Nulidade da citação postal na execução trabalhista

AutorFábio Túlio Barroso
Ocupação do AutorAdvogado. Professor da UNICAP (graduação e PPGD). Professor da FDR-UFPE (graduação e PPGD). Professor da FACIPE (graduação). Doutor em Direito pela Universidad de Deusto
Páginas56-64

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1. Introdução

A prática forense trabalhista vem apresentando inúmeros desafios aos advogados e magistrados, principal-mente no seu momento crucial - a execução.

Vários são os procedimentos adotados pelas Varas do Trabalho quando da apuração e pagamento dos valores decorrentes da condenação presentes no julgado, o que por vezes acaba por retardar a efetividade da prestação jurisdicional.

Ponto bastante polêmico, que pela necessidade de celeridade processual acaba por vezes sendo ratificado, é o ato que está relacionado à citação do devedor na execução. Não são raros os casos em que o magistrado determina a citação pela via postal, com prazos superiores ao legal, mesmo havendo determinação especial e específica1 em norma consolidada sobre esta situação, prevista no art. 880 consolidado, que trata de matérias e procedimentos especiais trabalhistas2.

Também não é incomum que este ato, além do vício procedimental, tenha desdobramentos inquinados de invalidade, visto que a norma citada determina que seja realizado por oficial de justiça, ao devedor, além de ser acompanhado da respectiva sentença exequenda, possuindo prazo limitado (forma prevista em lei), como se pode ver do conteúdo do art. 880 da CLT, abaixo transcrito:

Art. 880 - Requerida a execução, o juiz ou presidente do tribunal mandará expedir mandado de citação do executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas ou, quando se tratar de pagamento em dinheiro, inclusive de contribuições sociais devidas à União, para que o faça em 48 (quarenta e oito) horas ou garanta a execução, sob pena de penhora.

§ 1º O mandado de citação deverá conter a decisão exequenda ou o termo de acordo não cumprido.

§ 2º A citação será feita pelos oficiais de diligência.

§ 3º Se o executado, procurado por 2 (duas) vezes no espaço de 48 (quarenta e oito) horas, não for encontrado, far-se-á citação por edital, publicado no jornal oficial ou, na falta deste, afixado na sede da Junta ou Juízo, durante 5 (cinco) dias.

Ou seja, o desatendimento dos elementos imperativos presentes na norma específica contida na CLT impedem que ato discricionário possa surtir o efeito pretendido, uma vez que desatende ao conteúdo imperativo de norma processual especial, que prevê justamente a necessidade do seu cumprimento na sua forma, tornando-o nulo.

Ou seja, tem-se uma nulidade processual, como se tem a título de ilustração:

Há muitos pontos de vista sobre a teoria das nulidades escudados em sólidos argumentos. A orientação prática deste esboço dispensa-nos de um exame doutrinário mais acurado da matéria. Dirigiremos nosso esforço ao estabelecimento de critérios que alicerçam na lógica jurídica e na jurisprudência, visando a descobrir regras gerais, harmônicas com o entendimento dos tribunais, capazes de orientar onde alei não seja clara. (...)

Os atos jurídicos perfeitos conforma-se de todo com certas prescrições da lei: se atendidas, a perfeição do ato, em regra, leva à sua eficácia. Quando determinado ato, inclusive em processo, se afasta dos padrões legais, deixa de ser perfeito, passando a ser irregular, o que pode trazer várias consequências. Assim, a classificação de um ato como irregular depende de que se conheçam as características do ato jurídico perfeito, sem o que faltará paradigma capaz de ensejar uma distinção de ordem técnica. O estudo dos defeitos, nulidades ou ineficácia do ato jurídico é, então, também, o da validade, perfeição ou eficácia do ato jurídico. (...)

Regulamentação legal da matéria. A lei há de ser o principal alicerce de qualquer resposta de alcance prático. Tratando-se de Direito Processual Trabalhista, consultar-se-á o disposto na CLT, recorrendo-se

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subsidiariamente ao CPC e especialmente tendo-se em vista os princípios gerais em matéria de nulidade e anulabilidade registrados no Código Civil, que desde logo referimos, pois sem o seu conhecimento os textos processuais são difíceis de compreender3.

Não há questionamento, por certo, sobre as dificuldades correntes que a notificação por meio de oficial de justiça acarreta, quando diante de devedores maliciosos ou mesmo e infelizmente, a utilização de artifícios para que não se concretize a citação, com a criação de empecilhos no intuito de elidir o ato formal e consequentemente a cobrança judicial4, que nesta altura absolutamente devida, podendo ser discutido apenas a fórmula encontrada e o respectivo valor. Contudo, as normas são de aplicação a todos, sobrepondo-se o princípio da inocência e da boa-fé, que permeia tanto o processo quanto às relações sociais, não podendo estes litigantes serem impelidos a uma tramitação processual diferente dos cânones pré-existentes dos procedimentos a serem seguidos pelo magistrado e pelas partes.

