Novas (bio) tecnologias versus questões ambientais: a busca do equilíbrio

AutorSalete Oro Boff; Taciana Marconatto Damo Cervi
CargoMestre e Doutoranda em Direito pela UNISINOS / Especialista em Novos Direitos pela URI
Páginas499-525

    Trabalho vinculado ao Grupo de Pesquisa “Novos Direitos na Sociedade Globalizada”, do Curso de Direito da URI-Santo Ângelo-RS.

    Mestre e Doutoranda em Direito pela UNISINOS. Professora dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito da URI Santo Ângelo-RS. Pesquisadora. saleteb@urisan.tche.br

    Especialista em Novos Direitos pela URI, Mestranda em Direito pela UCS. Professora do Curso de Graduação da URI-Santo Ângelo-RS. Pesquisadora.

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1 Introdução

A biotecnologia teve desenvolvimento acelerado nos últimos vinte anos. Com ela surgem novos desafios e oportunidades1. Conceitos tradicionais como: reprodução, sexualidade e parentesco sofrem alterações. As formas de alimentação, de trabalho, de relação com os filhos, de política, de expressão da fé e da percepção do mundo se vêem afetadas pelos avanços da biotecnologia. Em diversos campos, é notória essa influência, como no surgimento de novos materiais, novas espécies de animais e vegetais geneticamente alteradas e outras formas de engenharia genética. Frente a isso o presente trabalho procura analisar se os benefícios provenientes da biotecnologia são capazes ou suficientes para superar as conseqüências ou riscos de sua implementação e, se diante dos novos conceitos e das novas práticas o Direito cumpre a tarefa de estabelecer critérios e limites para o avanço da técnica.

2 A biotecnologia como novidade do século XX

Por certo, os resultados da implementação da biotecnologia repercutem diretamente na economia e garantem a competitividade internacional, como no setor da alimentação, através do desenvolvimento de sistema de diagnóstico e bioconservação e na comercialização de bactérias e enzimas modificadas geneticamente, as quais melhoram a qualidade dos alimentos.

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Particularmente, na Medicina a biotecnologia está revolucionando os métodos terapêuticos de tratamento das enfermidades hereditárias. Alguns produtos desenvolvidos como a insulina humana representaram o marco de uma nova geração de produtos naturais e artificiais. Para Rifkin (1999), a biotecnologia dá origem a uma nova matriz operacional, baseada na “localização, manipulação e exploração de recursos genéticos pelos cientistas e empresas, na concessão de patentes de genes, linhas de células, tecido geneticamente desenvolvido, órgãos e organismos” (p.10). Além de identificar

[...] uma nova base de recursos, um novo grupo de tecnologias transformadoras, novas formas de proteção comercial para estimular o comércio, um mercado global para ressemear a Terra com uma segunda Gênese artificial, uma ciência eugênica emergente, uma nova sociologia de apoio, uma nova ferramenta de comunicação para organizar e administrar a atividade econômica em nível genético e uma nova narrativa cosmologia para acompanhar a jornada (RIFKIN, 1999, p. 10).

Com essa visão, pode-se entender a biotecnologia como um conjunto de processos biológicos que “permitem controlar, alterar e transferir a informação genética de sistemas vivos com fins utilitários”. No mesmo sentido, se constitui em “um divisor de águas entre ser ou não ser desenvolvido” (FURTADO, 1996, p. 161). A OMPI define a biotecnologia como uma “técnica que usa os organismos vivos (ou parte dos organismos) para fabricar ou modificar produtos, para aperfeiçoar plantas e animais ou ainda para desenvolver microorganismos para usos específicos” (SOARES, 1998, p. 592). A OECD – Organização para Economia Cooperação e Desenvolvimento complementa esse conceito quando se refere a biotecnologia de forma abrangente como a “aplicação dos princípios da ciência e da engenharia ao tratamento das matérias por agentes biológicos na produção de bens e serviços” (SOARES, 1998, p. 592), portanto envolve várias disciplinas, que utilizam organismos vivos ou compostos obtidos de organismos vivos para obter produtos de valor para o homem.

Trata-se, portanto, da reunião de várias disciplinas que intercambiam conhecimentos, como a bioquímica, a engenharia bioquímica, a engenharia química, a microbiologia, a biologia, a fisiologia, a imunologia, a genética, a biologia celular e molecular, as ciências dos materiais, as ciências da computação, e técnicas, como a engenharia genética, a engenharia de tecidos, a engenharia de proteínas, entre outros. Ou seja, envolve tudo ou qua-Page 502se tudo que tem vida, desde as técnicas tradicionais, amplamente conhecidas (fermentação de alimentos), como novas técnicas de DNA recombinante.

