Sistema de patentes e repartição de benefícios envolvendo a biotecnologia marinha

AutorMaria Edelvacy P. Marinho - Tarin Cristino Frota Montalverne
Ocupação do AutorAdvogada, Doutora em Direito pela Universidade Paris 1-Panthéon Sorbonne - Professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará.
Páginas273-296
SISTEMA DE PATENTES E REPARTIÇÃO DE BENEFÍCIOS ENVOLVENDO A
BIOTECNOLOGIA MARINHA
MARIA EDELVACY P. MARINHO1
TARIN CRISTINO FROTA MONTALVERNE2
1. Introdução
A proteção dos recursos genéticos marinhos é um desa o que está longe de ser
alcançado. A problemática é ainda maior quando tais recursos se encontram em
alto mar. Nas últimas décadas diversos produtos como medicamentos de combate
ao câncer, contra malária, antirretrovirais e cosméticos são desenvolvidos a partir
de recursos biológicos marinhos. Estima-se que houve um crescimento de 11%
entre os anos 2007 e 2008 no número de moléculas isoladas nesse segmento3.
O mar encontra-se no centro do comércio internacional, tanto por ser via de
comunicação que facilita as trocas econômicas internacionais quanto por abrigar
recursos exploráveis, que só aumentam em função do progresso tecnológico4.
A biodiversidade marinha representa um rico patrimônio para a constru-
ção de um mundo sustentável. O valor dos bens e serviços ecológicos marinhos
é estimado em US$ 21 trilhões anuais — 70 % superior aos sistemas terrestres5.
Diversas empresas do setor farmacêutico e agroquímico, por exemplo, dis-
põem de setores especí cos trabalhando nessa área. Apenas no tratamento do
herpes calcula-se que o setor de biotecnologia marinha movimentou cerca de
237 milhões de dólares no ano de 2006 6.
Ressalte-se que, durante muito tempo, a preocupação da comunidade in-
ternacional se concentrou prioritariamente na proteção dos ecossistemas terres-
1 Advogada, Doutora em Direito pela Universidade Paris 1-Panthéon Sorbonne, Professora do programa
de Mestrado e Doutorado do Centro Universitário de Brasília.
2 Professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. Doutorado em Direito Interna-
cional pela Universidade Sorbonne Paris Cité (Paris V) e Universidade de São Paulo (USP).
3 BRASIL. Ministério da Saúde. Organização Pan-Americana da Saúde. Ministério da Ciência e Tecnolo-
gia. Caracterização do Estado da Arte em Biotecnologia Marinha no Brasil. Brasília: Ministério da
Saúde, 2010, p. 14.
4 HECK, Mariana. A efetividade das Convenções da OMI em face da poluição marítima por óleo
causada por navios. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2012. (Tese de Doutorado - Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo), p.15.
5 SECRETARIADO DA CONVENÇÃO DE DIVERSIDADE BIOLÓGICA. Panorama da Biodiver-
sidade Global 3. Brasília: MMA/SBF, 2010, p. 32.
6 BRASIL. Ministério da Saúde. Op. cit., 2010, p. 99.
274 INSTRUMENTOS JURÍDICOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
tres, entre outras razões, porque os impactos sobre tais ecossistemas eram mais
perceptíveis. No entanto, a comunidade internacional tem constatado, através
de relatórios elaborados pelas instituições internacionais, que as zonas costeiras,
mares e oceanos de todo o mundo também sofrem gradativamente os efeitos
da expansão da ocupação e dos usos humanos, sem receber a devida proteção7.
Ademais, o alto valor alcançado pelos produtos gerados a partir de recursos
genéticos marinhos (RGM) não tem correspondência com a importância dada
a proteção destes nos espaços internacionais. Apesar de diferentes instrumentos
internacionais versarem sobre a atividade pesqueira, a preservação e proibição
de comercialização de espécies em extinção e poluição de áreas marítimas, ainda
há muito a ser feito em termos de regulação e “enforcement”.
A regulamentação sobre este assunto não é fácil, devido à diversidade de obs-
táculos identi cados em vários países e as diversas facetas do tema em questão8.
Quase vinte anos após a adoção da Convenção sobre Diversidade Biológi-
ca, e quando a comunidade internacional está se preparando ativamente para
a Conferência das Nações Unidas para o desenvolvimento sustentável — Rio
+ 20 — este é um momento importante para a inclusão dessa preocupação na
agenda internacional ambiental com o intuito de contribuir para a construção
de um compromisso global para a proteção da biodiversidade marinha.
O objetivo desse trabalho é analisar as atividades que envolvam a biopros-
pecção marinha, seu impacto na biodiversidade e as di culdades encontradas
na repartição de benefícios dos RGM. Para tanto, apresentaremos, primeira-
mente, como a questão da proteção dos RGM tem sido regulada pela Con-
venção sobre Diversidade Biológica (CDB) para, em seguida, analisarmos a
proteção dos recursos sob o ponto de vista da propriedade intelectual no Acor-
do relativo aos aspectos do direito da propriedade intelectual relacionado ao
comércio, conhecido por sua sigla inglesa TRIPS. Por  m, serão apresentados
alguns dispositivos da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar
(CNUDM) para compreender as diferentes facetas da proteção da biodiversi-
dade marinha.
Pretende-se, com o presente artigo, despertar os estudiosos e operado-
res do Direito para a relevância e urgência do tema, bem como fomentar
o debate em busca de soluções para garantir a proteção da biodiversidade
7 SECRETARIADO DA CONVENÇÃO DE DIVERSIDADE BIOLÓGICA (CDB). Panorama da
Biodiversidade Global 3. Brasília: MMA/SBF, 2010.
8 KATE K.; LAIRD S. e Commercial Use of Biodiversity - Access and Bene t-sharing of Genetic
Resources. London : Earthscan, 2000, p.83.

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