2. Da nulidade da citação postal pela afronta ao devido processo legal

Uma vez realizada a citação do executado por via postal, seja com fulcro no art. 8º da Lei n. 6.930/80, que trata das execuções fiscais e somente pode ser utilizada subsidiariamente5 ou mesmo no § 1º do art. 841 da CLT6, que trata da notificação inicial, ao se propor a reclamação trabalhista, tem-se como violado o devido processo legal, haja vista que impôs uma forma de citação na fase de execução completamente distinta do que determinam os mandamentos consolidados específicos e acima descritos.

Ou seja, as partes que litigantes têm conhecimento de como será iniciado e concluído o processo, de acordo com seus procedimentos previamente estabelecidos pela estrutura normativa para o andamento do feito, não podendo ser surpreendidas por inovações de ordem subjetiva, que acabam por estabelecer condições novas e contrárias à lei, acarretando um sem fim de prejuízos, que podem ser de ordem material ou mesmo processual.

Ocorrendo uma modificação conteúdo processual estabelecesse-se absoluta insegurança jurídica, abrindo passo para o arbítrio inadmitido num Estado democrático de Direito.

Essa é uma situação que deverá ser considerada como manifesto erro do magistrado, contrariando o disposto normativo sobre a forma da citação em sede de execução, visto que deverá ser obedecido o conteúdo estabelecido na norma, como é colhido o ensinamento de Júlio Cesar Bebber7:

(...) é a conclusão que a verdade fática estabelecida é regida por determinada norma jurídica, segundo a interpretação que dela extrai (mediante esclarecimento do suporte fático dessa norma). Nessa tarefa, não basta dizer que determinada norma jurídica regula a verdade fática estabelecida. Há que se dizer, também, por que ela não se enquadra nas normas jurídicas propostas pelas partes.

Quando há norma específica para o procedimento, não cabe inovação nem extensão do seu conteúdo por parte do magistrado, nem mesmo interpretações ampliativas, de acordo com as indeclináveis exigências da norma celetista que não comporta flexibilização, podendo colocar em risco os próprios pilares do Estado Democrático de Direito e configurar o uso arbitrário do poder geral de cautela.

Isso porque, sendo norma especial e específica para determinado procedimento diferenciado, somente a norma

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do art. 880 da CLT deverá ser utilizada, sob pena de violar o devido processo legal, constitucionalmente assegurado no inciso LIV do art. 5º da Constituição da República, o que torna naturalmente nula a citação, bem como seus atos subsequentes, dado que o conteúdo do art. 880, § 2º da CLT determina que a citação para o pagamento ou garantia de penhora, deverá se dar exclusivamente por meio de oficial de justiça.

De igual forma, como não há outra norma a ser utilizada para o início da fase executória, se a pedido do exequente ou de ofício, deverá ser respeitado o mandamento deter-minado pelo legislador, sem flexibilização, pois não há lacunas a serem supridas.

Em que pese a existência de posicionamentos jurisprudenciais contrários ao antedito, com fundamento no princípio da instrumentalidade das formas, tem-se que outra parte da jurisprudência nacional é no sentido de inadmitir a citação para execução de forma diversa à contida na CLT, o que afronta o devido processo legal, sendo este um prejuízo dos mais gravosos para os jurisdicionados, vez que as normas não são cumpridas justamente pelo Estado-Juiz, como se tem a seguir transcrito.

MANDADO DE SEGURANÇA. DEVIDO PROCESSO LEGAL. Art. 880 DA CLT. A ausência de citação pessoal para fins de cumprimento da decisão exequenda, previsto no art. 880 consolidado, fere o devido processo legal, tornado nula a determinarão de bloqueio das contas bancárias do impetrante. Segurança concedida. (TRT-19 - MS: 411201000019001 AL 00411.2010.000.19.00-1, relator: Severino Rodrigues, Data de Publicação: 30.9.2010).

RECURSO DE REVISTA. MULTA PREVISTA NO ART. 475-J DO CPC. INAPLICABILIDADE AO PROCESSO TRABALHISTA. Deve ser reformada a decisão adotada pelo Tribunal Regional, visto que o entendimento dominante nesta Corte é no sentido de que o art. 475-J do CPC não tem aplicação ao Processo do Trabalho. Isso porque o Processo do Trabalho tem regramento próprio, qual seja o art. 880 da CLT, o qual determina que "Requerida a execução, o juiz ou presidente do tribunal mandará expedir mandado de citação do executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas ou, quando se tratar de pagamento em dinheiro, inclusive de contribuições sociais devidas à União, para que o faça em 48 (quarenta e oito) horas ou garanta a execução, sob pena de penhora". Ainda, nos termos do art. 769 da CLT, somente nos casos omissos é que o direito processual comum será fonte subsidiária do direito...

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