Trabalho, Subordinação e Controle do Tempo Obreiro à Disposição da Empresa em Tempos de Sofisticada Modernidade Tecnológica

AutorGrijalbo Fernandes Coutinho
Páginas210-219

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1. Revolução cibernética - nível sofisticado de maior submissão do trabalho ao capital

Em um mundo cada vez mais instável e marcado por tragédias sociais e velozes transformações tecnológicas, sem que umas estejam necessariamente vinculadas às outras, o fator trabalho ainda é o epicentro das disputas travadas na sociedade capitalista, daí decorrendo, evidentemente, múltiplas formas de expropriação de valores humanos fundamentais, anunciados ou não pelos catálogos dos acanhados pactos de direitos econômicos, sociais e culturais.

A propósito, é preciso dizer, preliminarmente, que os Direitos Humanos transcendem e jamais se submetem, do ponto de vista do efeito limitador, ao rol previsto nos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais. Eles não nascem no momento de sua positivação, e sim se afirmam como produtos culturais resultantes dos intensos processos de luta pela dignidade humana em todas as suas dimensões. Passam, pois, do campo da retórica do liberalismo da igualdade meramente formal para a verdadeira igualdade material configurada pelo pleno acesso igualitário de todas as pessoas aos bens materiais e imateriais da vida (HERRERA FLORES, 2009).

Na expressão de um dos mais influentes filósofos e militantes da Teoria Crítica dos Direitos Humanos, Joaquin Herrera Flores,

Os direitos humanos, mais que direitos "propriamente ditos", são processos, ou seja, o resultado sempre provisório das lutas que os seres humanos colocam em prática para ter acesso aos bens necessários à vida. [...] os direitos humanos não devem confundir-se com os direitos positivados no âmbito nacional ou internacional. Uma constituição ou um tratado internacional não criam direitos humanos. Admitir que o direito cria direito significa cair na falácia do positivismo mais retrógrado que não sai de seu próprio círculo vicioso. Daí que, para nós, o problema não é como um direito se transforma em direito humano, e sim como um "direito humano" consegue se transformar em direito, ou seja, como consegue obter a garantia jurídica para sua melhor implantação e efetividade. (HERRERA FLORES, 2009, p. 34)

A permanente busca pelo lucro gerador do acúmulo de riquezas materiais exige do capitalismo contínuas mudanças nas relações de produção, assim agindo o regime da classe burguesa em nome da sua vitalidade e da própria sobrevivência enquanto sistema econômico, como antecipado por Marx e Engels no século XIX (MARX; ENGELS, 2009). Nesse sentido, opera- -se, desde a década de 1970, notória reestruturação do aparato econômico, mediante o compartilhamento ou fragmentação do processo produtivo (terceirização, subcontratação, trabalho em rede, fim dos enormes espaços físicos como área de concentração de trabalhadores e da grande empresa verticalizada) e o surgimento de regimes de trabalho mais flexíveis, além do indispensável uso dos avanços cibernéticos para fundar uma harmonia entre capital e modernidade ou "pós- -modernidade", como querem alguns, capaz de apagar conflitos sociais e descartar excessos e inutilidades existentes na cadeia produtiva e no mundo.

Em nome de antigos dogmas liberais travestidos de nova roupagem para outra época, o capital mercantilizou tudo, privatizou serviços públicos essenciais e continuou destruindo, agora com maior voracidade, as duas fontes de sua riqueza, quais sejam, a natureza e os seres humanos (HOUTART, 2010). Numa concepção marxista, essa volúpia da burguesia pelo lucro seguido do acúmulo de riquezas materiais não se trata de

(*) Juiz do trabalho, titular da 19ª Vara do Trabalho de Brasília, master em Teoria Crítica dos Direitos Humanos pela UPO - Universidade Pablo de Olavide (Sevilla, Espanha), Ex-presidente da Anamatra, Amatra 10 e ALJT, mestrando em Direito do Trabalho pela UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais.

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nenhum instinto perverso dos homens detentores dos meios de produção, senão a verdadeira lógica do capitalismo, que exige, por um lado, constante progresso material dos fatores de produção, ainda que sacrificando a natureza e o meio ambiente e, por outro, intensa exploração da mão de obra humana.

A globalização econômica ganhou contornos absolutamente sofisticados a partir dos incrementos da revolução tecnológica acelerada nos últimos vinte anos, a ponto de autorizar, por exemplo, a mobilidade física e virtual de capitais em um tempo muito rápido. É necessário pontuar que essas novas relações de produção contribuem para uma ofensa de maior intensidade aos Direitos Humanos da classe trabalhadora e de todos os demais setores excluídos da sociedade.

