A desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilidade direta dos sócios da sociedade limitada

AutorRoberto Carlos de Oliveira
CargoDocente da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR) e do Centro de Ensino Superior de Maringá (CESUMAR), na cadeira de Direito Comercial. Mestrando em Direito das Relações Sociais - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sub-área Direito Comercial. Advogado em Maringá-PR. Endereço para correspondência: Av. Paris, 675. JD Piza. 86041-140 Londri
Páginas167-178

Page 167

Introdução

O princípio da autonomia patrimonial, apesar de ser importante instrumento de estímulo à atívidade económica, e de fundamental importância para o Direito Societário, vem sendo desprestigiado, principalmente em razão da sua utilização fraudulenta.

Dessa forma, faz-se necessário delimitar com segurança as situações em que o direito positivo autoriza a quebra do princípio da autonomia patrimonial.

No presente trabalho pretende-se pesquisar acerca do impacto que a limitação da responsabilidade dos sócios, bem como as exceções constantes da legislação vigente, sobretudo as concernentes à responsabilidade pessoal dos sócios pelos débitos junto à Seguridade Social (art. 13 da Lei n° 8.620/ 93) e dos sócios-gerentes pelos débitos fiscais (art. 135, Hl, CTN), porventura acarreta ao custo da atívidade empresarial, ocasionando, em última análise, aumento nos preços dos produtos e serviços, objeto da atívidade empresarial. Ou seja, perquirir se o princípio da autonomia patrimonial e a regra da limitação da responsabilidade representam normas que afetam o custo dos produtos ou serviços, sendo, por conseguinte, consideradas como elemento de custo da empresa.

Buscar-se-á, também, verificar as situações nas quais se autoriza, doutrinária ou legalmente, a desconsideração da personalidade jurídica com a finalidade de obter a responsabilização pessoal dos sócios pelas dívidas da sociedade.

Page 168

A personalidade Jurídica

Antes de adentrarmos no objeto específico de nosso trabalh, necessário se faz uma breve incursão sobre o tema da personalidade jurídica, pois os efeitos desta influem de maneira decisiva quanto a extensão e delimitação da responsabilidade dos sócios na sociedade limitada.

A pessoa jurídica, como criação do direito visando à composição de interesses da coletividade, é, no dizer de Fran Martins (1999, p. 148), "um ente incorpóreo que, como as pessoas físicas, pode ser sujeito de direitos", não significando tal que todos os sujeitos de direitos sejam personalizados, mas que as pessoas jurídicas, como entes personalizados, estão sujeitas aos seguintes efeitos: autonomia subjetiva, autonomia patrimonial e autonomia processual.1

A pessoa jurídica é, portanto, criação da lei, uma realidade do mundo jurídico, resultado de um ato de personificação que só a ordem jurídica pode praticar, correspondendo a um instrumento, uma técnica jurídica que visa a alcançar determinados fins práticos como a autonomia patrimonial e a limitação de responsabilidades.

No século passado pairava na doutrina grande controvérsia acerca da personificação da sociedade comercial (Ferreira, 1954, p. 283 et seq.), de qualquer forma o Código Civil Brasileiro promulgado em 1916, veio por fim a quaisquer resquícios de dúvidas que ainda restassem quanto à personalização das sociedades comerciais, incluindo-as, no artigo 16, n, como pessoas jurídicas de direito privado. O mesmo código se manifestou com precisão acerca da autonomia das pessoas jurídicas, ao dispor, no artigo 20, que: "as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros".

Dessa forma, o princípio se consolidou tornando-se assente que a pessoa jurídica é um centro de imputação diferente das pessoas que lhe deram origem, de modo que a estas não podem ser imputadas as condutas, direitos ou deveres daquela.

A crise da pessoa jurídica

Criada para atender a pressupostos de composição de interesses entre os indivíduos, possibilitando a criação de entes autónomos, sempre objetivando a condução lícita dos negócios sociais, a pessoa jurídica passou a ser utilizada, por mentes sempre dispostas a auferir vantagens indevidas, para a prática de atos que de certa forma desvirtuavam o instituto da pessoa jurídica.

Disso resultou que o instituto passou a perder força, chegando até a ser colocada em dúvida a pertinência de sua existência. Em decorrência o dogma da autonomia subjetiva da pessoa jurídica em relação aos seus membros foi paulatinamente sendo relativizado.

Atualmente, vários fatores, mas principalmente a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, têm contribuído, como teremos oportunidade de ver ao longo deste trabalho, com o aprimoramento da pessoa jurídica, no sentido de que ela é importante instrumento da atividade económica quando utilizada licitamente.

