Outros meios de pressão e a greve

AutorJouberto De Quadros Pessoa Cavalcante/Francisco Ferreira Jorge Neto
Ocupação do AutorProfessor da Faculdade de Direito Mackenzie/Desembargador Federal do Trabalho (TRT 2ª Região)
Páginas483-517

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9.1. Meios de Pressão

Historicamente, os trabalhadores e até mesmo os empregadores têm utilizado diversos meios visando pressionar a parte contrária a ceder ou negociar (denominados meios de pressão).

A doutrina aponta diversos meios, sendo os mais conhecidos: sabotagem, boicote, ratting, listas negras, trabalho arbitrário, greve, lockout etc.

A sabotagem consiste na destruição de máquinas, matérias-primas e outros instrumentos de trabalho da empresa, por parte dos trabalhadores.

Já o boicote representa “a oposição ou obstrução ao negócio do empregador, a falta de cooperação, vocábulo que devemos a James Boycott, nome de um latifundiário da Irlanda, da metade do século XVIII, que teve de abandonar a cidade onde morava, porque os trabalhadores se recusaram a colaborar com ele, criando uma situação insustentável para os seus negócios; a sabotagem, destruição ou inutilização de máquinas ou mercadorias pelos trabalhadores, protesto violento, contra o empregador, para danificar seus bens; piquetes, forma de pressão para dissuadir os recalcitrantes que não querem participar da greve, enquanto pacíficos, admitidos, quando violentos, proibidos pelo direito sindical”.1Enquanto ratting, do termo inglês to ratten, significa “privar de ferramentas os trabalhadores, com o objetivo de que as tarefas não sejam desenvolvidas normalmente”.2As listas negras de trabalhadores são feitas pelos empregadores e são encaminhadas a outros empregadores, como forma de troca de informações sobre trabalhadores e de seu comportamento no ambiente de trabalho, as quais são utilizadas no momento da contratação (discriminação). Informações como, por exemplo, se promove ação trabalhista, organiza grupos de reivindicação etc.

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Mencionado por Alfredo J. Ruprecht,3 o trabalho arbitrário seria uma greve “ao contrário”, ou seja, “os trabalhadores agem contra a vontade do empresário e a seguir reclamam o pagamento do salário correspondente à tarefa efetuada”.

9.2. Aspectos do Direito de Greve na visão da OIT

A Organização Internacional do Trabalho tem analisado a questão da greve em diversos países, sob os mais diversos ângulos e as mais variadas realidades sociais, políticas e econômicas distintas.4Em 1952, na Segunda Reunião, o Comitê de Liberdade Sindical reconheceu o direito de greve, como meio legítimo fundamental de que dispõem os trabalhadores e suas organizações para promover e defender seus interesses econômicos e sociais. Não se trata de mero fato social, mas, sim, de um direito.

O Comitê de Liberdade Sindical tem adotado um critério restritivo para limitar as categorias de trabalhadores que podem ser privados desse direito e quanto às limitações legais para seu exercício. E ainda tem vinculado o exercício do direito de greve à finalidade de promoção e defesa dos interesses econômicos e sociais dos trabalhadores, sendo que o correto exercício do direito de greve não deve ensejar sanções, o que configura atos de discriminação antissindical.

O Comitê de Liberdade Sindical aceita outras figuras (greves atípicas), como greve de ocupação, de ritmo lento, de zelo e de solidariedade, desde que revistam caráter pacífico.

Segundo a OIT, as reivindicações da greve se agrupam em: a) natureza trabalhista, quando buscam garantir ou melhorar as condições de trabalho e da vida dos trabalhadores; b) natureza sindical, quando visam a garantir e desenvolver os direitos das organizações sindicais e seus dirigentes; c) natureza política.

Contudo se ressalva que as organizações sindicais evitem que suas reivindicações assumam um aspecto claramente político. A Comissão de Experts considera que as greves de natureza puramente política não estão cobertas pelos princípios da liberdade sindical.

Em relação aos trabalhadores que podem ter restrições ao direito de greve, a visão da OIT é restritiva, admitindo a exclusão das forças armadas e

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da polícia, os funcionários públicos que exerçam funções de autoridade em nome do Estado, os serviços essenciais (relacionados ao perigo à vida, à segurança e à saúde), desde que desfrutem de uma proteção compensatória. Também se admite restrições durante períodos de crise nacional grave, como conflitos armados, catástrofes naturais etc.