Sua origem ocorreu no início da humanidade. Naquele período a biotecnologia se referia a práticas empíricas de seleção de plantas e animais e seus cruzamentos, incluindo a fermentação. Um segundo momento da biotecnologia é marcado pela identificação de Pasteur, dos microorganismos como causa da fermentação, seguindo-se os descobrimentos da capacidade das enzimas, extraídas das leveduras de se converter em açúcares e álcool. A fase posterior é marcada pelo descobrimento da penicilina (1928) e a aplicação de variedades híbridas incrementando a produção de cereais. E, por fim, pode-se referir a fase atual, cujo marco é o descobrimento da estrutura do ácido desoxiribonucleido – ADN, por Crick e Watson, em 1953.

A partir desse processo biotecnológico inovador, a descoberta de formas de “localizar e identificar cromossomos e genes” (RIFKIN, 1999, p. 10) ampliou as pesquisas na área, contando com grandes investimentos, como o processo de identificação de cromossomos, em 1968, o qual abriu as portas para o mapeamento dos genes2. Em 1973, identifica-se o DNA3 recombinado. A nova tecnologia vai possibilitar a combinação do material genético “além das fronteiras naturais reduzindo a vida a um material químico manipulável” (RIFKIN, 1999, p. 11-15)4 permitir ao cientista a produção de genes em escala.

Nessa linha, percebe-se que uma das possibilidades dos avanços na biotecnologia é a capacidade de “interferir diretamente no nível celular e molecular, conseguindo uma incomparável especificidade em suas intervenções; não trabalha com organismos, nem mesmo com microorganismos, mas com células biológicas, ácidos nucleicos e proteínas” (MOSER, 2004, p. 46). Portanto, a biotecnologia está apta a criar novos seres e dotá-los de características ainda não encontradas na natureza, “alterando artificial e deliberadamente a composição molecular, que regula a vida e suas funções”. Como refere Scholze sobre o alcance da biotecnologia “Agora se produz o que quiser, quando quiser e como quiser” (apud MOSER, 2004, p. 46).

É claro que a descoberta do DNA recombinante significou um avanço para a genética e a biologia, possibilitando que a ciência entendesse melhor o desenvolvimento e o funcionamento dos seres vivosPage 503 (DOMINGUES, 1989, p. 47). Na sua formação, o DNA é composto por moléculas extremamente complexas que contêm o programa genético do organismo. A partir da delimitação de sua estrutura iniciou-se uma série de pesquisas, com o fim de compreender melhor o funcionamento dos seres vivos, bem como manipular o material genético. Sobre o DNA recombinante, expõe ainda Domingues:

O DNA recombinante acena com possibilidades fantásticas: fazer os genes, que no corpo humano, comandam a produção de compostos como o hormônio do crescimento, interferona e insulina, sejam incorporados a bactérias outras que, por sua vez, passam a fabricar aludidos compostos. As bactérias manipuladas como que se transformariam em minúsculas fábricas de agentes químicos, rigorosamente iguais àqueles produzidos pelo corpo humano (1989, p. 48).

Por óbvio, a biotecnologia gerará ainda muita polêmica, pois envolve “um campo de profundas inovações e preocupantes perspectivas”. A revolução biotecnológica, como denomina Rifkin (1999, p. 51), está “remodelando a economia global e reformando a nossa sociedade, é provável que haja um impacto igualmente significativo sobre o meio ambiente da Terra”. A manipulação possibilita moldar os “processos evolucionários em todas as formas de vida”, pois acontece no nível dos componentes genéticos.

3 Controvérsias no desenvolvimento da biotecnologia: a questão dos OGMs

As opiniões sobre o desenvolvimento5 da biotecnologia são dinâmicas, tomam em conta o contexto e são influenciadas pela percepção dos riscos e das vantagens de sua aplicação. Algumas premissas são fundamentais neste campo, como: “o desenvolvimento de uma comunicação eficaz entre a comunidade científica e a sociedade” com vistas à obtenção do apoio às novas técnicas; “a institucionalização de comunicações e consultas formais com a sociedade, ao lado de enfoques de caráter mais geral, como o de os cientistas receberem formação em matéria de comunicação social”; somando-se a necessária “confiança e a credibilidade na fonte de informação (...) no momento de divulgar as vantagens, garantir que os riscos tenham sido cuidadosamente avaliados e explicar as garantias de controle público de usos indevidos (DEANE, apud CASABONA, 2002, p. 282).”

Por outro, deve-se considerar que há um grande investimento por parte das indústrias na área da biotecnologia em busca de solu-Page 504ções para problemas técnicos. Essa corrida dos grandes grupos empresariasis resulta na contratação de funcionários altamente capacitados para desenvolverem novos produtos. Esse incremento nas pesquisas resultou na ‘revolução verde’ e, junto a ela, ocorreram profundas transformações na área agropecuária, nas relações de trabalho, no manejo do solo e reduziu o tempo para a produção, aumentando a produtividade das lavouras.

De igual modo, é relevante a pesquisa no campo da engenharia do tecido e de fabricação de órgãos humanos, como...

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