O desenvolvimento tecnológico como agravante das desigualdades sociais e como fator de alienação humana

AutorJoão Luiz Barboza
CargoMestrando em Direito do Centro Universitário FIEO
Páginas88-97

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Recebido em 03|03|2009 | Aprovado em 20|10|2009

Introdução

No presente escrito objetivar-se-a promover, dentre inúmeras outras já existentes, mais uma provocação à refl exão sobre o desenvolvimento da moderna tecnologia da informação, sua infl uência no capitalismo moderno direcionado ao consumismo, as decorrências da sua utilização como meio de interatividade e algumas das possíveis consequências do seu uso irrefl etido.

Buscar-se-á evidenciar algumas das mazelas decorrentes de um consumismo que não leva em conta as diferenças sócio-econômicas, criando uma falsa idéia de capacidade de compra não condizente com uma sociedade estratifi cada.

Procurar-se-á demonstrar que os isolamentos individuais aparecem como um dos efeitos da globalização, levando o indivíduo a uma falsa noção de que faz parte de um mundo global.

Às desigualdades sociais se procurará dar ênfase, tendo em conta o que representa para as classes menos favorecidas a sua exposição aos apelos consumistas que nivelam os seus destinatários na atualidade.

Sem qualquer intenção alarmista, demonstrar-se-á que o que se observa nesse estágio da vida moderna como ideal de globalização carrega grande componente ilusório, tendente a anuviar a necessária capacidade de reflexão sobre o futuro da espécie humana.

1 Da origem ao esplendor tecnológico

Ao longo da história o homem tem experimentado várias etapas no desenvolvimento de sua liberdade e independência como indivíduo.

Desde os tempos antigos quando ainda não era considerado como ser independente, mas apenas como elemento componente de um grupo, até a contemporaneidade, em que conquistou o status de um ser individual, centro de atenções e preocupações fi losóficas que o situa como sujeito de direitos variados, o homem tem conquistado lugar de destaque como ser autônomo, dotado de independência e com grande espectro de direitos e garantias destinadas a tutelar essa independência. A autonomia do homem como ser pensante racional proporcionou o desenvolvimento das artes e das ciências de forma a capacitá-lo para promover profundas transformações do meio físico e social a que pertence.

A inteligência racional sempre possibilitou ao homem a busca de adaptações e melhorias para uma vida cada vez mais confortável, tornando-o sujeito do seu próprio destino, passando, portanto, da condição de objeto para sujeito da sua história.

No século XX o desenvolvimento tecnológico alcança o seu apogeu, inclusive com o que foi consequência da primeira e segunda guerras mundiais ocorridas na sua primeira metade, em que se experimenta a força da tecnologia no combate ao inimigo, em oposição à força física do homem. É o início da grande fase da tecnologia a serviço do homem contra o próprio homem. Os grandes contingentes componentes de exércitos guerreiros passam, de repente, a ser apenas lembranças históricas, além de comporem

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os cenários de fi lmes épicos.

O homem não mais teme o homem pela sua força física, teme sim a sua capacidade técnica, o seu poderio beligerante oriundo da sua força tecnológica, como bem evidencia Hobsbawn.

A Segunda Guerra Mundial mal terminara quando a humanidade mergulhou no que se pode encarar, razoavelmente, como uma Terceira Guerra Mundial, embora uma guerra muito peculiar. Pois, como observou o grande fi lósofo Thomas Hobbes, 'a guerra consiste não só na batalha, ou no ato de lutar: mas num período de tempo em que a vontade de disputar pela batalha é suficientemente conhecida'. A guerra fria entre EUA e URSS, que dominou o cenário internacional na segunda metade do Breve Século XX, foi sem dúvida um desses períodos. Gerações inteiras se criaram à sombra de batalhas nucleares globais que, acreditava-se fi rmemente, podiam estourar a qualquer momento, e devastar a humanidade. Na verdade, mesmo os que não acreditavam que qualquer um dos lados pretendia atacar achavam difícil não ser pessimistas, pois a Lei de Murphy é uma das mais poderosas generalizações humanas ('Se algo pode dar errado, mais cedo ou mais tarde vai dar'). À medida que o tempo passava, mais e mais coisas podiam dar errado, política e tecnologicamente, num confronto nuclear permanente baseado na suposição de só o medo da 'destruição mútua inevitável' (adequadamente expresso na sigla MAD, das iniciais da expressão em inglês - mutually assured destruction) impediria um lado ou outro de dar o sempre pronto sinal para o planejado suicídio da civilização. Não aconteceu, mas por cerca de quarenta anos pareceu uma possibilidade diária.1

O conhecimento do seu mundo e de si próprio leva o homem a uma incessante busca de novos desafios, partindo para pesquisas e viagens espaciais, com vistas a criar novas fronteiras a serem desvendadas, pois que a necessidade de explorar o desconhecido lhe é inerente.

