Perspectivas da Tradição Romanística: passado e futuro do Direito Romano

AutorWalter Guandalini Junior
CargoUniversidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
Páginas163-187
Perspectivas da Tradição Romanística: passado e
futuro do Direito Romano1
Perspectives on the Roman Law Tradition: past and future of Roman Law
Walter Guandalini Jr.
Universidade Federal do Paraná, Curitiba – PR, Brasil
Resumo: o presente artigo pretende traçar um
panorama histórico da tradição romanística oci-
dental, avaliando os sentidos atribuídos ao direito
romano clássico nos diversos momentos em que
o saber jurídico lhe deu nova vida. Conclui com
um diagnóstico da crise pela qual passa a tradição
romanística no presente, apontando a retomada
histórica do direito romano como a saída possível.
Palavras-chave: Direito Romano. História do
Direito. Tradição Romanística.
Abstract: this paper outlines a historical over-
view of western romanistic tradition, evaluat-
ing the meanings attributed to Classical Roman
Law on the different periods in which legal
knowledge revitalized it. The article concludes
by diagnosing the crisis faced by romanistic
tradition nowadays, suggesting its historical re-
covery as the only way out of it.
Keywords: Roman Law. Legal History. Roman
Law Tradition.
1 Introdução
O direito criado pelos romanos, elaborado como aparato regulador
altamente especializado, foi o único modelo da Antiguidade a se afirmar
como tecnologia social com estatuto forte, isolando-se de qualquer outra
produção cultural ou centro institucional de disciplinamento social (reli-
1 Trata-se de versão ampliada de palestra proferida no IV Encuentro del Instituto
Latinoamericano de Historia del Derecho, ocorrido em Buenos Aires, nos dias 12 a 14 de
junho de 2013.
Doi: http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2015v36n70p163
Recebido em: 18/02/2015
Revisado em: 06/04/2015
Aprovado em: 11/04/2015
164 Seqüência (Florianópolis), n. 70, p. 163-187, jun. 2015
Perspectivas da Tradição Romanística: passado e futuro do Direito Romano
gião, moral, política) – como não foram capazes de fazer os gregos, he-
breus, chineses ou hindus. Esse isolamento formalista permitiu ao direito
obter uma identificação autônoma, clara e definitiva, que deixou a sua
marca na constituição da civilização ocidental.
Graças à herança do direito romano, a autonomia do fenômeno jurídi-
co constituiu uma peculiaridade histórica do Ocidente, que pelo menos des-
de o Corpus Iuris Civilis tem se empenhado em mensurar adequadamente
o peso e os efeitos deste seu legado. Com a redescoberta do Digesto pela
especulação acadêmica medieval, há quase mil anos, a reflexão sobre o es-
pólio romano contribuiu para moldar o pensamento jurídico europeu (e, por
extensão, americano), sempre obrigado a revisitar o seu ilustre patriarca.
Essa reflexão deu origem a uma sólida tradição de estudos sobre o direito
romano, que apenas no século XX começou a dar sinais de crise.
Essa crise é o indício de um exaurimento de função. A sólida liga for-
mada entre jusracionalismo e codificação no alvorecer da modernidade ju-
rídica retirou à tradição romanística a “utilidade” que sempre teve, ainda
que com conteúdo variável. A elaboração de uma ordem jurídica construída
em torno das figuras da propriedade e do contrato, positivada em textos le-
gislativos, enraizada com firmeza nos valores rígidos e universais de um
direito natural antropocêntrico, e a extrair sua força coativa diretamente da
soberania absoluta do Estado moderno, simplesmente tornou desnecessária
a retomada do direito romano como elemento de legitimação, validação ou
racionalização do direito vigente. O movimento codificador dá início a um
processo de desgaste paulatino do direito romano como objeto de estudo,
intimamente vinculado à perda de seu interesse prático como instrumento
de compreensão ou aplicação do direito vigente.
Já no início do século XX se percebem sinais de crise da tradição
romanística na Europa, que pouco a pouco exclui a disciplina da forma-
ção jurídica elementar. No Brasil ela se manifesta com vigor a partir de
1962, quando o Conselho Federal de Educação excluiu o direito romano
do rol de disciplinas obrigatórias no currículo mínimo das Faculdades de
Direito, agregando o seu conteúdo à cadeira de direito civil. As reformu-
lações posteriores do ensino jurídico brasileiro (nos anos de 1970, 1980,
1990 e 2000) não modificaram o panorama: seja quando se privilegia a

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