Partidos políticos brasileiros e desemprego

AutorLeonardo Secchi
Páginas454-477

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Introdução

O* problema1 do desemprego acompanha historicamente o desenvolvimento capitalista em todas as partes do mundo. No Brasil, o desemprego tem merecido atenção especial de economistas, sociólogos, políticos e governantes visto que este é um dos maiores problemas sociais atuais e co-responsável por tantos outros problemas como a criminalidade, déficits de produtividade nacional e a diminuição de qualidade de vida da população como um todo.

A partir da década de 80 o desemprego brasileiro agravou-se quando a recessão desencadeada pela crise do petróleo mostrou suas graves conseqüências, quando o setor produtivo deixou de absorver o excedente de mão-de-obra proveniente do êxodo rural e quando os processos de reestruturação produtiva e abertura econômica, mais intensos na década de 90, exigiram das empresas esforços em redução de custos, flexibilização produtiva, achatamento das estruturas hierárquicas, com conseqüências diretas sobre o nível de emprego (Ianni, 1994, Mattoso, 1994).

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Atualmente, as taxas de desemprego no Brasil calculadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) rondam os 7% (a média mensal de maio a outubro de 2002 foi de 7,44%), bastante superiores às taxas de desemprego consideradas normais ou fisiológicas2. O desemprego também é a doença social com impactos mais profundos na vida dos brasileiros. Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) em julho de 2002 mostra que o desemprego é o principal problema brasileiro segundo a opinião de 67% dos cidadãos entrevistados, muito à frente de problemas como a corrupção, a violência e as drogas (Alves, 2002).

Com este estado alarmante, a temática desemprego reveste-se de importância e atualidade ensejando debates nos vários segmentos da sociedade no sentido de tentar encontrar soluções para sua diminuição ou mesmo para encontrar alternativas para a abreviação de seus efeitos negativos.

Os partidos políticos têm um papel fundamental na apresentação, legislação, decisão e implementação de alternativas de combate ao desemprego. Os partidos políticos recebem propostas, representam interesses das diversas camadas sociais e têm a possibilidade de instituir, via ação legislativa, e colocar em marcha, via ação executiva, uma ampla variedade de projetos de geração de emprego e alternativas de diminuição do desemprego.

De acordo com os ensinamentos de Bobbio (1995), as opções, decisões e a defesa de interesses feitas pelos partidos políticos são altamente influenciadas pela suas matrizes ideológicas. Desta maneira, o entendimento sobre questões como o desemprego, suas causas, estratégias para combate-lo e estrutura estatal para colocar programas sociais em prática seriam elementos dependentes da orientação político-ideológica dos partidos políticos. Por outro lado, já existem respeitados estudos (Inglehart, 1991, Benedicto e Reinares, 1992) que apontam para uma tendência de turvamento nas distinções ideológicas entre as agremiações partidárias, principalmente nos Estados Unidos e em alguns países da Europa Ocidental.

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Resta saber se o caso brasileiro sente tais tendências ou se os partidos políticos de direita, centro e esquerda ainda se distinguem significativamente na maneira de entender problemas sociais cruciais, como o desemprego e as maneiras de combate-lo.

Para tentar ampliar o conhecimento sobre estas questões foi realizado um estudo teórico-empírico entre outubro de 2001 e março de 2002 que teve como um de seus objetivos levantar e analisar as diferentes políticas públicas, ou seja, “princípios, prioridades e diretrizes” (Moraes, 1999, p.118), programas e ações de redução do desemprego brasileiro propostas e implementadas pelos partidos políticos. Desta maneira, buscou-se identificar possíveis semelhanças e diferenças sobre as perspectivas dos partidos políticos nos seguintes temas:

· Causas do desemprego brasileiro;

· Políticas públicas de emprego mais indicadas para a realidade brasileira;

· Programas e ações sociais concretos implementados pelos partidos políticos em suas administrações municipais, estaduais e federal;

· Papel e modelo de Estado preconizado pelas siglas partidárias.

Metodologia

Esta pesquisa caracterizou-se por ser predominantemente de caráter qualitativo, exploratório-descritivo e utilizou a perspectiva crítica de encaminhamento epistemológico e a abordagem dialética de análise dos discursos (Lakatos e Marconi, 1992, Triviños, 1987). Para tanto, foram confrontadas informações e posicionamentos das mais variadas fontes, disciplinas do conhecimento científico diversas e inclusive posturas ideológicas contrárias, no intuito de conseguir uma melhor compreensão das realidades investigadas.