A tecnologia como poder passa, então, a ser o foco da aplicação da inteligência humana, o que culmina com o desenvolvimento fenomenal dos meios de produção de bens e de serviços avançados e com o grande aprimoramento dos meios de informação e, consequentemente, da comunicação. É a chamada era da informação. Tudo isso leva a uma busca frenética pela hegemonia, tirando o próprio homem do foco das preocupações. Ainda que este desenvolvimento tecnológico traga no seu bojo uma série de benefícios em forma de conforto, estes aparecem muito mais como uma consequência do que como fruto de uma preocupação original com o bem-estar geral, e é sempre movido por um interesse de superação que coloca o indivíduo como vítima da sua própria busca pelo desenvolvimento tecnológico, que agora passa a ser o motor da vida.

As duas últimas décadas do século XX foram significativas no desenvolvimento da tecnologia da informação, quando o homem se tornou totalmente dependente do computador e seus acessórios, desencadeando, por consequência, o grande desenvolvimento da Internet, sem a qual a vida hoje se torna inimaginável.

As consequências da recente queda na rede provida pela companhia Telefonica, ocorrida entre os dias dois e três de julho de 2008, em São Paulo, com a interrupção do funcionamento de empresas privadas e de serviços públicos, dá mostras eloqüentes do quão dependentes somos hoje dessa tecnologia.

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(quinta-feira, 3 de julho de 2008)

SÃO PAULO -Uma pane no sistema de transmissão de dados da Telefonica está afetando os usuários de internet em grande parte do Estado de São Paulo. A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP) também confi rmou que a rede de comunicação que integra as polícias Civil e Militar, ao Detran, ao Corpo de Bombeiros e à Companhia de Engenharia de Trânsito (CET), por conta da pane, também estão 'fora do ar'. Segundo a assessoria da SSP, algumas delegacias estão fazendo os boletins de ocorrência manualmente. 'Cada DP está agindo conforme a decisão dos delegados, não há nenhuma instrução da Secretaria sobre isso', afi rmou. Foram afetados ainda a internet do governo do Estado e alguns serviços do Poupatempo.2

Esta é apenas uma pequena amostra da dependência que o homem se auto-impõe de uma tecnologia que se desenvolve numa velocidade, cujo domínio e acompanhamento está disponível somente para uma reduzida parcela da população, cuja grande massa não tem, entretanto, como ficar imune ao seu caráter de indispensabilidade.

2 A face oculta da era da informação

A par desta nova perspectiva de grande desenvolvimento tecnológico que atinge os meios de informação, é importante ter em foco que existe uma certa perversidade apresentada pelo mundo globalizado, pelo qual o ser humano se vê cada vez mais enclausurado no seu mundo particular, alheado da convivência social, dependente da interatividade virtual que o mantém plugado num outro mundo que está a lhe oferecer uma série de atrativos, que vai da diversão à possibilidade de fechar negócios, sem depender daquele contato direto característico das relações humanas, tão estudadas e valorizadas em passado recente. Tornou-se possível, por meio eletrônico, comprar, vender, pesquisar, transferir dados e recursos fi nanceiros, sem que se tenha necessidade de contato físico com o objeto.

Nesse contexto o homem começa a ter uma falsa idéia de auto-sufi ciência, de forma a não valorizar o que ocorre à sua volta, sem perceber que está alimentando suas próprias carências ao interpretar, através da vivência dese estado de coisas, que tem o mundo às suas mãos se esquecendo da importância de valores históricos relacionados ao sentido de país e sociedade, levando-o a se submeter aos efeitos da globalização de uma maneira que ultrapassa os limites do razoável.

A...

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