Oferta pública para a aquisição de ações (OPA) - teoria da confiança - deveres de proteção violados - a disciplina informativa e o mercado de capitais - responsabilidade pela confiança - abuso do poder de controle

AutorJudith Martins-Costa
Páginas230-270

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Consulta

O ilustre Colega, Dr. José Rubens Machado de Campos, encaminha Consulta redigida nos seguintes termos.

"1. Trata-se de questão alusiva à ruptura de promessa pública de que o capital social da extinta Cias. CV S/A, incorporada pela BM [por sua subsidiária B V Ind. e Com. Ltda., especificamente constituída no Brasil para operacionalizar dita incorporação], seria mantido aberto, com liquidez imediata de suas ações em Bolsa de Valores.

"2. A partir do ano de 1988, a gigantesca multinacional The BM Co., querendo expandir seus negócios no Brasil, cuidou de adquirir empresas nacionais fornecedoras de produtos semelhantes àqueles por ela fabricados nos EUA, bem como em outros países.

"Por isso, em 19 de agosto de 1988, a sociedade de capital aberto Cias. CV S/A, em Aviso de 'Fato Relevante' também subscrito pela multinacional compradora, tornou público ter a sua maioria controladora (71,9% do capital votante) celebrado, com a The BM, contrato de venda daquelas ações por um preço unitário de US$ 0,798.

"Acrescentava esse anúncio que, efe-tivado o negócio, e atendendo-se à circunstância de se tratar a CV de companhia aberta, assegurar-se-ia tratamento isonômico aos acionistas minoritários eventualmente desejosos de vender suas ações.

"3. Em razão desse anúncio e atraídos pela longa tradição da BM Co. enquanto sociedade aberta no país de origem, sujeita aos sabidamente rígidos controles da Security and Exchange Comission e respeitadora contumaz dos direitos dos acionistas minoritários, muitos investidores adquiriram, nesse momento, ações preferenciais. São eles investidores institucionais, tradicionalmente atuando no longo prazo o que justifica abandonar-se qualquer juízo açodado de que visavam, com os investimentos feitos, meramente o lucro fácil.

"4. Visando a personificá-la nessa operação de compra e venda, a BM constituiu, no Brasil, a BV Ind. e Com. Ltda. (mais tarde transformada em sociedade anónima) que, na Oferta Pública divulgada em 27 de setembro de 1988, propôs a aquisição das ações restantes, fixando o seu preço e declarando ser sua intenção que a CV manter-se-ia 'na condição de Companhia Aberta'.

"Outras ofertas de aquisições das ações minoritárias foram feitas pela B V no ano de 1989, nelas sempre se reiterando haver a intenção de preservar à CV a sua condição de companhia aberta.

"Assim sendo, e agindo de boa-fé, alguns acionistas minoritários acreditaram nas declarações do grupo BM e seus mandatários brasileiros e decidiram, ou não se desfazer da posição acionária que detinham na CV ou, inclusive, a adquirir tal posição, certos de que a empresa continuaria a negociar suas ações na bolsa, tal qual tradicionalmente ocorria e tal qual publicamente prometido.

"5. Sucede, contudo, que a BV decidiu, em 1990 (menos de seis meses após a última promessa pública), promover a incorporação da CV e fechar o capital.

"No 'Aviso de Fato Relevante' datado de 22 de junho de 1990, comunicou a BV que (i) viria promover a incorporação; (ii) que o valor do reembolso determinado para as ações dos acionistas que preferissem se retirar da sociedade era o de CR$ 10,00 (dez reais) por ação; (iii) que o capital seria fechado.

"6. Com efeito, em julho de 1990, a empresa Cias. CV S/A foi incorporada à BV Ind. e Com. S/A. Em Assembleia Geral Extraordinária de (...) de julho do mesmo ano, a BV decidiu, entre outras medidas (i) aprovar o laudo de avaliação do património líquido da Cias. CV S/A; (ii) proceder à incorporação, dando por extinta a antiga companhia CV; (iii) denominar-se, desde então, Cias. CV S/A (mesmo nome da sociedade extinta) e (iv) fechar o capital societário.

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"7. Diante desse fato, os ora Consu-lentes:

"(i) notificaram a CV para a irregularidade de sua conduta;

"(ii) exerceram o direito de recesso; e

"(iii) ingressaram com ações indeni-zatórias.

"8 As ações têm por base três ordens de argumentação: a) a violação da boa-fé, por quebra da promessa de manter o capital aberto, de um lado; b) a conduta abusiva, tendo a CV exercido abusivamente o poder majoritário ao decidir fechar a companhia (Lei das Sociedades Anónimas, arts. 115 e 117) e; c) conduta ilegal e abusiva da BV/CV no que concerne à avaliação das ações (reembolso) consequente ao recesso, sendo a quantificação avaliatória desbor-dante dos cânones estabelecidos na Lei das Sociedades por Ações (art. 264).

"9. Os litígios tiveram início em 1990 e foram propostas duas ações indenizatórias contra Cias. CV S/A: a primeira envolvendo as pessoas físicas de J. A. O. H. e A. M. C. F., residentes no Rio de Janeiro; a segunda, integrada por várias empresas e dois outros cidadãos, todos daquela cidade, investidores institucionais que se sentiram atraídos pelas sucessivas ofertas públicas patrocinadas pela incorporadora BV, ligada à multinacional BM.

