O paradigma monogâmico e a possibilidade do rateio da pensão por morte entre cônjuge e concubina

AutorLuiz Périco Neto
CargoBacharel em Direito Assessor de juiz (TJPR)
Páginas27-39

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Introdução

Durante o percorrer da história brasileira, não são poucos os episódios escandalosos acerca do concubinato, com repercussões extravagantes. Os casos envolvendo amantes, meretrizes e “honrados” pais de família parecem protagonizar grandes eventos na sociedade.

Estes eventos são frequentes na sociedade e em sua maioria, quando o rumor se torna um escândalo, há uma típica conceitualização construída pela sociedade no tocante aos protagonistas e, então, surge o clássico estereótipo da amante, sendo entendida como uma mulher má, destruidora de lares, sempre possuindo as piores intenções. Ocorre que tal situação deve ser bombardeada, pois a sociedade não pode julgar outro ser humano baseada em uma clássica concepção do que seria um adequado comportamento social.

No âmbito do direito previdenciário, os beneficiários da previdência social, mais precisamente do regime geral, são os segurados (aqueles que, em regra, exercem atividade remunerada) e seus dependentes, como dispõe o art. 10 da Lei 8.213/91. Sabe-se que os segurados são aqueles que possuem uma ligação direta com a previdência, enquanto os dependentes possuem apenas uma relação secundária, estando relacionados dire-tamente apenas com os segurados.

Assim sendo, com a morte de um dos segurados, seus dependentes (divididos entre os de primeira, segunda e terceira classe) terão direito a uma pensão por morte, conforme edifica a Lei 8.213/91, em seu art. 74. Como dependentes de primeira classe, a legislação previdenciária (art. 16, inciso I, da Lei 8.213/91) prevê o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer

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condição, menor de 21 anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente.

Tendo em vista os casos de concubinato, um fato curioso se sobressai. Imagine que ao tempo dos dependentes diligenciarem junto ao INSS – Instituto Nacional do Seguro Social, para promoverem sua inscrição como dependentes do segurado, são tomados pela existência de um relacionamento oculto mantido pelo de cujus.

O até então esposo e pai de família surpreende seus entes familiares com a existência de uma nova companheira, ou possivelmente, de uma nova família, desconhecida pelo grupo familiar original. Deste modo, levanta-se a questão de que a concubina também poderia ser considerada dependente do segurado, comportando, portanto, não apenas a esposa, legalmente casada com o segurado. Assim, a pensão por morte poderia ser rate-ada entre a viúva e a concubina em partes iguais.

Existem muitos debates acerca dos direitos patrimoniais da concubina, inclusive no que diz respeito ao rateio da pensão por morte, benefício que é recebido pelos dependentes do segurado. Enquanto alguns defendem o direito da concubina acerca do recebimento do benefício, tendo em vista ser dependente financeiramente do segurado, e de ter direito a uma vida digna, outros se baseiam na proteção estatal que é devida à família, que, por sua vez, é tida como a base da sociedade, devendo a pensão por morte ser concedida integralmente à esposa legítima do segurado, não possuindo a concubina qualquer direito previdenciário.

Portanto, no presente artigo científico serão expostas ambas as posições, no tocante ao conflito de entendimentos acima demonstrados, bem como suas respectivas fundamentações, a fim de melhor entender ambos os posicionamentos, e o conflito de princípios existente entre eles, levantando uma crítica ao posicionamento pátrio da jurisprudência que tanto prestigia o princípio da monogamia existente no ordenamento jurídico.

Previdência Social

Invalidez, idade avançada e acidentes são entendidos como infortúnios, calamidades ou desastres, que, infelizmente, fazem parte da vida de todos os homens e mulheres de uma sociedade. Deste modo, tendo em vista o instinto protetivo do ser humano, como dispõe o doutrinador Fábio Zambitte Ibrahim (2011, p. 1), faz-se necessário a existência de um ente que providencie um amparo para as pessoas nestes casos, com o escopo de evitar que o cidadão se encontre em uma situação de necessidade.

O art. 194 da Constituição Federal de 1988 dispõe que a seguridade social envolve um agrupamento de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, com o escopo de assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

O segmento da previdência social é regido pelos artigos 40, que cuida do Regime Próprio da Previdência Social, 201, que cuida do Regime Geral de Previdência Social, e pelo 202, que cuida da Previdência Complementar, todos da Constituição Federal. A carta magna estipula que a previdência deve ser organizada “sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial” (art. 201, CF/88). Ainda, com o espoco de regulamentar a previdência social, existem a Lei 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, e a Lei 8.212/91, que organiza a Seguridade Social, instituindo um plano de custeio.

