O novo CPC e o processo do trabalho - falsas novidades e parâmetros de aplicação

AutorValdete Souto Severo
CargoDoutora em Direito do Trabalho pela USP/SP
Páginas184-207
184
REVISTA TRABALHISTA DIREITO E PROCESSO — ANO 14 — N. 55
O novo CPC e o processo do trabalho
— falsas novidades e parâmetros de
aplicação
Valdete Souto Severo(*)
Resumo:
A edição de um novo Código de Processo Civil, com todas as controvérsias e discussões que o
envolvem, talvez seja uma bela oportunidade de resgate das normas processuais trabalhistas.
Neste artigo, proponho a hipótese de que o exame das previsões do NCPC e, especialmente,
o reconhecimento da racionalidade que o permeia, nos habilitará a reconhecer a atualidade
e a importância das normas processuais contidas na CLT e perceber a incompatibilidade da
maior parte das regras do processo comum com o processo do trabalho.
Palavras-chave:
Processo do trabalho — Novo CPC — Racionalidade liberal.
Abstract:
With all the controverseis and discussions that the new civil process code is envolved
maybe it is a good opportunite to bring back the labor process norms. In this article I
propose the hypothesis that the NCPC previsions exam and especially the recognition
of its rationality will allow us to recognize the actuality and the importance of the labor
process norms contained at the CLT and realize the incompatibility of most of the rules
from the commom process with the labor process.
Índice dos Temas:
1. Introdução
2. A racionalidade liberal reforçada
3. As falácias do NCPC
4. Alguns exemplos da racionalidade do novo CPC
5. A racionalidade do processo do trabalho
6. Conclusão
7. Referências bibliográcas
(*) Doutora em Direito do Trabalho pela USP/SP.
Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital
(USP) e RENAPEDTS — Rede Nacional de Pesquisa e
Estudos em Direito do Trabalho e Previdência Social.
Professora e Diretora da FEMARGS — Fundação Escola
da Magistratura do Trabalho do RS. Juíza do trabalho
no Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região.
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REVISTA TRABALHISTA DIREITO E PROCESSO — ANO 14 — N. 55
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1. Introdução
As novidades sempre nos atraem. Somos
compelidos em direção ao novo, justamente
por sua característica de introduzir algo dife-
rente, capaz de nos retirar da zona de conforto.
Convida-nos a reetir. É assim com o novo
CPC. O problema é que aí a novidade é um
disfarce: não passa de reinvenção do que já
está ultrapassado.
O novo CPC não apenas deixa de avançar
em aspectos essenciais, tal qual a redução
do número de incidentes e recursos, como
também insiste numa ideia que já perdeu seu
tempo histórico: a proteção aos interesses do
devedor.
Isso, por si só, o compromete como uma
novidade a ser festejada. Se somarmos o fato
de que resulta compilação de diferentes dou-
trinas e mesmo teses individuais, por vezes
antagônicas, teremos diculdade em afastar
a conclusão que se impõe. O novo CPC nasce
ultrapassado naquilo em que efetivamente
interessa: sua suposta intenção de perseguir a
realização do projeto social de inclusão e so-
lidariedade, contido na Constituição de 1988.
Não se trata, porém, apenas da perda de uma
oportunidade de avançar. Vários dispositivos
revelam a intenção clara de reforçar o para-
digma racionalista que busca “amarrar” o juiz
à vontade da lei (hoje melhor identicada na
vontade da súmula). Por consequência, sua
aplicação (subsidiária ou supletiva) ao proces-
so do trabalho implicará retrocesso.
Essa realidade torna-se ainda mais nítida
quando percebemos, através do exercício de
resgate das normas processuais trabalhistas,
que o processo do trabalho é ágil, eciente e
tendente a permitir a realização dos direitos
sociais.
Este artigo convida à reexão sobre as falsas
novidades da Lei n. 13.105/2015 e a atualidade
das normas processuais trabalhistas, propondo
um resgate que nos permita olhar novamente
para o processo do trabalho, reconhecendo-
-lhe a autonomia e a importância, como
instrumento de realização dos direitos sociais
trabalhistas.
2. A racionalidade liberal reforçada
Nossa noção atual de processo é ainda
caudatária da lógica iluminista, pela qual foi
necessário — em certo momento histórico —
criar poderes de Estado que justicassem e
zessem valer as “novas regras” burguesas de
convivência(1). Um avanço, sem dúvida. A lei
escrita foi a forma encontrada para impedir o
retorno à lógica medieval de denir direitos e
obrigações a partir da casta a que pertenciam
as pessoas envolvidas. Além disso, era preciso
criar a gura do sujeito de direitos e fortalecer
as noções de contrato e propriedade privada,
para que a troca (inclusive de tempo de vida
por dinheiro) pudesse se tornar o móvel da
nova sociedade(2).
(1) A Revolução Francesa teve por objeto romper com o
modelo feudal de organização social, em uma realidade
de grave alteração da lógica econômica. O modelo
feudal falido precisava ser substituído por outro que
legitimasse a classe social detentora do poder econômico
(burguesia). Essa legitimação política foi obtida por meio
da revolução, que não apenas instituiu um novo modo
de relação entre o capital e o trabalho, como também
alterou o pensamento f‌ilosóf‌ico. A consolidação da classe
emergente no poder tornou necessária a “conversão do
Estado absoluto em Estado constitucional: o poder já
não é de pessoas, mas de leis. São as leis, e não as
personalidades, que governam o ordenamento social e
político. A legalidade é a máxima de valor supremo e se
traduz com toda energia nos textos dos Códigos e das
Constituições”. BONAVIDES, Paulo. Do Absolutismo ao
Constitucionalismo. In: Revista da Academia Brasileira
de Direito Constitucional, Curitiba, Academia Brasileira de
Direito Constitucional, n. 5, p. 565, 2004.
(2) A construção f‌ilosóf‌ica da noção de sujeito de direitos
é encontrada especialmente em Hegel. Para ele, “o
direito é forma” e a forma direito “é determinada pela
forma sujeito de direito” e a forma sujeito de direito “é
necessariamente universal”. É dever da pessoa “dar-se
um domínio exterior para a sua liberdade, a f‌im de
existir como ideia”. A pessoa é, portanto, “vontade
inf‌inita em si e para si” e tudo o mais, que pode
constituir “domínio de sua liberdade, determina-se
como o que é imediatamente diferente e separável”.
Esta é a mágica pela qual Hegel consegue separar o
indivíduo livre das “coisas” em relação às quais ele
deve se comportar como proprietário e, ao mesmo
tempo, identif‌icar tais coisas em tudo que é extrínseco
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