Crédito, planos e planejamento em Santa Catarina

AutorAlcides Goularti Filho
CargoProfessor da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), Criciúma, Brasil. Doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pesquisador de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
Páginas119-154
Política & Sociedade - Vol. 11 - Nº 22 - Novembro de 2012
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Crédito, planos e planejamento
em Santa Catarina
Alcides Goularti Filho1
Resumo
Este artigo tem como objetivo analisar a trajetória do crédito em Santa Cat arina, plasmado nos
recursos liberados pelos bancos de fomento e pelos programas de incentivos f‌iscais, ao longo
dos planos e do planejamento estadual entre 1962 e 2010. Para visualizarmos a abrangência dos
impactos dos recursos liberados na economia catarinense, será analisada a relação entre crédito,
Produto Interno Bruto (PIB) estadual e despesas orçamentárias realizadas. O texto está dividido
em cinco tópicos. Inicialmente, ser á apresentada uma introdução, discutindo a concepção do
crédito em autores clássicos do pensamento econômico, e a relação entre Estado e economia no
Brasil. Em seguida, será descrita a evolução dos planos e do planejamento em Santa Catarina,
apresentando, apenas, sua estrutura e as iniciativas governamentais para a implementação do cré-
dito. Num terceiro momento, contextualizaremos a criação dos bancos de fomento e dos progra-
mas de incentivos, relacionando suas trajetórias com a execução dos planos. No quarto tópico,
será feita a análise entre o volume dos recursos liberados com o desempenho do PIB catarinense
e as despesas orçamentárias realizadas, relacionado-as com a dinâmica da economia brasileira.
A conclusão traz uma breve periodização desta relação ontológica entre política e economia, ou
seja, crédito, planos e planejamento em Santa Catarina.
Palavras-chave: Crédito. Planejamento. Economia. Santa Catarina.
1. Introdução: Estado, crédito e acumulação capitalista
Nos estudos sobre o papel que o crédito desempenha nas economias
capitalistas, como alavanca para o crescimento econômico, merecem desta-
ques as contribuições de Karl Marx (1991), Joseph Alois Schumpeter (1998),
Rudolf Hilferndig (1965) e John Maynard Keynes (1984). Apesar de algu-
mas diferenças conceituais entre os autores, todos concordam que há uma
estreita relação entre crédito e crescimento econômico. Do ponto de vista da
1 Professor da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), Criciúma, Brasil. Doutor em Economia pela
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pesquisador de produtividade do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científ‌ico e Tecnológico (CNPq). E-mail: agf@unesc.net.
Crédito, planos e planejamento em Santa Catarina | Alcides Goularti Filho
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macroeconomia moderna, o impulso inicial, dado pelo crédito para a realiza-
ção de novos investimentos, é a negação da poupança com fundo de emprés-
timos para promover a expansão da renda.
Para Marx (1991), o crédito reduz o custo do dinheiro e acelera o pro-
cesso de reprodução, expandindo a escala de produção da empresa, que seria
impossível atingir por capitais isolados. Dentro das formas de valorização do
valor, o crédito é o mecanismo que possibilita o início da produção e impul-
siona a circulação de mercadorias, gerando mais capital.
Para Schumpeter (1988), a função dos bancos é criar crédito por inter-
médio da ampliação dos meios de pagamento em bases duciárias. O crédito
é a alavanca que proporciona ao empresário colocar, sob seu controle, os bens
de que necessita, orientando os fatores de produção para novos usos. O desen-
volvimento industrial e o processo de inovação tecnológica seriam impossíveis
de existir sem o crédito. O banqueiro é o indivíduo que torna possível as rea-
lizações de novas combinações, já o empresário é o capitão de indústria, que
realiza as novas combinações.
No seu estudo clássico sobre o capital nanceiro, Hilferding (1985) de-
senvolve o conceito de capitalismo organizado. Para ele, as formas de orga-
nização seriam a regulação, o planejamento e a coordenação, que colocariam
m à “anarquia da produção”. Os agentes responsáveis por essa organização
seriam o Estado, os oligopólios e os grandes bancos nacionais, que protegem
o mercado interno e integram a produção. O capital nanceiro é o capital em
forma de dinheiro, disponível nos bancos, que se transforma em capital indus-
trial, uniformizando o sistema produtivo e colocando a indústria e o comércio
sob a sua égide. Com o desenvolvimento das formas avançadas do capital, a
intervenção bancária passa a atuar nos processos de fusão empresarial, refor-
çando a concentração e a expansão do capital nanceiro. Portanto, para o
autor mencionado, o capital nanceiro, ou seja, o crédito é parte constitutiva
do capitalismo organizado.
Em Keynes (1984), o crédito está no início do circuito que envolve inves-
timento, renda e poupança, e a poupança se torna um resíduo da renda. Entre
os motivos que governam a preferência pela liquidez, além da transação, da
precaução e da especulação, a nance possibilita aos agentes tomarem decisões
de gastos futuros, para manter e assegurar a realização da demanda efetiva. Ele
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associa o motivo nance à expansão da oferta monetária, que dependerá da
disposição do sistema bancário em aprovar e dar sustentação ao crédito, e do
governo, em prover de liquidez o sistema.
Nos processos de industrialização das economias centrais, durante o
último quartel do século XIX e início do XX, podemos observar diferentes
modelos na constituição do sistema nacional de economia. Na Alemanha,
o processo foi o analisado por Hilferding (1985), em que o capital bancário
foi convertido em capital nanceiro, nanciando o oligopólio nacional. Esse
processo também se fez presente na industrialização do Japão, acrescido do -
nanciamento estatal, vinculado ao Ministério da Indústria (MITI). Ambos os
países zeram o processo forçado de centralização bancária, dotando os ban-
cos nacionais de capacidade para nanciamento de longo prazo. Na França, o
Estado entrou como sócio maior na liberação de recursos para a indústria na-
cional. Já nos Estados Unidos e na Inglaterra, o mecanismo de nanciamento
foi via mercado de capitais, amparado pelos bancos privados de nanciamento
(LANDES, 1994; OLIVEIRA, 2003).
Nas economias de industrialização tardia, dada a falta de acumulação -
nanceira vertical e o atroamento da rede bancária, o Estado viu-se na obri-
gação de assumir a função de nanciador do crescimento econômico. Seria
contraproducente esperar a formação de poupança doméstica, para criar
um fundo de empréstimo e nanciar a industrialização (CARDOSO DE
MELLO, 1988). Podemos observar características desse modelo nos proces-
sos de industrialização no Brasil, por meio do Banco Nacional de Desenvolvi-
mento Econômico e Social (BNDES), no México, pelo Banco de Desarrollo
Nacional Financiera (NAFINSA) e, na Argentina, pelo Banco Nacional de
Desarrollo. Essa junção entre o Estado, por meio de bancos de fomento apoia-
do em recursos do Tesouro e em recursos externos, e o capital industrial, forma
o padrão de nanciamento que no Brasil foi capitaneado pelo BNDES. Nas
unidades federativas, esse padrão foi replicado por meio da criação de bancos
estaduais de desenvolvimento que utilizavam recursos próprios e do BNDES.
No Brasil, esse modelo de nanciamento foi amplamente estudado por
diversos autores, tanto de orientação crítica, como conservadora. No bojo
do Plano de Metas (1956-1961) e do I e II Plano Nacional de Desenvolvi-
mento (1971-1978), tivemos a atuação determinante do BNDES. (LESSA,
1982; TAVARES, 1998). Vinculado ao BNDES, foi criada, em vários estados

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