A mudança de paradigma em sociologia urbana: do paradigma ecológico ao socioespacial

AutorLucas Pizzolatto Konzen
CargoDoutorando em Direito e Sociedade, Programa R. Treves, Università degli Studi di Milano, Itália
Páginas79-99
Revista de Ciências Humanas - Florianópolis - Volume 45, Número 1 - p. 79-99- Abril de 2011
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* The paradigm shift in urban sociology: from the ecological to the socio-spatial paradigm
1 Doutorando em Direito e Sociedade, Programa R. Treves, Università degli Studi di Milano, Itália.
Bolsista MIUR/UNIMI. Endereço para correspondências: Università degli Studi di Milano, Dipar-
timento di Scienze Giuridiche Cesare Beccaria Sezione di Filosofia e Sociologia del Diritto, Via Festa
del Perdono, 7 - 20122 – Milano, Itália (lucas.pizzolatto@unimi.it).
2 A noção de paradigma, categoria-chave utilizada no livro de Kuhn, despertou bastante polêmica. Na
primeira edição da obra, o termo era empregado com diversas acepções. Em posfácio à edição de
1969, Kuhn propõe que o termo paradigma seja usado tão-somente com duas acepções. O primeiro
sentido, mais amplo, é sociológico: paradigma consiste em uma “constelação de crenças, valores,
técnicas etc., partilhadas pelos membros de uma comunidade determinada” (KUHN, 1962; p. 220).
A expressão matriz disciplinar também poderia ser usada para dar conta deste primeiro significado.
O segundo sentido, mais restrito, refere-se às “soluções concretas de quebra-cabeças que, emprega-
das como modelos ou exemplos, podem substituir regras explícitas como base para a solução dos
restantes quebra-cabeças da ciência normal” (KUHN, 1962; p. 220). Neste artigo, o termo paradig-
ma será utilizado apenas na acepção de matriz disciplinar.
A mudança de paradigma em sociologia urbana:
do paradigma ecológico ao socioespacial*
Lucas Pizzolatto Konzen1
Università degli Studi di Milano
O artigo discute a mudança do pa-
radigma ecológico ao socioespacial na
sociologia urbana, ocorrida nos países
centrais do capitalismo ao longo das dé-
cadas de 1970 e 1980. Os dois paradig-
mas são descritos em suas feições prin-
cipais, ao que se segue uma análise es-
pecífica das obras dos três autores que
lideraram a mudança de paradigma: Henri
Lefebvre, Manuel Castells e David Har-
vey. A análise referencia-se teoricamen-
te na contribuição de Thomas Kuhn à
sociologia do conhecimento.
Palavras-chave: Paradigma – Sociologia
urbana – Henri Lefebvre – Manuel Caste-
lls – David Harvey
This article discusses the paradigm
shift from the ecological to the socio-
spatial paradigm in urban sociology that
occurred in central capitalist countries
during the 1970s and the 1980s. Both pa-
radigms are described into their main fea-
tures, to which follows a specific analy-
sis of the work of three leading authors in
the paradigm shift: Henri Lefebvre, Ma-
nuel Castells and David Harvey. The
analysis is theoretically grounded on
Thomas’ Kuhn contribution to the socio-
logy of knowledge.
Keywords: Paradigm – Urban sociology
– Henri Lefebvre Manuel Castells – Da-
vid Harvey
1. Introdução
A teoria dos paradigmas científicos, formulada por Thomas Kuhn (1922-
1996), define o paradigma como sendo “aquilo que os membros de uma
comunidade científica partilham” (KUHN, 1962; p. 221)2. As comunidades
científicas, que existem em muitos níveis, são compostas pelos praticantes de
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uma mesma especialidade, que se dedicam a um objeto de estudo próprio, produ-
zindo e legitimando o conhecimento disciplinar. Seus membros submeteram-se a
processos similares de socialização e treinamento profissional, durante os quais
absorveram praticamente as mesmas lições e a mesma literatura-padrão cujas
fronteiras confundem-se com as do objeto de estudo comunitário. Compartilham
assim do consenso intersubjetivo em torno da validade de um determinado mode-
lo de cientificidade. Em comum, possuem uma “constelação de compromissos de
grupo” que permite estabelecer o que está dentro, à margem ou fora das fron-
teiras da normalidade científica (KUHN, 1962; pp. 222-28).
Os paradigmas mudam através dos tempos. Mudanças ocorrem quando
“um paradigma mais antigo é total ou parcialmente substituído por um novo, in-
compatível com o anterior” (KUHN, 1962; p. 125). Em decorrência desse pro-
cesso, podem igualmente se transformar as comunidades científicas, as ciências
parciais e a própria noção global de ciência. As mudanças de paradigma, entre-
tanto, não resultam de um desenvolvimento evolutivo e linear. Ao contrário, asse-
melham-se metaforicamente a revoluções3. Elas têm início na medida em que
cresce em uma pequena parcela da comunidade científica o sentimento de que o
paradigma vigente deixou de funcionar adequadamente. Esgotados os recursos
da ciência normal para dar respostas a certos problemas que adquirem impor-
tância para alguns membros da comunidade científica em questão, estes pas-
sam a recorrer a elementos estranhos ao paradigma dominante. O paradigma
entra em crise, ao mesmo tempo em que emergem constelações de compro-
missos alternativas e conflitantes disputando a adesão do grupo de cientistas.
Transita-se de um período pré-paradigmático de competição entre escolas dis-
tintas de ciência revolucionária4 a um período pós-paradigmático de ciência
normal, em que a escola que conquistou o domínio passa a ditar os novos fun-
damentos científicos do campo de saber (KUHN, 1962; pp. 125-228).
Referenciando-se teoricamente na contribuição de Kuhn à sociologia do
conhecimento, este artigo estende o conceito de paradigma ao campo das ciên-
cias sociais5 para discutir a mudança de paradigma ocorrida na sociologia urba-
na ao longo das décadas de 1970 e 1980, enfocando especificamente a maneira
pela qual ela se deu no contexto do capitalismo central – Estados Unidos da
América (EUA) e países da Europa Ocidental. Neste período, ocorreu a passa-
gem do paradigma ecológico ao paradigma socioespacial na sociologia urbana.
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3 Kuhn denomina as mudanças de paradigma de “revoluções científicas”, em analogia proposital com
as revoluções políticas. No entanto, esclarece que as revoluções científicas ocorrem muitas vezes
em pequena escala e não necessariamente parecem revolucionárias para quem está fora da comuni-
dade científica atingida.
4 “Há escolas nas ciências, isto é, comunidades que abordam o mesmo objeto científico a partir de
pontos de vista incompatíveis” (KUHN, 1962; p. 223).
5 O livro de Kuhn está repleto de ilustrações concretas de casos em que ocorreram mudanças de
paradigma nas ciências, embora se atenha àquelas transcorridas em disciplinas do âmbito das chama-
das “ciências naturais”.

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