A Penhorabilidade de Imóvel de Família de Elevado Valor e de Altos Salários

AutorSérgio Cruz Arenhart
Ocupação do AutorProfessor da UFPR e da UTP; Mestre e Doutor em Direito; Procurador da República; Ex-Juiz Federal.
Páginas575-588

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A Penhorabilidade de Imóvel de Família A Penhorabilidade de Imóvel de FamíliaA Penhorabilidade de Imóvel de Família A Penhorabilidade de Imóvel de FamíliaA Penhorabilidade de Imóvel de Família de Elevado Valor e de Altos Salários
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SUMÁRIO: 1 Questões Introdutórias. 2 A Experiência Estrangeira. 3 O Veto Presidencial. 4 A Insubsistência do Veto Presidencial. 5 O Veto e a Violação dos Direitos Fundamentais. 6 Conclusão. 7 Bibliografia.

1 Questões Introdutórias 1 Questões Introdutórias1 Questões Introdutórias 1 Questões Introdutórias1 Questões Introdutórias

A Lei nº 11.382/06 introduziu significativas alterações no processo de execução brasileiro, com o manifesto propósito de acelerar sua tramitação e torná-lo mais eficaz.

Inúmeros pontos que enaltecem a reforma e efetivamente se prestam a conferir agilidade e imperatividade à execução poderiam ser expostos. Porém, sobretudo duas modificações, singelas mas importantes, merecem ser sublinhadas. A primeira diz respeito à vedação do depósito dos bens penhorados em mãos do devedor – ressalvada a aceitação expressa do credor ou a dificuldade de remoção desses bens (art. 666 e seu § 1º, do CPC).1Essa determinação, que não pode passar incógnita, anula o benefício percebido pelo réu em procrastinar o resultado do processo de execução. Efetivamente, no regime anterior, porque o bem ficava, em regra, com o devedor até a sua alienação judicial, tinha o réu o maior interesse em que essa última fase do processo demorasse o mais possível, já que assim mantinha a confortável posição de não sofrer qualquer restrição. Com o novo regime, a demora na conclusão da execução também prejudica diretamente o interesse do executado, já que está, desde logo, privado dos

* Professor da UFPR e da UTP; Mestre e Doutor em Direito; Procurador da República; Ex-Juiz

Federal.

1 A respeito dessa questão, v. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. Vol. 3 (processo de execução). São Paulo: RT, 2007, p. 278/280.

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bens arrecadados para a satisfação do credor. É de se crer que essa alteração, especialmente quando somada a outras, terá efeito terapêutico na morosidade da execução, acelerando sua conclusão e estimulando o devedor a cumprir voluntariamente a condenação (a fim de evitar a privação de seus bens).

Outra modificação relevante é a alteração da ordem das formas de satisfação do credor.2Sabe-se que, no regime antigo, o mecanismo padrão de satisfação do credor era a alienação do bem penhorado em hasta pública. Em regra, efetuada a penhora, o credor era levado a aguardar o penoso e burocrático formalismo da alienação pública de bens, que freqüentemente era frustrado pela ausência de interessados na aquisição dos bens, especialmente em razão das estritas condições impostas para o pagamento do seu preço.3No regime novo, a preferência passa a ser pela adjudicação do bem. Esta alteração tem significação essencial, na medida em que, ao entregar o bem penhorado ao credor – para que dele use na melhor forma que encontrar para satisfazer seu crédito – o legislador desonera o Poder Público da incumbência de alienar o bem. Com isso, livra-se o Judiciário da cansativa atribuição de fixar critérios para a alienação da coisa, de centralizar o papel de promover efetivamente a venda do bem e de administrar o produto obtido com essa alienação. Todas essas funções passam, agora, para as mãos do credor. Assim, entregue o bem ao credor, cabe a este decidir o destino a ser dado à coisa; se quiser, pode ficar com o bem para si, por conta do crédito não pago; não tendo esta intenção, tocará ao credor promover, de forma privada e segundo seus exclusivos critérios, a alienação do bem.

Não há dúvida de que isso otimiza o serviço jurisdicional, reservandolhe o papel estritamente necessário na execução. Não há sentido em deixar nas mãos do juiz a atribuição de promover a alienação de bens ou a guarda de dinheiro depositado. Ao Estado caberá, assim, apenas decidir eventuais percalços na implementação do crédito exigido, não mais se preocupando com outras atividades.