"10. O Egrégio TJSP não proveu as ações. Porém, em agravos de instrumento, no STJ, obteve-se a subida dos processos, sendo provido o primeiro (autor: J. A. O. H. e Outros) para que, tornado ao TJSP, e em novo julgamento, aquele E. Tribunal exare a inteligência quanto ao pedido de indenização por violação à boa-fé, estampado na quebra da pública promessa de manter a companhia aberta, bem como reexamine a questão inserta no art. 264 da Lei Societária.

"Assim sendo, apresentamos a V. Sra. os seguintes quesitos:

"i. Ao violar a promessa, pública e reiteradamente feita, segundo a qual haveria a intenção de manter a companhia com o capital aberto, a BM/CV (hoje: Cias. CV S/A) praticou ato ilícito, caracterizador de dano indenizável?

"2. Ao fechar o capital e avaliar as ações para fins de reembolso com critérios díspares os controladores da CV exerceram abusivamente o poder de controle?"

O Consulente anexa à Consulta cópia dos seguintes documentos:

  1. Petição inicial da ação indenizatória movida por J. A. O. H. e A. M. C. F. contra Cias. CV S/A, protocolada sob o n. 000/90 na Egrégia 00a Vara Cível de São Paulo;

  2. Sentença datada de (...) de 1996, pelo ilustre Juiz M. F. S., da 00a Vara Cível de São Paulo, no processo n. 000/90;

  3. Acórdão exarado pela Egrégia 0a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, datado de (...) na Apelação Cível n. 000 e os votos proferidos;

  4. Acórdão proferido no Superior Tribunal de Justiça no Agravo Regimental no Recurso Especial n. 00000-SP, com os respectivos votos;

  5. Petição inicial da ação indenizatória movida por Cia. M. e Outros contra Cias. CV S/A, datada de (...) de 1991.

  6. Parecer exarado pelo Exmo. Sr. Professor Dr. Luiz Gastão de Barros Leães, datado de 31 de outubro de 1990;

  7. Parecer exarado pelo Exmo. Sr. Professor Dr. Alfredo Lamy Filho, datado de 22 de agosto de 1990;

  8. Parecer exarado pelo Exmo. Sr. Professor Dr. Silvio Rodrigues, datado de 26 de outubro de 1990;

  9. Parecer exarado pelo Exmo. Sr. Professor Dr. Amoldo Wald, em 20 de novembro de 1992;

  10. Acórdão do Egrégio TJSP, na Apelação Cível n. 0000, datado de (...) de 1992;

  11. Contra-razões apresentadas em 1-de outubro de 1992 pelo Dr. José Rubens Machado de Campos;

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  12. Contestação apresentada no mesmo feito, em (...), por advogados de CV;

  13. Decisão (em saneador) da 00a Vara Cível de SP no processo n. 000/91, de (...) de 1993;

  14. Laudo pericial contábil firmado pelo Sr. Contador M. G. O. de (...) de 1998 e documentos que lhe são anexos;

  15. Memorial dos autores, datado de (...)del998;

  16. Sentença datada de (...) de 1998, exarada pela Exma. Sra. Juíza da 00a Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, na ação indenizatória intentada por Cia. M. e Outros;

  17. Recurso de Apelação protocolado dessa decisão, e datado de (...) de 1998;

  18. Voto n. 1.111, proferido pelo MM. Des. A. C. M. na Apelação com Revisão n. 000.000;

  19. Dúvida de Competência n. 0000-São Paulo, suscitante (...) Câmara de Direito Privado do TJSP e suscitada a (...) Câmara de Direito Privado, bem como o respectivo Acórdão;

  20. Voto n. (...), na Apelação n. (...) do TJSP, da lavra do Exmo. Des. X. B.;

  21. Petição de Embargos de Declaração opostos na mesma Apelação, em (...) de 2001;

  22. Manifestação de BM do Brasil datada de (...) de 2002, nos antes aludidos Embargos de Declaração;

  23. Acórdão datado de (...) de 2002;

  24. Petição do Recurso Especial dirigido ao Egrégio Superior Tribunal de Justiça em (...) de 2002;

  25. Documentação relativa à compra e venda de ações (contrato de compra e venda de (...) de 1988; termo aditivo datado de (...) de 1988; contrato de garantia, da mesma data; anexos);

  26. Laudos de avaliação do património de Cias. CV;

  27. Laudo de avaliação do património líquido da BV Ind. e Com. S/A, para fins de cálculo das relações de substituição das ações;

  28. Edital da Oferta Pública de Compra de Ações Ordinárias da Cia. CV S/A, datado de (...) de 1988;

  29. Edital da Oferta Pública de Compra de Ações Ordinárias da Cia. CV S/A, datado de (...) 1989;

  30. Edital da Oferta Pública de Compra de Ações Ordinárias da Cia. CV S/A, datado de (...)de 1989;

  31. Atas das Assembleias Gerais Ordinária e Extraordinárias datadas de (...) de 1990; e (...) de 1990;

  32. Protocolo de Incorporação de Cias. CV S/A por BV Ind. e Com. S/A, de (...) de 1990;

  33. Ata de Reunião do Conselho de Administração de Cias. CV S/A, datada de (...) de 1990;

  34. Avisos de "Fato Relevante" datados de (...) de 1988 (sobre a venda do controle acionário de Cias. CV S/A) e de (...) de 1990 (referente à incorporação e ao fechamento do capital);

  35. Entrevista concedida ao jornal (...) pelo diretor de marketing da BM em (...) de 1990;

  36. Notificação apresentada à CV pelos advogados dos ora Consultantes em (...) de 1990;

  37. Resposta da CV a essa notificação, acompanhada de "minuta" do recibo de quitação datada de (...) de 1990.

Parecer

O exame da matéria submetida à minha apreciação...

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