De maneira geral, há uma série de condições ou requisitos para a licitude da greve, sendo que devem ser razoáveis e não constituírem limitações que importem na possibilidade de ação das organizações sindicais. O Comitê de Liberdade Sindical tem considerado por aceitáveis: a) obrigação de pré-aviso; b) obrigação de recorrer a procedimentos extrajudiciais de solução de conflitos, como condição prévia a declaração da greve; c) quórum mínimo e razoável para deliberação da greve; d) votação secreta; e) adoção de medida para respeitar os regulamentos de segurança e prevenção de acidentes; f) manutenção de serviços mínimos em casos de serviços essenciais — aqueles que possam gerar uma crise nacional grave — e serviços públicos transcendentais; g) a garantia de liberdade de trabalho para os não grevistas.

A análise dos aspectos de legalidade do movimento paredista deve ser atribuída a um órgão independente das partes e de sua confiança. Segundo o Comitê de Liberdade Sindical, tal análise não deve ser feita pelo governo ou pelas autoridades administrativas.

Segundo o Comitê de Liberdade Sindical, a proibição de realização de greves por motivo de reconhecimento (para negociar coletivamente) não está em conformidade com os princípios da liberdade sindical; por outro lado, o próprio Comitê tem aceito disposições que proíbem as greves que impliquem uma ruptura de um acordo ou de uma convenção coletiva (restrição temporal). Também declarou que, desde que a solução de um conflito de direitos resultante de uma diferente interpretação de uma lei incumba aos tribunais competentes a proibição de greves em tal situação, não constitui uma violação à liberdade sindical.

O Comitê de Experts tem destacado que a proteção dos trabalhadores e dirigentes sindicais contra os atos de discriminação antissindical é um elemento essencial do direito de sindicalização.

Sem disposições específicas contra os atos de discriminação por motivo de greve, a proteção contra todo ato discriminatório na relação de emprego está garantida de maneira geral nas Convenções n. 98 (direito de sindicalização e negociação coletiva), n. 135 (representação dos trabalhadores) e n. 151 (relações de trabalho na Administração Pública).

Em outras questões, o Comitê de Liberdade Sindical entende que: a) proibição aos piquetes só se justificam quando a greve perde seu caráter pacífico, perturba a ordem pública ou ameaça os trabalhadores que continuam

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trabalhando; b) só se admite a contratação de trabalhadores em substituição aos grevistas nas seguintes situações: greve em serviços essenciais e crise nacional aguda; c) sobre o pagamento dos dias parados, como regra geral, as partes devem negociar livremente.

9.3. O fenômeno da greve

A greve, via de regra, representa a paralisação coletiva com o intuito reivindicatório junto ao empregador, não se confundindo com outras ações dos trabalhadores, como a sabotagem, o boicote5, a ocupação do estabelecimento, braços cruzados (greve de rendimento) etc.

Se os trabalhadores suspendem a prestação de trabalho para protestar por motivo de solidariedade a outros trabalhadores ou demonstrar uma posição política, tem-se que a doutrina denomina de greve atípica6 ou, como preferem alguns, atos de não colaboração com o empregador.

Um dos problemas que envolvem o direito de greve é a sua natureza jurídica, provavelmente por possuir reflexos em vários ramos do conhecimento, sendo objeto de estudo pela sociologia, economia, administração, pelo direito etc.

Várias teorias tentam justificar a greve.

Uma posição considera a greve como um fato social, sem nenhuma relevância na ordem jurídica, por ser decorrente de sua intrínseca antijuridici-dade — incompatibilidade como meio de direta coação com o Direito, a qual tem como principal solução a jurisdição do Estado. Essa teoria não é mais aceita por haver no sistema jurídico órgãos estatais destinados à arbitragem obrigatória nos conflitos coletivos de trabalho, havendo inclusive o reconhecimento do direito de greve nos regimes democráticos.

Outros veem na greve o exercício de uma liberdade. Questão ainda não resolvida pela doutrina, cabe indagar se a liberdade é pública ou privada.

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Respondendo a essa indagação, Amauri Mascaro Nascimento7 afirma que: “A greve não pode ser considerada uma liberdade pública, porque não é oponível ao Estado, mas a outro particular, o empregador contra o qual se exercita, com o que se caracteriza como liberdade particular. Não poderia equiparar-se as liberdades públicas, como a de culto, de expressão, de informação, embora possa perfeitamente significar uma garantia de imunidade perante os mecanismos de responsabilidade criminal. Ainda que por liberdade pública se entenda aquela não oponível contra o Estado, mas por este garantida, haveria dificuldades para ver na greve uma liberdade pública. Essa garantia só se faria através de normas jurídicas. Logo, a greve seria um direito nos termos previstos pelas normas jurídicas.

Observe-se, também, que a greve tem uma inafastável dimensão privatística, como fruto da autonomia privada coletiva, fundamento da liberdade sindical.”

A posição que prevalece, nos dias atuais, considera a greve como direito, um direito subjetivo, garantido, disciplinado e limitado pela...

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