O Direito Custo

Tendo como ponto de partida a teoria, denominada de Análise Económica do Direito, desenvolvida pela Escola de Chicago, Fábio Ulhoa Coelho extrai importante contribuição para a Tecnologia Jurídica concernente ao fato de que algumas normas jurídicas afetam de forma efetiva os custos da atividade económica.2

Page 169

Dessa forma, normas de direito-custo são aquelas que interferem direta ou indiretamente no custo das atividades económicas, e, consequentemente nos preços dos produtos e serviços. Assim a regra da autonomia patrimonial, da qual se torna possível a existência da limitação da responsabilidade, é norma de direito-custo, pois exerce influência sobre os custos da atividade económica.

Qualquer pessoa que disponha de recursos disponíveis buscará opções de investimentos que possam proporcionar lucratividade ao seu capital. Dentre as várias opções existentes no mercado, exsurge a possibilidade de investir na atividade empresarial. Tal opção exige, entretanto, uma certa dose de riscos que poderá ser máximo ou mínimo. Atividades já consolidadas costumam oferecer menores riscos, por outro lado, o lançamento de novos produtos ou serviços podem importar em grandes riscos.

O custo da atividade empresarial será, em regra, mais elevado quando o risco também for grande, e tal custo tenderá a diminuir na medida em que o risco diminua. É extremamente relevante para o cálculo empresarial delimitar-se com precisão os elementos de custo da empresa, e, nesse contexto, o risco aparece como elemento de importância fundamental, pois que ele influenciará de forma decisiva nas perspectivas de rentabilidade da empresa.

Uma empresa com pequena perspectiva de rentabilidade não atrairá os investidores, ou terá preços elevados para fazer margem aos riscos assumidos, e por consequência será o consumidor em última análise quem pagará a conta.

Limitar a responsabilidade, dessa forma, é fator de extrema importância para a economia como um todo, pois socializa as perdas resultantes das atividades empresarias, tocando aos investidores a parcela referente ao capital investido, mais especificamente no caso da limitada, ao total do capital social subscrito, e aos credores o restante dos prejuízos.

A tecnologia jurídica tem papel importante nesse contexto, pois ao delimitar com precisão a responsabilidade do sócio, permitirá a esse calcular com precisão os riscos inerentes a sua atividade, e, consequentemente, o preço dos produtos e serviços será mais preciso. Um cálculo impreciso poderá importar na cobrança de preços elevados dos consumidores, tornando a empresa não competitiva no mercado, ou o estabelecimento de um preço aquém das necessidades dela, acarretando sua quebra, o que também não interessa a ninguém, pois em torno da empresa gravita uma série de interesses, não só dos empreendedores, mas também dos trabalhadores, do fisco, da coletividade etc.

A inexistência, por sua vez, de qualquer regra de limitação da responsabilidade, acarretaria um grau máximo de risco aos investidores, e poucos, ou ninguém, investiriam seus cabedais em atividades de maior risco, arriscando perder todo o património de sua família, talvez amealhado ao longo de várias gerações. Por outro lado, tais atividades seriam ocupadas por "investidores" sem qualquer capital, que teriam responsabilidade ilimitada, mas património algum para responder. Seria, então, solução insatisfatória, pois as perdas seriam também socializadas, mas de forma iníqua.

Resumindo, a regra da limitação da responsabilidade é norma de direito-custo, e, se não houvesse qualquer exceção que a rompesse, proporcionaria um custo mínimo relativo a um risco mínimo, ou seja, somente o capital investido (ou prometido). Por outro lado, como a regra comporta exceções, esse custo se eleva na medida em que a responsabilidade do sócio aumenta tornando o risco da atividade maior, e, como risco maior implica em necessidade de maior rentabilidade para fazer face a tais riscos, o custo final dos produtos e serviços tende a aumentar.

Page 170

É claro que a concorrência pode conter os preços de determinada sociedade empresária, mas num contexto global, em que todas as empresas são exercidas sob um mesmo regime legal, tal impacto ocorrerá inexoravelmente.

Exceções à Regra Geral da Irresponsabilidade dos Sócios pelas Obrigações Sociais

Como se viu, a sociedade limitada goza de autonomia patrimonial decorrente da personalização jurídica, assim, sócio e sociedade são sujeitos distintos, com direitos e deveres autónomos. Disso decorre que em regra, consoante o princípio consagrado no art. 20 do Código Civil Brasileiro, as dívidas da sociedade são de exclusiva responsabilidade dessa. Entretanto, entende a ordem jurídica que tal regra não pode ser absoluta, existindo situações em que se deva desprezar o princípio da autonomia patrimonial em atenção a interesses outros considerados pelo legislador como relevantes.

Quanto a esse aspecto, Fábio Ulhoa Coelho identifica importante contribuição da Análise Económica do direito, surgida a partir do trabalho do expoente da Escola de Chicago, Ronald Coase, em que se verifica que as normas jurídicas são úteis para baixar o custo de negociação entre as partes. Nesse sentido a regra da limitação da responsabilidade dos sócios consiste em uma negociação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT