Conciliação e mediação em países da Europa

AutorKarine Monteiro de Castro Fantini
Ocupação do AutorAdvogada. Graduada pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade FUMEC. Especialista em Direito de Empresa pela PUC/MG.
Páginas377-387

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"A teoria do abuso de direito veio, pois, alargar o âmbito das nossas responsabilidades, cerceando o exercício dos nossos direitos subjetivos, no desejo de satisfazer melhor o equilíbrio social e delimitar, tanto quanto possível, a ação nefasta e deletéria do egoísmo humano. Como corretivo indispensável ao exercício do direito, ela veio limitar o poder dos indivíduos, mesmo investidos de direitos reconhecidos pela lei, conciliando estes direitos com os da coletividade." Alvino Lima

1. Introdução

O individualismo, tão presente em nossa sociedade contemporânea, está tomando contornos desagradáveis e sem limites, tendo em vista, dentre outras situações, o alto índice de desregulamentação, flexibilização1 exacerbada, desempregos e novas formas ilícitas de relação de trabalho. Contudo, busca-se uma sociedade que permita compreender o coletivo como um todo, conciliando os direitos dos indivíduos com os da coletividade, isto é, uma forma de complementariedade do ser individual com o coletivo e não de exclusão social, econômica e política.

Ademais, o impressionante volume de ações judiciais, provocado por políticas econômicas equivocadas que se sucederam ao longo dos tempos, aliado ao crescente aumento da litigiosidade (aparecimento das diversas formas de litigantes), mormente após o advento da Constituição Federal de 1988; o número insuficiente de juízes para atender com presteza a esta nova demanda (ou a falta de aptidão para o exercício da magistratura); o desaparelhamento dos órgãos do Judiciário e o anacronismo da legislação processual, a despeito de recentes inovações (dentre outros) e a morosidade dos Poderes legislativo e Executivo na resolução dos problemas, contribuíram e ainda contribuem para que o Judiciário seja hoje um poder que vive uma profunda crise.

Nessa crise em que atualmente vive a sociedade contemporânea, a conciliação, assim como a mediação e a arbitragem, constituem meios de acesso material à justiça e busca pelos direitos fundamentais, funcionando como formas alternativas à tutela jurisdicional do Estado, possuindo como principais autores as próprias partes. Trata-se de formas extrajudiciais de solução de litígios, que permitem a ruptura com o formalismo processual (desformalização), como ensinam Cintra, Grinover e Dinamarco:

A primeira característica dessas vertentes alternativas é a ruptura com o formalismo processual. A desformalização é uma tendência, quando se trata de dar pronta solução aos litígios, constituindo fator de celeri-

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dade. Depois, dada a preocupação social de levar a justiça a todos, também a gratuidade constitui característica marcante dessa tendência. Os meios informais gratuitos (ou pelo menos baratos) são obviamente mais acessíveis a todos e mais céleres, cumprindo melhor a função pacificadora. Por outro lado, como nem sempre o cumprimento estrito das normas contidas na Lei é capaz de fazer justiça em todos os casos concretos, constitui característica dos meios alternativos de pacificação social também a delegalização, caracterizada por amplas margens de liberdade nas soluções não jurisdicionais (juízos de equidade e não juízos de direito, como no processo jurisdicional).2

Corroborando com este entendimento, no sentido da utilidade e importância de outros meios extrajudiciais de solução de conflitos, cita-se o pensamento de Cândido Rangel Dinamarco:

Melhor seria se não fosse necessária tutela alguma às pessoas, se todos cumprissem suas obrigações e ninguém causasse danos nem se aventurasse em pretensões contrárias ao direito. Como esse ideal é utópico, fazse necessário pacificar as pessoas de alguma forma eficiente, eliminando os conflitos que as envolvem e fazendo justiça. O processo estatal é um caminho possível, mas outros existem que, se bem ativados, podem ser de muita utilidade.3

Como os indivíduos na sociedade contemporânea buscam diretamente o poder estatal como forma de solucionar seus conflitos, que em muitas vezes não conseguem a resposta jurisdicional equânime ou até mesmo "justa" para seus problemas, a litigiosidade se instaura e as partes não conseguem solucionar da forma como realmente desejam, ficando insatisfeitas com o poder estatal. Neste momento, a conciliação e a mediação são formas de pacificação social que deveriam ser colocadas em um patamar prévio na busca ao acesso à justiça4, pois o primordial é solucionar o interesse das partes para que fiquem satisfeitas com a tomada de decisões, independentemente da via escolhida.

