os grupos sociais atingidos por tal preconceito.

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A integridade moral desses grupos deve ser reconhecida, e assim deve ser direcionada a interpretação constitucional.123

A noção de fraternidade constitucional, vinculada ao princípio da igualdade, pode ser apontada como um vetor de transformação.

Ainda nesse contexto, a noção de igualdade não está sendo tratada exclusivamente como igualdade proporcional, mas como igualdade absoluta e de matiz juridicizante, com todas as garantias, benesses, direitos e deveres que o reconhecimento de uma união estável homoafetiva carreia para seus protagonistas.

Prossegue o voto condutor patenteando que tal reconhecimento tem um velamento com a visão da liberdade humana, fazendo com que o direito de escolha do sexo do companheiro íntimo atinge a dimensão máxima da...

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