Pela impossibilidade de estudar todos os partidos políticos brasileiros, julgou-se conveniente limitar os estudos a apenas os cinco maiores. Como critério de seleção dos partidos, optou-se por selecionar aqueles com maior bancada apenas na Câmara Federal, pois a composição da Câmara Federal representa proporcionalmente toda a população brasileira. A escolha dos cinco maiores partidos permitiu garantir uma significativa representatividade (75,24%) da totalidade de deputados federais. Dos 513 deputados federais, 386 foram membros dos cinco maiores partidos políticos na legislatura 1999-2002 (Câmara dos Deputados, 2001). Os partidos selecionados estão na tabela a seguir:

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Tabela 1 Partidos políticos selecionados


Sigla Bancada Nome do Partido
PFL 97 Partido da Frente Liberal
PSDB 93 Partido da Social Democracia Brasileira
PMDB 89 Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PT 59 Partido dos Trabalhadores
PPB 48 Partido Progressista Brasileiro

Fonte: Câmara dos Deputados (2001).

A principal fonte para a coleta de dados foram os programas, estatutos partidários, sites e publicações diversas dos partidos políticos, além de informações obtidas a partir de consultas a sites de governos municipais, estaduais e federal.

Ainda foi utilizada a técnica de entrevista aplicada com políticos em exercício de cargo público, membros de diretoria de partidos políticos de expressão nacional e membros dos partidos políticos em função relacionada com políticas de combate ao desemprego. As entrevistas semi-estruturadas foram aplicadas a 10 membros dos partidos políticos, sendo dois membros de cada um dos cinco partidos selecionados. Entre os entrevistados estão governador e ex-governador de Estado, senador da República, deputados estaduais e diretores estaduais do Sistema Nacional do Emprego (SINE).

Como técnica de suporte à coleta de dados foram aplicados questionários estruturados via e-mail, enviados para deputados federais dos partidos selecionados. Os questionários via e-mail foram enviados para 307 dos 386 deputados federais (79,53%) dos cinco maiores partidos da legislatura 1999-2002. Não foi possível enviar para todos os deputados federais devido à indisponibilidade de e-mail de alguns deputados e recebimento bloqueado de outros. Infelizmente, apenas quatro questionários foram respondidos, curiosamente, todos deputados federais pelo Partido dos Trabalhadores.

A análise dos dados fez uso da análise qualitativa de conteúdo de acordo com Michelat (in Thiollent, 1987) e da técnica de triangulação de dados (Triviños,1987), interrelacionando dados provenientes do sujeito (entrevistas, questionários), das suas organizações (partidos políticos) e do macroambiente que os envolve (relatórios de pesquisa, publicações governamentais, etc).

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Limitações do trabalho

Este artigo limita-se a apresentar os dados empíricos pesquisados e a realizar uma síntese das conclusões da pesquisa. A revisão bibliográfica que trata da conceituação de termos básicos como trabalho e emprego, histórico do desemprego no Brasil, impactos da reestruturação produtiva e as principais políticas públicas de emprego presentes atualmente em teoria podem ser encontrados na dissertação de mestrado que deu origem a este artigo (Secchi, 2002).

Os cinco maiores partidos políticos brasileiros da legislatura 1999-2002 foram categorizados na escala direita-centro-esquerda da seguinte maneira: o PPB e o PFL como partidos de direita, o PSDB e o PMDB como partidos de centro e o PT como de esquerda. Estudos realizados por Kinzo (in Lamounier, 1990) dão sustentação a esta classificação, uma vez que tal pesquisadora identificou altos índices de “governismo e conservadorismo” para os partidos PFL e PPB (antigo PDS), altos índices de “democratismo e nacionalismo” no PSDB e PMDB e altos índices de “nacionalismo e oposicionismo ao sistema financeiro” para o PT.

Poderia-se discutir a fidedignidade dessa classificação com a realidade atual dos partidos, principalmente porque cada vez mais estão se incorporando no senso comum as classificações intermediárias como centro-direita, centro-esquerda, extremo-direita, extremo-esquerda. Há analistas políticos da mídia que classificam o PSDB de hoje como um partido de centro-direita. O PFL em algumas de suas campanhas publicitárias se auto-intitula partido de centro. O PT, sempre tido como partido de esquerda, já é chamado nas mídias televisivas e impressas como partido de centro-esquerda, e até como partido de centro.

A classificação adotada acima possui mais fins metodológicos do que conceituais, até porque se questiona a manutenção de uma constância das matrizes ideológicas entre os partidos políticos nos dias atuais (Inglehart, 1991, Benedicto e Reinares, 1992).

Neste estudo buscou-se ampliar o entendimento das diferenças de racionalidade, de enfoques que existem...

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