Alejandro Medici (2010) sustenta a tese de que a globalização produz diversos tipos de violência estrutural e pessoal, tudo a resultar em enorme sofrimento humano, a partir do controle absoluto dos recursos por grupos ou por uma classe social, naquilo que denomina de apropriação de toda a atividade humana. No exercício de tal monopólio, a classe dominante escolhe e hierarquiza as necessidades humanas, bem como a forma de satisfazê-las. O cenário é assim visto na atual sociedade capitalista dominada pela burguesia. Ao contrário dos hobbesianos, ele rechaça a concepção propagada para legitimar o regime, a partir do sentimento egoísta ou individualista do homem, anotando que a violência instala-se dentro de um contexto de relações sociais favoráveis à exploração, sendo certo que muitas formas de violência sequer são visíveis. Valendo- -se de Spinoza, interpretado por Deleuze, Alejandro analisa a violência social deliberada e não deliberada, conduzida pela globalização, com base na influência cultural e no paradigma ocidental sobre direitos humanos.

É certo que transformações profundas no modo de gestão da economia capitalista mundial, frente à crise do próprio regime, desde a década de 1980, criaram um novo padrão marcado pela liberalização das economias, privatização de serviços essenciais e flexibilização das normas trabalhistas protetoras, valendo-se a burguesia dos recursos tecnológicos para sedimentar o modelo agora ancorado na criação desenvolvida pela cibernética e a sua ideologia da normalização ou banalização das gigantes desigualdades sociais.

Francisco Sierra (2010) aponta a profunda influência dos meios de informação sobre as nossas vidas e ações cotidianas do dia a dia, sem que paire qualquer tipo de dúvida a respeito do modelo ora em curso, ou seja, a serviço do sistema capitalista globalizado, de sua cultura e da ideologia respectiva. Embora seja aventada a tese da transparência na comunicação global, tudo isso não passa de um mito, considerando que, além do controle da informação mundial, inexiste qualquer espaço para eventual leitura crítica acerca do imperialismo nos noticiários e programas dos meios de comunicação de massa, cada vez mais controlados por grupos oligopolistas. Essa sociedade de comando integrado possui extrema utilidade para difundir e consolidar os aparatos normalizadores da disciplina burguesa. A obra de Foucault, nos trabalhos de arqueologia e genealogia crítica, para o renomado humanista, oferece instrumentos interessantes para se enxergar a manipulação da sociedade por imagens e representações veiculadas pelos meios de comunicação, no espectro político das relações de poder em jogo. A enganação é constatada com atitudes reflexivas sobre o verdadeiro sentido de cada um dos atos produzidos pelos donos do poder econômico e seus agentes. Guardado de adversidade, o quadro, na visão de Sierra, pode ser modificado a partir do próprio aproveitamento da riqueza da revolução cibernética, reunindo atores da cena política e grupos sociais para, movidos pelo desejo da comunicação democrática, e afinada com os interesses da classe trabalhadora, construírem redes telemáticas de interação. E assim o farão desde que, comprometidos com a reflexão coletiva e libertadora das práticas de comunicação, pugnem pela cultura dialógica e reconheçam a multiplicidade e as diferenças existentes entre os diversos segmentos explorados. Portanto, há, no cenário, chances de se romper com o viés dominante da sociedade global da informação marcada pelo etnocentrismo, pela segregação e pelo desprezo à cultura outra que não seja a ocidental. A revolução cibernética, se utilizada com esses propósitos, trará à pauta o debate sobre a luta de classes e a esperança de outra sociedade, o que depende, evidentemente, da reconstrução, da problematização e do desenvolvimento de novas alternativas culturais para o tempo da globalização econômica (SIERRA, 2010).

Asier Martinez de Bringas entende que em tempos de globalização liberal impõe-se intuir e conhecer as reais ânsias do capital. Em outras palavras, é imprescindível investigar os propósitos ideológicos presentes na proposta burguesa para evitar a derrota dos direitos humanos na seara política. Sendo assim, deve ser recuperada a biopolítica como estratégia para restaurar a vida humana, além de colocar em xeque o imaginário liberal e a sua aversão à condição pública da vida. Em sua pertinente leitura, o liberalismo só tem apreço pelos direitos civis e políticos próprios a assegurar a exploração capitalista, de nada importando o direito à vida humana, que se torna volátil e efêmera, pois as condições de sustentabilidade jamais estão garantidas. Em contraposição ao novo liberalismo responsável pela quebra da indivisibilidade dos direitos humanos, Bringas oferece outra alternativa, forte o suficiente a ponto de descortinar a suposta neutralidade daquele projeto político terrível e monstruoso do grande capital globalizado (BRINGAS, 2010).

Não há um novo sistema econômico em curso. Na verdade, os fatores revolucionados dos meios de produção são inteiramente apropriados pelo capital para aumentar...

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