A Pós-Modernidade e o consumismo

AutorPedro Renato Lúcio Marcelino
CargoMestrando em Direito do Centro Universitário FIEO | UNIFIEO
Páginas24-32

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Recebido em 13|02|2009 | Aprovado em 20|10|2009

1 Introdução

O moderno e o pós-moderno se entrelaçam como momentos históricos da humanidade, sem, contudo, haver consenso entre os doutrinadores não apenas sobre a designação de "pós-moderno", como também acerca do fi m de um e o início do outro. Boaventura de Souza Santos1 destaca que a designação, supostamente, inadequada de pós-moderno se tornou tão popular nessa transição, que o "termo é autêntico na sua inadequação", ressaltando a característica de dissensão desse estágio histórico.

No magistério de Eduardo C. B. Bittar2, referindo-se ao marco do pós-modernismo, destaca que ele não se originou em data certa, do dia para a noite, mas veio se produzindo como consciência ao longo do século XX, "com cada fracasso, com cada engodo, com cada engano, com cada destruição, com cada abalo da modernidade", constituída por um conjunto de fracassos e mentiras. A modernidade pregou o desenvolvimento, a qualquer preço, como chave segura para o bem-estar da humanidade. A era da produção e, por conseqüência do consumismo, como idéia de liberdade. O mercado é que deve ser a mola propulsora do progresso da civilização. Os princípios morais são substituídos pelas leis de mercado, as quais ditam as regras de como viver, o que consumir e se informar. Tudo gira em prol da satisfação pessoal e de interesses egoístas. Há uma cultura do supérfluo; não há solidariedade. Ninguém se preocupa com o outro. O sistema econômico, onde o mercado dita as regras, longe de ser liberdade, escraviza. Não há visão social. Existem apenas o "eu" preocupado com o "ter". É o consumismo ditando as regras de como viver e estar na sociedade. Erich Fromm3, entre o ter ou o ser, afi rmar que "consumir é uma forma de ter e talvez a mais importante de todas na atual sociedade industrial da abundância. Consumir tem características ambíguas: liberta a ansiedade, dado que aquilo que se tem não nos pode ser retirado; mas ao mesmo tempo exige que se consuma cada vez mais, porque tudo o que se consumiu depressa perde o seu caráter satisfatório. Os modernos consumidores podem identificar-se pela seguinte fórmula: Eu sou igual ao que tenho e ao que consumo."

Esta fórmula, sem dúvida, é a que vige na sociedade consumista atual onde se privilegia o ter em detrimento do ser, elegendo-se como direitos intransferíveis e inalienáveis do indivíduo a possibilidade de adquirir, possuir e obter lucro. Este poder consumista expressa sua identidade e seus valores neste contexto social, onde se é aquilo que se tem.

2 A modernidade e a pós-modernidade

A modernidade retirou a fi gura divina de Deus do centro do universo e, em seu lugar colocou a razão, com todos seus valores ditados pela vida terrena. O modernismo fez do homem frágil, que temia a Deus, um ser central dotado da própria divindade. O homem moderno promete um mundo ideal, organizado e racional, que são elementos necessários para se atingir a felicidade. "A sociedade moderna deveria estar sob o controle abso-

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luto do Estado, os instintos e a vida cotidiana deveriam ser domados pelos mecanismos estatais de modo a controlar homens e mulheres para a boa ordem da civilização. Estradas planas e bem iluminadas eram necessárias para que o capital pudesse desfi lar livremente rumo ao progresso, este, o novo dogma da era moderna4. A moral, a ética e a ciência têm uma ordem determinista e universal, o discurso que não se enquadrava no método lógico-formal não poderia ter lugar no palco científico. A era moderna foi marcada, sobretudo, pela crença na razão e no progresso, pela inversão do transcendental para o terreno. O ser humano caminha sem direção porque o absoluto não existe, cada um faz a sua verdade. O relativismo destrói conceitos tradicionais (família, casamento, honestidade, moral e demais virtudes que deveriam ser cultivadas pelo homem). O liberalismo, como fundamento do modernismo, é conseqüência do relativismo cultural e moral, onde não há paradigmas a serem seguidos. Cada um constrói aquilo que entende como certo, havendo uma liberdade total, vez que o tradicional oprime e denega a individualidade das pessoas.

