Oliveira Vianna e a origem corporativa do Estado Novo: Estado Antiliberal, Direitos Sociais e Representação Política.

AutorRogério Dultra dos Santos
CargoGraduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador (1997), Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000) e Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ (2006).
Páginas273-310
Oliveira Vianna e o Constitucionalismo no Estado
Novo: corporativismo e representação política
Rogerio Dultra dos Santos1
Resumo: O jurista e sociólogo Francisco José de
Oliveira Vianna (1883-1951) defendeu um mo-
delo político-econômico para a modernização do
Brasil entre os anos de 1930 e 1940. Tal modelo é
caracterizado pela forte influência do corporativis-
mo de matriz fascista. Como consequência institu-
cional direta da incorporação de seu modelo, o Es-
tado Novo (1937-1945) criou não apenas a Justiça
do Trabalho, mas incorporou a perspectiva de um
direito antiliberal e antiformalista. Isso represen-
tou o reconhecimento do caráter normativo não
apenas de decisões judiciais, mas da própria ativi-
dade do poder executivo. O presente trabalho ob-
jetiva esclarecer os fundamentos sociológicos da
interpretação do autor sobre a realidade brasileira,
o processo de mutação da perspectiva e estrutura
do direito e as modificações constitucionais e polí-
ticas geradas pela absorção das ideias corporativas
de Oliveira Vianna.
Palavras-chave: Corporativismo. Constitucio-
nalismo Antiliberal. Oliveira Vianna.
Abstract: The jurist and sociologist Francisco
José de Oliveira Vianna (1883-1951) advocated
political-economic model for the Brazilian mo-
dernization between 1930 and 1940. This mo-
del was characterized by the strong influence of
fascist corporatism matrix. As a result of direct
institutional embodiment of his model, the New
State (1937-1945) created not only the Labour
Court, but incorporated the perspective of an
antiliberal and antiformalist law. This represen-
ted an acknowledgment of the normative cha-
racter not only of the judicial decisions, but of
the very activity of the executive branch. This
paper aims to clarify the foundations of the so-
ciological interpretation of the author about the
Brazilian reality, the changing process of the
perspective and structure of law and the consti-
tutional amendments and policies generated by
the absorption of yours corporative ideas.
Keywords: Corporatism. Antiliberal Constitu-
tionalism. Oliveira Vianna.
1 Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador (1997), Mestre em Direito
pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000) e Doutor em Ciência Política pelo Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ (2006). É professor Adjunto do
Departamento de Direito Público e Coordenador do Programa de Pós-Graduação stricto sensu
em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), Professor Colaborador do
Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Estadual do Norte Fluminense
Darcy Ribeiro (UENF) e avaliador ad hoc na área do Direito do Ministério da Educação. E-mail:
rogeriodultra@yahoo.com.br.
Doi:10.5007/2177-7055.2010v31n61p273
Oliveira Vianna e o Constitucionalismo no Estado Novo: corporativismo e representação política
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1. Introdução
Com raízes no pensamento de Alberto Torres, influenciado pela
sociologia de Le Play e pelo positivismo de Spencer, Francisco José de
Oliveira Vianna (1883-1951)2 é o intelectual que primeiro realizará uma
avaliação sociológica densa da estrutura e da organização do Estado bra-
sileiro, com o livro Populações meridionais no Brasil, escrito ainda em
1918. Na configuração político-jurídica do Estado Novo é ele o respon-
sável pela organização constitucional e execução de um corporativismo
cuja origem remota encontra-se em Durkheim (na sua análise das caracte-
rísticas de uma organização societária originalmente medieval, manifesta
nas antigas corporações de ofício, que se constituiria como chave herme-
nêutica das sociedades modernas)3. O modelo de Estado corporativo de
Oliveira Vianna, cujo papel de representação política e de relação entre
Estado e sociedade é realizado primordialmente pelo assento de represen-
tantes de classe junto aos órgãos do Estado é o centro do trabalho intelec-
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formou-se na Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro em 1906. Em seguida foi