Os doutrinadores Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari edificam que:

“Previdência Social é o sistema pelo qual, mediante contribuição, as pessoas vinculadas a algum tipo de atividade laborativa e seus dependentes ficam resguardadas quanto a even-tos de infortunística (morte, invalidez, idade avançada, doença, acidente de trabalho, desemprego involuntário), ou outros que a lei considera que exijam um amparo financeiro ao indivíduo (maternidade, prole, reclusão), mediante prestações pecuniárias (benefícios previdenciários) ou serviços” (2008, p. 75).

Portanto, pode-se entender que a previdência social está munida de meios pelos quais se concede amparo para as pessoas que venham a se deparar com situações que caracterizam riscos sociais, e, neste sentido, entende-se por riscos sociais os acidentes, as doenças ou quaisquer outros eventos imprevisíveis, ou até mesmo previsíveis, como a idade avançada, que podem colocar o segurado em situ-ação degradante, ou até mesmo a maternidade, por afastar a segurada de seu emprego, sendo coerente conceder-lhe um benefício previdenciário (salário-maternidade).

Um dos aspectos da previdência social que a destaca dos demais segmentos da seguridade social (saúde e assistência social) diz respeito a contributividade do sistema previdenciário, que concretiza um dos mais basilares princípios da seguridade social, ou seja, o da solidariedade.

A República Federativa do Brasil possui como um de seus objetivos fundamentais o de construir uma sociedade livre, justa e solidária, como edifica o art. 3º,

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inciso I, da carta magna de 1988. Percebe-se, portanto, que o sistema da previdência social é baseado, sobretudo, na solidariedade, tendo em vista a própria finalidade de sua criação.

Wladimir Novaes Martinez nos traz que:

“Solidariedade quer dizer cooperação da maioria em favor da minoria, em certos casos, da totalidade em dire-ção à individualidade. Dinâmica a sociedade, subsiste constante alteração dessas parcelas e, assim, num dado momento, todos contribuem e, noutro, muitos se beneficiam da participação da coletividade. Nessa ideia simples, cada um também se apropria de seu aporte. Financeiramente, o valor não utilizado por uns é canalizado para outros” (2011, p. 121).

Deste modo, conclui-se que o princípio da solidariedade encontra-se cultivado no art.195 da Constituição Federal de 1988, no momento em que expõe que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, fazendo com que as necessidades da população, que venha a se encontrar em um momento desfavorecido, não sejam somente sanadas pelo governo, mas sim por toda uma sociedade que busca a efetivação do bemestar social.

O segmento da previdência social é, notoriamente, composto por dois regimes básicos, o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e o Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos (RPPS), sendo que este último regime é voltado para os servidores públicos e militares em cargo de provimento efetivo, o que não é relevante para a presente pesquisa.

Os beneficiários do RGPS são as pessoas físicas, que se subdividem em segurados e dependentes, como dispõe o art.10 da Lei
8.213/91, bem como o art. 8º do Decreto 3.048/99. Ou seja, são as pessoas que de alguma forma serão amparadas pela previdência social, através de seus benefícios ou serviços.

Tendo em vista a compulsoriedade do sistema previdenciário brasileiro, toda pessoa que exercer atividade remunerada, não estando vinculada a um regime próprio de previdência, estará automaticamente vinculada ao RGPS. Dentro dos segurados, tem-se uma subdivisão, existindo os segurados obrigatórios e facultativos. Os segurados obrigatórios são aqueles descritos usualmente pela doutrina como os que exercem atividade remunerada, sem estarem vinculados a qualquer regime próprio de previdência social. Suas espécies estão dispostas no art.11 da Lei
8.213/91, onde encontramos os segurados empregados, empregados domésticos, contribuintes individuais, trabalhadores avulsos e segurados especiais.

Sergio Pinto Martins pontifica que:

“Segurado é sempre a pessoa física, o trabalhador. Nem todo contribuinte é segurado. A pessoa jurídica não é segurada, visto que não é beneficiária do sistema, não irá se aposentar, por exemplo. A pessoa jurídica será contribuinte, pois a lei determina que deverá pagar certa contribuição à seguridade social” (2011, p. 81).

Já os segurados facultativos são aqueles que, mesmo não exercendo atividade remunerada, são tidos como segurados da previdência social, através de recolhimento de contribuição espontânea, conforme edifica o art. 13 da Lei 8.213/91.

Fabio Zambitte Ibrahim diferencia os...

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