Segundo Bauman5 tudo nesse mundo serve a algum propósito, mesmo que não seja claro qual é esse propósito. Esse mundo não tem espaço para o que não tiver uso ou propósito. Para ser reconhecido, deve servir à manutenção e perpetuação do todo ordenado.

Afirma ainda o autor de "Modernidade Líquida", que há cerca de cinqüenta anos, as previsões populares sobre o futuro travavam-se pelo confronto da visão de Aldous Huxley, em "Admirável Mundo Novo" e a de George Orwell, no livro "1984". O primeiro escritor retratou, em 1931, um cenário do século VII d.F. (depois de Ford), habitado por uma sociedade completamente organizada e feliz, vivendo na opulência, devassidão e saciedade. George Orwell, por sua vez, apresentou, em 1949, a idéia de uma sociedade futurista, tomada pela miséria e pela escassez, e dominada por um governo totalitário.

Completamente antagônicas, as duas visões estavam de acordo num ponto: no pressentimento de uma civilização estritamente controlada. A de Huxley, mediante doses regulares de felicidade quimicamente transmitida pelo "Soma" (a droga do futuro) e pelas ideologias propagadas em cursos noturnos, ministrados durante o sono; a de Orwell, pelo Grande Irmão (Big Brother). Isto porque, a exemplo de Platão e Aristóteles, incapazes de imaginar uma sociedade sem escravos, Huxley e Orwell não podiam concebê-la sem uma oligarquia de poder que estabelecesse parâmetros, rotinas e ordens a serem seguidas pelo resto da humanidade.

Este tipo de controle importa no estabelecimento de valores pela elite dominante, diz Bauman6. Isso explica o porquê dos administradores das empresas capitalistas haverem dominado o mundo por, pelo menos, duzentos anos, circunscrevendo a gama de alternativas dentro das quais confinaram as trajetórias da vida humana. Nesse contexto, ressalta-se a fase do fordismo, modelo norte-americano de práticas produtivas em massa, idealizadas em torno de 1914 por Henry Ford em sua indústria automobilística americana, que perdurou até meados dos anos setenta, e denominada por Bauman de sociedade "pesada" ou "sólida". Tratava-se de um mundo dos que ditavam as leis e dos que as

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obedeciam; dos projetistas de rotinas e dos supervisores; de pessoas dirigentes e dirigidas do modo por elas determinado. O fordismo, partindo das teorias do engenheiro norte-americano Frederick Winslow Taylor, que pregava uma maior produção em menor tempo e onde todas as fases daquela eram criteriosamente cronometrados, tinha como objetivo forçar o controle da administração sobre os trabalhadores e, como principais características a verticalização da produção, da matéria-prima ao transporte; a produção em massa, mediante a adoção de sistemas tecnológicos voltados para o aumento da produtividade e a especialização dos trabalhadores para os diversos setores da produção. Nesse contexto, as atividades humanas reduziam-se a movimentos simples, repetitivos, rotineiros e predeterminados, a serem obediente e mecanicamente seguidos, por força de uma separação meticulosa entre projeto e execução. O empregado da Ford Motor Company, seguindo o que lhe era imposto, tinha como missão executar suas tarefas à risca, no menor tempo possível, como ditado pelo Taylorismo. Ford não se limitou a traçar essas diretrizes. Duplicou o salário nominal de seus operários, objetivando frear a alta rotatividade dos operários, economizando, assim, o dinheiro gasto na sua preparação e treinamento. Espelhando o que ocorria nos impenetráveis domínios da Ford, e corroborando a teoria de a elite...

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