Os orixás contemporâneos e a cidade invisível. Potências da cidadania pelo desenvolvimento de uma sensibilidade urbana

AutorAndré Leonardo Copetti Santos
CargoGraduado em Direito pela Universidade de Cruz Alta (1988), mestrado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1999) e doutorado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2004)
Páginas61-78
OS ORIXÁS CONTEMPORÂNEOS E A CIDADE INVISÍVEL. POTÊNCIA S DA CIDADANIA
PELO DESENVOLVIMENTO DE UMA SENSIBILIDADE URBANA
URBAN ORISHAS AND INVISIBLE CITY. P OWERS OF CITIZENSHIP BY DEVELOPING AN URBAN
SENSIBILITY
André Leonardo Copetti Santos
1
Sumário: 1 Bosquejo da disposição investigativa. 2 A sensibilidade amalgamadora da cidade
antiga. 3 A fragmentação da cidade e da “cidadania” medieval pelo elemento (ir)racional econômico. 4 A
permanência dos elementos medievais nas cidades moderna e contemporânea. 5 Veredas de
democratização da materialidade, da sociabilidade e d a sensibilidade urbana. 5.1 A materialidade das
cidades e o sistema econômico capitalista. 5.2 Uma sociabilidade política rizomática para um novo
modelo de tomada de decisões coletivas. 5.3 Uma cidade sensível para religar os sentidos no espaço
urbano. 6 Precisamos instituir nossos orixás, instrumentalizar nossos cultos e construir nossos templos.
Instrumentos para a concretização do direito a uma cidade sensível. Referências.
Resumo: O presente trabalho tem como eixo temático central a proposição de que o exercício
da cidadania, em sua máxima plenitude possível, depende fortemente de uma concretização do direito
fundamental à cidade, compreendido como possibilidades de acesso à sua materialidade e de
desenvolvimento de uma sociabilidade, mas, também, fundamentalmente, de potencialização de espaços
de sensibilidade estética, livre d e controles sociais institucionalizados, a partir dos quais construímos
imaginariamente nossos lugares invisíveis de conforto e p elos quais abrimos simbolicamente nossos
territórios urbanos.
Palavras-chave: Cidadania. Cidade. Sensibilidade. Controle social.
Abstract: The present paper has as central theme the proposition that the exercise of
citizenship in its maximum fullness possible, depends heavily on a realization of the fundamental right to
the city, understood as opportunities for access to its materiality and development of sociability, but also,
fundamentally, potentiation spaces of aesthetic sensibility, free from institutionalized social controls,
from which we build imaginarily our invisible places of existential comfort and by which we open
simbollicaly our urban territories.
Keywords: Citizenship. City. Sensibility. Social control.
1 Bosquejo da disposição investigativa
As cidades são os principais espaços geopolíticos de organização social e de estr uturação
existencial de cada um de nós. Em sua materialidade, em sua estrutura, e m suas múltiplas dinâmicas é
produzida a maior parte das riquezas, são cristalizadas as instituições, são engendradas as sociabilidades
políticas, é onde atuam, manifesta ou silenciosamente, os sistemas e os controles sociais. É, por um outro
circuito de palavras, no âmbito da cidade onde se coagulam as mais diferentes dimensões do mundo da
vida. Há outras extensões onde indivíduos, grupos, instituições, sistemas etc. se manifestam, mas, longe
de qualquer hesitação, a cidade é o principal lugar de suas emergências.
Se não estamos em uma cidad e estamos noutra, e os espaços intermunicipais são espaços de
passagem. A maior parcela da concretização da nossa cidadania está vinculada à nossa condição de
citadino, de por tarmos um ethos urbano, por vivermos praticamente toda nossa vida em cidades, por nos
deslocarmos de cidade para cidade, em nossos trân sitos (trans, do latim “além”, “a lém de”; ictus, também
do latim “ponto”), que nada mais são do que nossos desejos urbanos, por suas materialidades, por suas
sociabilidades, por suas sensibilidades. Fundamentalmente, nossos desej os por suas sensibilidades
condensadas em suas histórias, em suas durações, em seus co stumes que saturam o vazio ou suavizam a
1 Graduado em Direito pela Universidade de Cruz Alta (1988), mestrado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(1999) e doutorado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2004). Atualmente é professor do corpo permanente do
Programa de Pós-Graduação em Direito da UNIJUÍ, IJUÍ, RS e do Programa de Pós-Graduação em Direito da URI, Santo Ângelo,
RS. Coordenador Executivo do PPGD/URISAN. Editor da Revista Científica Direitos Culturais. Membro do Instituto de
Hermenêutica Jurídica. Avaliador "ad hoc" do Ministério da Educação. Membro fundador da Casa Warat Buenos Aires
e da Editora Casa Warat.
dureza da pura materialidade. Desejos que, à medida que vamos envelhecendo, tornam -se recordações,
acomodações das pulsões de nossa alma e de nosso corpo por cidades.
