A onda função social da empresa e sua imbricação com o direito fundamental da segurança...

AutorMartha Asunción Enriques Prado/Aldimar Alves V. Silva
CargoDoutora pela PUC/SP. Professora titular do programa de mestrado em Direito Negocial/ Graduado pela Universidade Estadual de Londrina (UEL)
Páginas26-38

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1 Considerações preliminares

O Estado Contemporâneo, de cunho moderno ou pós-moderno 1 , mantém compromisso com a democracia econômica e social. Nada de diferente se constata no sistema constitucional brasileiro, porque também insere essa forma de equalização política em face ao sistema econômico capitalista então adotado.

O sistema capitalista, do modo como se encontra previsto no Estado Democrático de Direito instituído no Brasil em 1988, vincula-se a um programa constitucional de desenvolvimento econômico que prega a conjugação de esforços entre iniciativa privada e iniciativa estatal para a construção de uma economia nacional sólida e socialmente ética. Onde a racionalidade econômica estrita "não pode deixar de envolver-se com valorações, símbolos e imagens coletivas, toda uma gama, enfim, de intangíveis e inefáveis que escapam ao domínio da pura razão econômica". (MARQUES, 1996, p. 23-24).

A Constituição Federal não compartimentou as funções social e econômica, atribuindo aquela ao Estado e esta à iniciativa privada. Criou sim um sistema misto, onde o Estado e a Empresa possuem funções econômico-sociais. Por ser assim, importa afirmar que ao garantir ao capital a liberdade de empresa, vinculaa ao conceito social de livre iniciativa, ou seja: direito de empreendimento conjugado a deveres, entre eles, de preservação do meio ambiente, respeito ao consumidor, respeito ao trabalhador. Aliás, nesse sentido Isabel Vaz (1992, p. 348) faz consideração bastante substanciosa:

A qualquer membro da sociedade seriam reconhecidos poderes, traduzidos em direitos, de exigir, tanto do Estado quanto dos sujeitos econômicos privados, que lhe assegurem a "existência digna" [...] a concretização daquele direito deveria operar-se, primordialmente, no plano da empresas.

Há, pois, um compromisso assumido pelo Estado, como há uma funçãotarefa atribuída à empresa, ambos juridicamente delineados; o que traz ao cenário o Direito como instrumento de manutenção da ordem e perseguição dos fins estabelecidos.Page 27

A onda função social da empresa e sua imbricação com o direito fundamental da segurança...

2 Funçåo social do estado e funcåo social da empresa no estado contemporâneo brasileiro

O perfil de estado democrático de direito 2 que o Brasil ostenta, dentre os vários sentidos que isso representa na ordem jurídica, traz implícita a afirmação de Willis Santiago, como "fórmula política que representa a síntese em que se supera, dialeticamente, estado liberal de direito e Welfare State , de um lado, e, de outro, estado social e socialista de direito." (GUERRA FILHO, 1997, p. 29).

Visto o Estado brasileiro contemporâneo dessa forma, como um estágio de superação e síntese dos dois sistemas anteriores; e, compulsando-se o texto constitucional em busca desse ideário democrático encontra-se um Estado voltado à participação nos problemas da sociedade. Da mesma forma, se constata uma ação estatal ativa no sentido de promover a participação de todos na resolução dos problemas sociais.

A função social do estado, democrático de direito, seguindo a noção de síntese e superação acima referida é decorrência necessária da sua própria institucionalização; ou seja, possui função instrumental para com a democracia e o direito, e, conseqüentemente, compromisso com a efetivação do bem comum.

Por outro lado, a função social da empresa, na seara do Estado Democrático de Direito, funciona como instrumento engendrado pela própria Constituição, para atuar em sintonia com a função social do Estado. Porque a função meramente econômica da Empresa, típica do liberalismo econômico ou do Welfare State se atualiza juntamente com a função social do Estado 3 .

