Pessoas jurídicas no Código Civil de 2002. Elenco, remissão histórica, disposições gerais

AutorPaulo Salvador Frontini
Páginas93-118

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I - Pessoas jurídicas no Código Civil de 2002

Este estudo versa sobre as pessoas jurídicas, conforme o regramento instituído pelo Código Civil de 2002.2

Mais especificamente, cinge-se, o estudo, às disposições gerais sobre pessoas jurídicas (Parte Geral, Livro I, Título II, Capítulo I, arts. 40 a 52).

Nesse tema - pessoas jurídicas - o Código Civil de 2002 trouxe várias e consideráveis inovações.

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O novo Código cuidou desde logo de classificá-las, dizendo que "(...) são de direito público, interno ou externo, e de direito privado".

É o que consta do art. 40.

Até aí nada de novo: esse texto repete literalmente o do Código Civil de 1916 (art. 13), ressalvada irrelevante diferença quanto à aposição de vírgulas.3

I 1 O conceito de pessoa jurídica

O atual Código Civil não enuncia o conceito de pessoa jurídica.

Também nesse passo acompanhou a codificação de Beviláqua.

Mas, vem a talho o magistério de Caio Mário, com o entendimento de que se trata ou de um conjunto de pessoas, ou de um patrimônio destinado a um fim, "com aptidão para adquirir e exercer direitos e contrair obrigações".4

Essa formulação encontra oportuna síntese nas palavras de Washington de Barros Monteiro, ao observar: "No âmbito do direito, portanto, as pessoas jurídicas são dotadas do mesmo subjetivismo outorgado às pessoas físicas".5

E por força de ponderações desse jaez que vale colacionar, em suma, o conceito dado por Silvio Rodrigues: "pessoas jurídicas, portanto, são entidades a que a lei empresta personalidade, isto é, são seres que atuam na vida jurídica com personalidade diversa da dos indivíduos que os compõem, capazes de serem sujeitos de direitos e obrigações na ordem civil".6

Assim, perante o Código Civil de 1916, a noção de pessoa jurídica ficou con-' figurada nos termos do conceito acima exposto.

O Código Civil de 2002 manteve para a pessoa jurídica esses contornos. Esta última afirmativa, contudo, é válida em termos.

I 2 Decorrências do reconhecimento da existência de pessoas jurídicas pelo Código Civil de 1916

Firmaram-se, a partir do conceito matriz, condensado pelo Código Civil de 1916, alguns corolários, daí emanados.

O primeiro deles fez-se evidente na verdade proclamada, incontroversamente, a partir de então, de que a pessoa jurídica não se confunde com seus membros.

Súditos e cidadãos, com efeito - e aqui falamos do direito público - não se confundem com as pessoas políticas em que, a Nação se institucionaliza, nem com as pessoas jurídicas de direito público, através das quais opera.

No direito privado, associações e sociedades são pessoas diversas das pessoas que figuram como associados ou sócios. O mesmo se diga das fundações, atendida a peculiaridade de que não têm sócios.

Outrossim, a pessoa jurídica, sendo um sujeito de direitos, tem nome próprio, registro público próprio, direitos e obrigações: próprias, vontade própria, manifestada por seus órgãos societários e patrimônio próprio. E, como a pessoa natural, extingue-se, pelos variados modos previstos na legislação.

A esse ponto conceituai e legislado se chegou, no Brasil, com o Código Civil de 1916.

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II - Recapitulação brevíssima da evolução do instituto da personalidade jurídica

Não foi sempre assim, entretanto.

A plena elaboração, no plano jurídico, da noção de personalidade jurídica, e do efeito imediato desta, que é o reconhecimento da existência de pessoas jurídicas, demorou-se pôr séculos e séculos.

II 1 Direito romano

No Direito Romano havia nítida distinção entre os institutos jurídicos de direito público e os de direito privado. Essa distinção estava presente, por igual, na qualificação do Estado e de certos corpos públicos, em face de coletividades privadas. Reconhecia-se àqueles, em função da autoridade estatal, capacidade jurídica própria (sodalitatis, municipii, societas publicano-rum, aerarium, p. ex.).