2 Tb. sobre a questão, v. MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Curso..., vol. 3,
p. 311 e ss.

3 Recorde-se que o Código de Processo Civil exigia o pagamento do lanço vencedor à vista ou no prazo de três dias, com a condição de que o adquirente prestasse caução. Essas restrições, obviamente, inviabilizavam muitas vezes a aquisição de bens de elevado valor, já que era raro encontrar alguém que tivesse disponibilidade econômica para pagar lanços altos de imediato ou no exíguo prazo de três dias.

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Novamente, essa alteração importa na aceleração da execução. Considerando que, uma vez efetuada a penhora e a avaliação dos bens, é possível, desde logo, solicitar-se a adjudicação do produto arrecadado, o procedimento da execução simplifica-se e permite a rápida satisfação do interesse do credor. Por outro lado, ciente dessa rapidez, tem o devedor mais uma razão para cumprir espontaneamente a obrigação, evitando sujeitar-se ao procedimento executivo.

Tudo isso somado indica, de fato, a qualidade da reforma, que merece aplausos.

Entretanto, ao lado de vários pontos positivos, alguns incidentes havidos na aprovação da lei são menos dignos de encômios.

Um desses aspectos negativos é, precisamente, o veto presidencial aposto a duas regras existentes no anteprojeto, que autorizava a penhora de bens imóveis de alto valor e de parte de salários de elevada monta. Com efeito, a Lei nº 11.382/06, enquanto projeto, contemplava limitações em relação à impenhorabilidade absoluta, admitindo a penhora do imóvel (ainda que considerado bem de família) desde que de grande valor (superior a mil salários mínimos)4 e também de parcela de salário de alta monta (quarenta por cento do total recebido mensalmente, desde que superior a vinte salários mínimos).5Tais previsões respondiam às críticas freqüentes da doutrina, que acentuava a excessiva dada aos bens de família e às verbas alimentares. De fato, se esses bens merecem proteção especial, é certo também que o interesse do credor – que, por vezes, também está respaldado em valor de relevância6– exige adequada proteção. Ademais, a proteção de verbas de caráter alimentar ou do imóvel que serve de residência da família não pode servir como escudo para a desmesurada preservação de bens e direitos de forma manifestamente abusiva. Não há dúvida de que deve haver

4 Esta era a redação do art. 650, parágrafo único, na versão do projeto: “também pode ser penhorado o imóvel considerado bem de família, se de valor superior a 1000 (mil) salários mínimos, caso em que, apurado o valor em dinheiro, a quantia até aquele limite será entregue ao executado, sob cláusula de impenhorabilidade”.

5 Esta era a previsão contida no art. 649, § 3º, que foi vetada: “na hipótese do inciso IV do caput deste artigo, será considerado penhorável até 40% (quarenta por cento) do total recebido mensalmente acima de 20 (vinte) salários mínimos, calculados após efetuados os descontos de imposto de renda retido na fonte, contribuição previdenciária oficial e outros descontos compulsórios”.

6 Mesmo fora dos casos disciplinados pelo art. 3º, da Lei nº 8.009/90.

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diferença no tratamento da casa usada pela família para sua residência e da mansão, de vários metros quadrados, que também se destina a tal fim, embora exceda a dimensão necessária para o exercício do estrito direito de habitação. É inquestionável que a perda da residência familiar gera elevado risco de que a família fique desalojada, o mesmo não se podendo dizer da arrecadação do imóvel suntuoso, que pode bem ser substituído por outro, de menores proporções.

O mesmo se diga, e com maior razão, em relação aos salários. Se é certo que o salário é o elemento que assegura a manutenção das condições mínimas de vida do indivíduo, há de existir um limite para que a verba recebida seja considerada com essa natureza. Especialmente em um país como o Brasil, em que a desigualdade de salários é monstruosa, equiparar todos os tipos de remuneração (não importando seu valor) é, por óbvio, um disparate. Não se pode, evidentemente, tratar da mesma forma o salário mínimo e a remuneração de vários milhares de reais. Se, no primeiro caso, há evidente caráter alimentar em todo o rendimento, o mesmo dificilmente será possível dizer quanto ao segundo.

Existe, sem dúvida, um limite até o qual a remuneração deve ser protegida; extrapolado, porém, esse teto, não há razão para considerar o restante com caráter também alimentar. Afinal, não é...

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