2.1 Definicão da função social do estado em uma sociedade em desenvolvimento não-gradual

As estruturas chaves antes referidas são o Estado e a Economia. Ao se considerar que ambas possuem existência histórica recente, constata-se que não apresentam mais de duzentos anos e se identificam com as instituições da modernidade. Esta, por sua vez, representa o momento histórico que a humanidade passa a viver um circuito frenético e acelerado de transformações.

É na modernidade que surge o estado, liberal inicialmente, e democrático de direito na seqüência. Confira seu fundo ideológico nas palavras de Bauman:Page 28

A convicção moderna de que a sociedade não precisa ser como é, que pode ser melhorada, tornou cada caso de infelicidade individual e grupal um desafio, um problema a atacar [...] para uma mentalidade ensinada a tratar a sociedade como um projeto inacabado que cabia aos administradores completar, a pobreza era uma abominação. (BAUMAN, 1999, p. 272).

Praticamente todas as nações-estado do ocidente seguiram a dinâmica da modernidade, mas apenas algumas conseguiram alcançar progresso econômico conjugado com desenvolvimento social. De modo eficiente isso se deu nos países centrais 4 , onde, hoje, o poder político de tais Estados encontra-se toleravelmente equilibrado com o poder econômico do capital privado. Dessa forma, a estabilidade social existente decorre exatamente da harmonização entre poder político estatal e poder econômico.

Nos países periféricos e semi-periféricos 5 há um déficit de poder econômico interno, de maneira que o poder político ao buscar suprir essa deficiência, acaba por instaurar um desequilíbrio ainda maior entre as forças sociais. Isso porque, a abertura incondicionada do espaço interno ao capital internacional gera submissão econômica; e, esse poder econômico externo, internalizado, passa a ser o contraponto do poder político interno.

Desse modo, sem haver equilíbrio nos moldes dos países centrais 6 , em países como o Brasil, acaba preponderando o interesse do poder econômico internacional em face do poder político nacional. Fato determinante para que, a decisão política privilegie o poder econômico internacional 7 . Apenas posteriormente, por força de conseqüência e indiretamente, dá-se prioridade aos interesses econômicosPage 29 internos; e somente cumpridos esses estágios de prioridades o poder político passa a discutir os demais interesses do estado-nação.

A todo interesse que seja contrário ou irrelevante ao poder econômico, internacional ou interno, é reservado espaço restrito de deliberação.

De qualquer forma, o estado-nação, para cumprir minimamente a sua função de Estado precisa atender a interesses de alteridade; alheios, contrários ou contraditórios à teleologia do poder econômico. Entretanto, precisa atender também aos anseios e necessidades sociais do povo.

Nesse contexto, o Estado Contemporâneo Brasileiro enquadra-se dentre aqueles que agem modesta e sutilmente no âmbito social, tanto em sentido de manutenção quanto de implantação de políticas sociais ou de redistribuição de riquezas. Há incontestável deficiência na programação de projetos de longo prazo e necessidade de aprofundar e desenvolver políticas de suprimento imediato.

No entanto, o que ocorre na administração dos estados periféricos é que o governo se vê obrigado a coordenar ações que compatibilizem os interesses daqueles três âmbitos 8 ; tarefa hercúlea não apenas em virtude das teleologias conflitantes dos diversos sistemas, mas principalmente por força da interferência do poder econômico nos âmbitos de decisão política.

Essa disputa de poder, no entanto, não é meramente fática, já que entra para compor as regras do jogo político também as regras do Direito; ou seja, tanto o poder político quanto o poder econômico possuem uma configuração jurídica na ordem interna do estado-nação. Sendo a Constituição Federal quem inaugura normas jurídicas que, delineiam os pontos de ação e interação entre o poder econômico e o poder político.

O Direito estabelece um padrão de comportamento ao Estado, assim como o faz em relação aos particulares: no âmbito do Estado, o poder político, pertence ao governo; no âmbito privado, o poder econômico, pertence ao particular nos diversos setores da economia. Isso em perspectiva conceitual abstracionista, porque não há como negar que o poder econômico exerce influência no governo e o poder político interfere na economia.

Na medida em que essas interferências recíprocas seguem os limites...

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