No plano do direito privado, forte a noção de pessoa natural, titular de direitos (sui júris), o mesmo não se dava com os entes coletivos. Universitatis, corporações e congêneres não alcançaram um conceito definido, restando assim situadas em território impreciso. Não se pode assim dizer que ficou elaborado um regime jurídico para as coletividades não públicas, necessariamente distinto do das pessoas naturais. Daí a conclusão de que não foi concluída, pelo Direito Romano, a elaboração do conceito de personalidade jurídica.789

II 2 O direito canónico

Do Direito Romano, a questão se transpôs para o Direito Canónico.10

Pois bem, teve o Direito Canónico de lidar com a inquestionável realidade jurídica das estruturas coletivas, vale dizer, su-pra-individuais que emanavam da Igreja.

Veio, por aí, um inequívoco acréscimo para a formulação da teoria da personalidade jurídica, naturalmente sob a ótica confessional inerente à concepção da Igreja como instituição de origem divina.

Serpa Lopes, com a precisão de sempre, sintetiza a respeito: "Considerando a Igreja um corpo místico, o Império de Deus como um organismo vivo, o problema da pessoa jurídica irrompeu-se, no seio daquelas doutrinas, como um cunho institucional".

E acrescenta: "Todos os institutos da Igreja foram reputados entes ideais fundados por uma vontade superior. Assim, qualquer ofício eclesiástico, dotado de um patrimônio, é tratado como uma entidade autônoma e a cada novos ofícios criados correspondem outras tantas entidades independentes".1112

Essa concepção até hoje prevalece.

O Código de Direito Canónico de 1917 - contemporâneo, como se vê, de nosso revogado Código Civil - oficializou o reconhecimento da existência de pessoas jurídicas no âmbito da Igreja Católica Apostólica Romana.

De fato, esse arcabouço institucional de Direito Canónico ficou dotado, finalmente, de contornos bastante claros, eis que passou a admitir expressamente, ao lado da Igreja, pessoa moral de natureza divina, pessoas jurídicas em face do direito posi-

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tivo canónico. Foi a solução normativa que, após cerca de dois mil anos da fundação dessa Igreja, foi dada à necessidade de conferir individualidade e autonomia jurídica às unidades corporativas e patrimoniais presentes na estrutura do catolicismo.

Vista na perspectiva dos mais de vinte séculos da Igreja Católica, foi, como se percebe, solução muito recente.13

O Código de Direito Canónico vigente, promulgado pelo Papa João Paulo II, aos 25 de janeiro de 1983, manteve essa disciplina.14

É interessante observar como no plano institucional da Igreja Católica a maturação da idéia de pessoa jurídica deu-se em tempo praticamente igual àquele em que isso se deu na vida leiga, no direito estatal positivo.1516

Toda essa questão conceituai e normativa afinal solidificou-se.

Perante o Direito Canónico, a Santa Sé é uma pessoa moral, dotada de personalidade de direito internacional. Esse mesmo status ela ostenta na ordem jurídica leiga, de direito internacional.171819

Valem essas breves remissões, para que se perceba como a evolução da idéia de pessoa jurídica se deu lentamente, e de modo paralelo, tanto no Direito Canónico, como no direito privado vigorante no Brasil.

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Tudo isso se transcorreu, ao mesmo tempo, em cenário de evidente indefinição conceituai e perceptível insegurança jurídica.

II 3 Pessoa jurídica no direito civil brasileiro, antes do Código de 1916

Ora, todas essas incertezas estiveram presentes na legislação brasileira precedente ao Código Civil de 1916.

"Não era pacífico o elenco das pessoas jurídicas", diz textualmente J. Lamartine Correa de Oliveira, "mesmo após a entrada em vigor do Código Comercial, em 1850".20

Boas indicações, nesse tema, são proporcionadas pelo intenso labor científico de Teixeira de Freitas.

II. 3.1 Consolidação das leis civis

Na Consolidação das Leis Civis, são referidas as pessoas collectivas, conforme consta do art. 40.

E textual: "São pessoas collectivas as Cidades, Villas, Concelhos, Confrarias, Cabidos, Prior, e Convento, marido e molher, irmãos em uma herança; e outras semelhantes, que se considerão como um pessoa".21

A Consolidação, como se sabe, correspondia ao direito positivo em vigor, à época, qual seja, as Ordenações Filipinas e textos subseqüentes que as complementaram ou modificaram, sempre fragmentários e assistemáticos.

De seus esforços para elaborar um projeto de Código Civil, conforme autorizado pelo Decreto Imperial 2.318, de 22 de dezembro de 1858, que, como é sabido, não prosperou, elaborou o eminente jurisconsulto baiano a obra clássica Código Civil - Esboço.

Nesse trabalho, Teixeira de Freitas renova suas convicções no tema, prevendo a disciplina das pessoas de existência ideal (art. 272)...

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