A política em cem anos de solidão: um ensaio sobre a democracia da América Latina no século XX

AutorMorton Luiz Faria de Medeiros
CargoProfessor (UFRN) Promotor de Justiça (RN) Mestre em Direito Constitucional (UFRN) e doutorando em Direitos Humanos (UFPB)
Páginas30-32

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Quando ainda se pranteia a morte do escritor colombiano Gabriel García Márquez, ocorrida há pouco menos de um ano, soa oportuno homenageá-lo a partir de sua obra mais viva e celebrada: Cem anos de solidão, que narra a saga da família Buendía e, em sua esteira, as vicissitudes políticas, econômicas e morais que marcam a América Latina no século XX. Tamanha é a grandeza dessa obra que se buscará, nessas linhas, fazer um recorte para salientar apenas uma de suas temáticas - a política - aproveitando o momento vivenciado no Brasil.

A obra-prima do Gabo é coalhada de referências às práticas políticas e eleitorais vivenciadas nos regimes políticos latino-americanos do século passado - muitos dos quais, aliás, ainda presenciados até hoje: o coronelismo e suas características secundárias - o mandonis-mo, o filhotismo, o falseamento do voto e outras ocorrências denunciadas por Victor Nunes Leal, antes mesmo do lançamento de Cem anos de solidão, em seu livro Coronelismo, enxada e voto, que servirá como arrimo subsidiário para as considerações aqui encetadas.

Primeiramente, há várias menções aos procedimentos preparatórios das eleições. O alistamento eleitoral, por exemplo, foi restrito ao homem maior de vinte e um anos (Márquez, 2001, p. 96), não apenas delimitando a idade em que se adquiria a capacidade eleitoral ativa, mas, sobretudo, excluindo as mulheres do corpo eleitoral, posição adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro até o advento do Código Eleitoral de 1932, que instituiu, em todo o país, a possibilidade de ser a mulher eleitora, mesmo sob as fortes resistências dos parlamentares da época, ciosos de "saber em que condições se deve arrojar a mulher no turbilhão dos comícios e na agitação dos parlamentos" (Cabral, 2004, p. 19)! Ainda assim, o Brasil foi o segundo país da América Latina a reconhecer o direito de voto às mulheres, saindo à frente de Argentina e Venezuela (1947) e México (1953) (Castro, 2008, p. 444).

A preocupação com a ordem no dia das eleições também está presente no livro: "Na véspera das eleições, o próprio Sr. Apolinar Moscote leu uma ordem que proibia, desde a meia-noite de sábado, e por quarenta e oito horas, a venda de bebidas alcoólicas e a reunião de mais de três pessoas que não fossem da mesma família" (Márquez, 2001, p. 96). Assegura-se, assim, a chamada "lei seca", que visa a "preservar a lisura e a legitimidade das eleições, no tocante à garantia da ordem pública, num período em que afloram disputas pelos cargos de maior relevância ao destino dos governados" (Cerqueira, 2002, p.

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671), bem assim restrições ao direito de...

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