Neste sentido, algumas perguntas são feitas: quando o Judiciário reforça seu papel de pacificador da sociedade, não impõe o poder estatal sobre as partes? A cultura da litigiosidade está impregnada em nossa sociedade? Há solução para isso? A busca por uma pacificação social, não seria uma diminuição dos poderes do Estado? A celeridade é um fator de qualidade da resposta jurisdicional ou uma medida voltada, exclusivamente, para a diminuição da quantidade e das pilhas de processos amontoados nos Tribunais por suposta litigiosidade excessiva dos cidadãos brasileiros? As medidas alternativas de acesso à justiça foram pensadas para atender aos anseios dos jurisdicionados ou do Judiciário?

Por todas essas razões e sem intenção de esgotar a matéria posta em exame, no presente estudo busca-se uma maior compreensão da conciliação e da mediação, como meios alternativos de resolução extrajudicial de litígios, bem como a sua relevância no estudo do direito comparado, especificamente no que tange o direito em países da Europa.

2. Breve conceito: conciliação e mediação

A conciliação consiste em um método de resolução de conflitos, que tem por objetivo pôr fim às divergências entre duas ou mais pessoas por meio de realização de acordos na busca pelos direitos fundamentais, como forma de pacificação social.

Essa é a lógica que rege o mecanismo da conciliação. A realização de acordos em âmbito extraprocessual ou endoprocessual, por meio de uma tutela simplificada, célere (quando definitiva), econômica (na relação tempo/solução do problema) e segura (se cumprida pelas partes). É um instrumento acessível a todos os cidadãos e visa minorar a sobrecarga processual dos Tribunais, além das altas despesas dos litígios judiciais.

Ocorrendo a conciliação durante o processo judicial5, haverá a necessidade de homologação pelo órgão jurisdicional, resultado de um ato jurídico complexo de consenso entre os litigantes. Pressupõe,

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portanto, em concessões recíprocas que culminará com a chancela do juiz, sendo um meio autônomoheterônomo de solução do conflito, como é o caso da Justiça Trabalhista.

Neste sentido, as atividades conciliatórias, consoante entendimento de Cândido Rangel Dina-marco:

conciliando-se as partes, o juiz homologará o ato celebrado entres estas, passando ele a ter a mesma eficácia pacificadora de uma sentença que julgasse o mérito, solucionando questões (art. 331, § 1º, e art. 449, Código de Processo Civil de 1973); extinguese o processo com julgamento de mérito, o que significa que as disposições ajustadas pelas partes e homologadas pelo juiz ficarão imunizadas pela coisa julgada material e em princípio só poderão ser rescindidas pela via da ação rescisória (arts. 269, II,III e V; 467, 468 e 485, CPC) .6

No entanto, se a conciliação é extrajudicial, ou seja, aquela realizada diretamente pelos interessados, esta prescinde da homologação do Judiciário, eis que as próprias partes, valendo-se do auxílio de profissionais, buscam a satisfação dos seus respectivos direitos. Contudo, em algumas situações específicas na legislação brasileira, as partes poderão, por ato de disposição de suas próprias vontades, requerer a homologação do Judiciário do acordo firmado, como explicitado, por exemplo, no art. 161 da Lei n. 11.101/1995 (homologação do plano de recuperação extrajudicial), transformando, assim, o título executivo extrajudicial em judicial.

No Direito do Trabalho deve-se levar em consideração, sempre antes de uma conciliação extrajudicial ou judicial, a vedação ao princípio do retrocesso7, bem como o princípio da proteção ao trabalhador, do qual decorrem vários outros princípios, tais como da norma mais favorável, da condição mais benéfica, da indisponibilidade e a da irrenunciabilidade de direitos fundamentais, dentre outros.

Para Jorge Luiz Souto Maior, a conciliação não se trata de uma técnica de solução de conflitos:

A conciliação não é, propriamente, uma técnica para solução de conflitos, assim como não o é o julgamento. As técnicas são: a mediação, a arbitragem e o processo. A conciliação é uma solução para o conflito, aceita pelas partes, que tanto pode ocorrer em uma das técnicas criadas para solução de conflitos quanto fora delas. O julgamento é solução que se impõe às partes por interferência de uma terceira pessoa alheia ao conflito.8

Já a mediação baseia-se na arte da linguagem para permitir a criação ou recriação da relação existente entre as partes. Implica assim, na intervenção de um terceiro neutro, imparcial e independente (mediador), que desempenha uma função de intermediário nas relações entre as partes. Assim, operacionaliza a qualidade da relação e da comunicação, por meio de uma linguagem simples e dinâmica. Objetiva-se, portanto, a pacificação social.

Para Lutiana Nacur Lorentz a real virtude do mediador é a conclusão do diálogo, nos seguintes termos:

Nesta linha de raciocínio, a real virtude do mediador é a conclusão do diálogo. Para tanto, ele deve ser imparcial, tratando ambas as partes com respeito e cordialidade, sem publicidade, nem demora, mas sempre tratando-as de modo igual.9

Para Adriana Goulart de Sena, a conciliação se distingue das figuras da transação e da mediação em relação a três aspectos:

A conciliação distingue-se das figuras da...

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