nomeado professor de Direito da Faculdade de Direito de Niterói (hoje Faculdade de
Direito da UFF), tornando-se titular em 1916. Foi diretor do Instituto do Fomento do
Estado do Rio de Janeiro; membro do Conselho Consultivo do Estado, consultor jurídico
do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, no período entre 1932 e 1940; membro
da Comissão Especial de Revisão da Constituição de 1934; membro da Comissão Revisora
das Leis do Ministério da Justiça e Negócios Interiores e Ministro do Tribunal de Contas
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grande patrono da sociologia brasileira até o aparecimento de Casa-Grande e Senzala
(1933) de Gilberto Freyre. A partir dos anos de 1950 entrou no ostracismo por conta das
duras críticas que recebeu pelo caráter racista de algumas de suas obras e pela sua adesão
à ditadura estadonovista. Nos anos de 1990 começou a ser seriamente reestudado e hoje
¿JXUDFRPRXPGRVSHQVDGRUHVEUDVLOHLURVPDLVLPSRUWDQWHVGRVpFXOR;;
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“formada pela reunião mais ou menos considerável de grupos sociais secundários,
submetidos a uma mesma autoridade, que por sua vez não depende de nenhuma autoridade
superior regularmente constituída”. A atenção do sociólogo francês é sobre as organizações
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seriam “a condição fundamental de toda organização mais elevada. Longe de estarem
em oposição ao grupo social encarregado da autoridade soberana e que chamamos mais
especialmente de Estado, é este que supõe sua existência; ele só existe onde eles existem.”.
Rogerio Dultra dos Santos
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tual desenvolvido pelo autor, e a base a partir da qual irá desenvolver sua
defesa do Estado Novo, respectivamente nos livros Problemas de Direito
Corporativo (1938), O Idealismo da Constituição (1939), na sua segunda
edição, e Problemas de Direito Sindical (1943)4.
Este trabalho procura identificar, em primeiro lugar, a teoria social
que subjaz à interpretação da realidade brasileira que faz o autor. Para
tanto, examina os elementos da sociologia de Vianna no que diz respeito
à relação entre instituições políticas e arranjos societais, destacando a sua
crítica ao constitucionalismo de inspiração federalista da Constituição de
1891 e suas repercussões na manutenção de uma ordem social privatista
durante a Primeira República. Em segundo lugar, o texto objetiva – e essa
é a questão central aqui desenvolvida – especificar a origem histórica da
estrutura modernizada do direito implantado no Brasil durante e após o
Estado Novo por meio da influência decisiva de Vianna. Destaca-se, en-
tão, a compreensão da democracia corporativa desenvolvida pelo autor,
para quem a representação classista é considerada inclusive mais legíti-
ma do que a representação parlamentar de cunho liberal. Nesses termos,
não é possível compreender a presença marcante da ideia jusnaturalista
de direito subjetivo, a noção de força normativa da decisão judicial e a
incorporação dos direitos sociais no constitucionalismo brasileiro sem en-
tender a centralidade de Oliveira Vianna em cada uma dessas questões e
a importância de sua obra como instrumento político de incorporação da
cidadania, em que pese o seu modelo autoritário de Estado.
4 Cf. VIANNA, 1938;
Id, 1939.
Ibdem, 1943.
A segunda edição do Idealismo da Constituição é uma completa reescritura do livro
homônimo publicado em 1924. Aqui, além da discussão sobre a constituição da opinião
pública sob o regime parlamentar (com a comparação das limitações da organização
política brasileira em contraposição à solidez da dinâmica política inglesa), Vianna organiza
uma exposição sobre a história institucional brasileira, desde o império (“O primado do
Poder Moderador”), passando pela 1ª República (“O Primado do Poder Legislativo”,
originalmente o conteúdo da primeira edição) e culminando, enquanto evolução histórica,
no Estado Novo (“O Primado do Poder Executivo”) e nas partes subseqüentes desenvolve
sua tese do corporativismo aplicada à nova realidade política nacional, o que chama de
idealismo (concreto e nacional, vinculado ao meio e à experiência social brasileira, em
oposição ao idealismo universal e racionalista do liberalismo).

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