Somos, antes de tudo, de algum lugar, de alguma cidade. Ou de lugares nas cidades. Os antigos
identificavam os indivíduos em seus nomes por usa filiação pater na e pela cidade de origem (p. ex.,
Heráclito de Éfeso, Tales d e Mileto, Aristipo de Cirene etc.). Somos de algum a cidade que nos ultrapassa
e cuja forma nos “enforma”. De uma cidade que se constitui por sedimentações sucessivas e que conserva
a marca das gerações que a modelaram. Todas as coisas pelas quais a cidade se torna cidade, visível ou
invisível. A cidade que nos une aos outros e provê a informação e a sensibilidade necessárias para toda
vida em sociedade.
Há um elemento e stático na cidade sua materialidade do qual emerge, pela ação sensível dos
indivíduos, a vida, a cidade invisível, formada por contos e lendas, histórias que fazem dos indivíduos
quem eles são, em seus processos de subjetivação identitária e que lhe dão modelos a imitar, ou exemplos
a seguir.
A dinâmica dos espaços municipais é notadamente não só marcada por fatores funcionais,
produtivos ou tecnocráticos, mas também de outros elementos, tais como as representações, os símbolos,
a memória, os desejos e os sonhos dos que neles habitam. É da superposição contínua e renovadora de
todos estes ingredientes que se estrutura e se movimenta toda e qualquer cidade, em sua materialidade,
em sua sociabilidade, em sua sensibilidade. Lévi-Strauss, em sua obra “Tristes Trópicos” (1955), assinala
os misteriosos fatores que nutrem a matéria das cidades. Para ele, “O espaço possui seus valores próprios,
assim como os sons e os perfumes têm uma cor e os sentimentos u m peso”. Quanto a isto, diz Lévi-
Strauss que
Por lo tanto, y no sólo metafóricamente, tenemos el derecho de comparar, como tan a menudo
se ha hecho, una ciudad con una sinfonía o con un poema: son objetos de la misma naturaleza. Quizá más
preciosa aún, la ciudad se sitúa en la confluencia de la natu-raleza y del artificio. Congregación de
animales que encierran su historia biológica en sus límites y que al mismo ti empo la modelan con todas
sus intenciones de seres pensantes, la ciudad, por su géne-sis y por su forma, depende simultáneamente de
la procreación biológica, de la evolución orgánica y de la creación estética. Es a la vez objeto de
naturaleza y sujeto de cultura; es individuo y grupo, es vivida e imaginada: la cosa humana por
excelencia.
2
Reforçamos es sa perspectiva de Lévi-Strauss, importante para os fins a que nos propomos nos
limites deste texto, com dua s outras visões muito próximas acerca das d imensões que compõem a cidade.
Referimo-nos especificamente à percepção da historiadora Sandra Jatahy Pesavento, de que a cidade é
materialidade, sociabilidade e sensibilidade, b em como ao ponto de vista de Vilén Flusser, que se refere à
cidade como sendo composta de três espaços necessários: o privado, o político e o cultural.
Para Pesavento, além de ser uma materialida de erigida pelo homem, uma ação humana sobre a
natureza, algo criado pelo homem, co mo uma obra ou artefato seu, por cuja visualização reconhecemos,
imediatamente, estar em presença do fenômeno urbano, visualizado de forma bem distinta da realidade
rural, a cidade, na sua compreensão, é, numa segunda dimensão, também sociabilidade, pois ela comporta
atores, relações sociais, personagens, grupos, classes, práticas de interação e de o posição, ritos e festas,
comportamentos e hábito s. Marcas, todas, que registra m uma ação social de do mínio e transformação de
um espaç o natural no tempo. A cidade, neste aspecto, é obra coletiva que é impensável no individual;
cidade, moradia de muitos, a co mpor um tecido sempre renovado de relações sociais. A estas duas
dimensões agrega-se uma o utra. A cidade é, ainda, numa ter ceira aproximação, sem ordem de
precedência ou hierarquização entre elas, sensibilida de. Cidades são, por excelência, um fenômeno
cultural, ou seja, integradas a um princípio de atribuição de significados ao mundo. Cidades, assim,
pressupõem a construção de um ethos, o que implica a atribuição de valores para aquilo que se
convencionou c hamar de urbano . Neste sentido, a cidade é objet o da produção de imagens e discursos
que se co locam no lugar da materialidade e do social e os representam. Assim, a cidade é um fenômeno
que se revela pela percepção de e moções e se ntimentos dado s pelo viver ur bano e também pela expressão
de utopias, de esperanças, de desejos e medos, individuais e coletivos, que esse habitar em proximidade
propicia.3
Próxima dessa concepção de Pesavento está a reflexão de Flusser, conforme exposta por Bárbara
Freitag em sua obra “Cidade dos Ho mens”. A cidade, para Flusser , remetendo a um sentido “proto-
2 LÉVI-STRAUSS. Claude. Tristes Trópicos. Buenos Aires: Paidós, 1988, p. 125.
3 PESAVENTO, Sandra Jatahy. Cidades visíveis, cidades sensíveis, cidades imaginárias. In: Revista Brasileira de História, versão
on line, vol. 27, n. 53. São Paulo, janeirojunho, 2007.

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