A atuação da nova defensoria pública na defesa dos animais

AutorVânia Márcia Damasceno Nogueira
CargoMestranda em Direito pela Universidade de Itaúna/MG
Páginas39-70

Page 40

1. Introdução

A Defensoria Pública órgão essencial a função jurisdicional do Estado, que possui enorme responsabilidade no objetivo estatal de redução das desigualdades sociais, não pode se apresentar tímido ou omisso na realização de suas atribuições constitucionais. Tem que pensar elástico quando se trata de interpretar o que venha a ser necessitado no Estado Democrático de Direito, apontando sem restrições os assistidos da Defensoria na socie-dade contemporânea.

Cabe a essa instituição o desafio de apresentar um perfil mais arrojado na defesa dos direitos fundamentais. A Defensoria Pública não pode aceitar que nenhuma vida em situação de vulnerabilidade, seja ela humana ou não-humana, tenha qualquer restrição ao princípio máximo do acesso à justiça . É preciso inovar, lançar um olhar mais emancipador sobre o texto constitucional para tutelar o "direito de ter direito" de todo vulnerável sócio-ambiental humano ou não.

2. Defensoria pública

O artigo 134 da Constituição Federal de 1988 outorgou à Defensoria Pública a condição de instituição essencial à função jurisdicional do Estado , incumbindo-a da orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, ou seja, no Estado Democrático de Direito, coube ao referido orgão garantir ao necessitado o direito fundamental de acesso à justiça. Verifica-se que o nosso constituinte originário, ao mesmo tempo que garantiu essa assistência, determinou que esse serviço fosse prestado pelo Estado1.

Alexandre Lobão Rocha afirma que

Page 41

o mais seguro indicador de desenvolvimento social de um povo é o seu nível de acesso ao aparato judiciário do Estado, na medida em que quanto maior o acesso à justiça maior também será a perspectiva de paz social2.

A preocupação com o acesso à justiça, segundo esse defensor sempre foi debate entre os filósofos.Citando Plutarco ele ensina que Anacársis já afirmava que "As leis são como teias de aranha: segurarão os mais fracos e os pequenos que se deixarão apanhar, mas serão despedaçadas pelos fortes e poderosos" .

A evolução da assistência jurídica foi lecionada com maestria por Lobão ao ensinar que iniciou-se com o Imperador Constantino no séc. III/IV d.C., como precursor da determinação de isenção de custas aos pobres ; passou pela Revolução Francesa, onde foi publicado em 1851, o Código de Assistência Judiciária e chegou ao Brasil, timidamente pelo Direito Canônico, que reconhecia aos membros da Igreja Católica a representação dos necessitados em Juízo, fazendo-se expressa referência no Terceiro Livro das Ordenações, Título XXVIII, a assistência judiciária aos "miseráveis".3

Mas foi com o Decreto n. 1.030, de 14 de novembro de 1890, que se instituiu oficialmente a assistência judiciária gratuita no Brasil,4Sendo erigida à garantia constitucional pela Carta de 19345. A Constituição ditatorial de 1937 ("Estado Novo"), retirou do texto constitucional a referida conquista, que foi agora definitivamente incorporada á atual Carta Magna em 1988.

No entanto, passados vinte anos da promulgação da Constituição Federal de 1988 e quase o mesmo tanto anos após a edição da Lei Complementar n. 80/94 que organizou a Defensoria Pública, a instituição ainda encontra desafios para estruturarse a contento. Em que pese a preocupação do legislador, demonstrada recentemente pelas alterações advindas com a Lei Complementar n. 132/09, a execução da total estruturação da Defensoria não se cumpriu. Promessas de fortalecimento são constantemente ouvidas por membros da Defensoria, que per-

Page 42

plexos percorrem diuturnamente os corredores legislativos e executivos da nação em busca de sua efetividade.

Mas as dificuldades operacionais não podem impedir que a instituição acompanhe as demandas e necessidades da sociedade contemporânea e apresente um novo perfil adequado à sua representatividade social. Um perfil inovador. Mais incomodado, mais forte e lutador. Cada dia mais buscando qualidade de sua prestação jurídica e o aumento do rol de suas atribuições, em prol de uma sociedade justa, cumprindo com mais eficácia seu papel de "essencial" no Estado Democrático de Direito.

3. Nova hermenêutica da hipossuficiência

A partir da Constituição Federal de 1988, uma modernização histórica e social do modelo Salaried Staff Model6brasileiro, cuja definição do que seja necessitado para fins de ser assistido pela Defensoria Pública vem sendo modificado pelo tempo, para acompanhar as necessidades do Regime Estatal e da própria sociedade.

Desde os primórdios da introdução do instituto da assistência judiciária gratuita no país esteve presente o problema da definição de quais seriam os verdadeiros beneficiários do instituto, isto é, da clientela da Defensoria Pública.7Como visto acima pelo breve histórico da assistência jurídica, observa-se que "inicialmente, era o pobre o destinatário da norma"8, cuja assistência era restrita às custas do processo. Posteriormente, o termo vago e lacônico foi substituído pelo vocábulo necessitado, o que não retirou a conotação subjetiva que leva a jurisprudência, não raro, a manifestar sobre o que seja pobre ou necessitado no caso em concreto.

Durante muitos anos, em razão da lei 1.060/1950 que estabelece as normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, a necessidade foi interpretada de forma restrita

Page 43

aqueles " cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família (art. 2º, PU )."

Como o direito deve acompanhar a evolução e as necessidades da sociedade, a Constituição Cidadã, extremamente demo-crática, veio salvaguardar princípios e direitos que garantem ao máximo o pleno acesso à justiça, não sendo lógico restringir o termo necessitado ao mero conceito econômico.

De início a Constituição já ampliou o termo assistência judiciária, que constava em outros textos legais anteriores e era restrito ao postulamento judicial, para assistência jurídica integral, que compreende bem mais que o acesso ao judiciário9. Compreende também a assistência extrajudicial, acordos, orientações, termo de ajustamento de conduta, promoção, educação, e inúmeras outras atividades que venham contribuir para a solução do litígio, para a erradicação da pobreza, para a redução das desigualdades sociais, enfim, para a paz social.

Hodiernamente é usual utilizar o termo hipossuficiente como sinônimo de necessitado, já se fazendo um diferencial em relação ao vocábulo pobre, que ficou restrito ao conceito econômico. Outrossim, os dispositivos constitucionais que tratam da Defensoria Pública não restringem o conceito de hipossuficiente ao necessitado econômico, como rezou a lei 1.060/50.10A própria ampliação para assistência jurídica integral mostra a dimensão que o legislador constitucional quis imputar às atividades da Defensoria Pública.

É preciso que se entenda o termo necessitado (aquele a quem falta algo) como "cláusula constitucional dotada de razoável largueza e indeterminação, tanto que já esta consagrada a tese de que a carência jurídica não se confunde com a carência econômica."11Esta ausência de algo que se necessita, nem sempre é de ordem financeira. Ademais, a Constituição não restringe o termo ao necessitado econômico, como fez a lei. Na sociedade brasileira, existe inúmeras espécies de necessitados: econômico,

Page 44

jurídico, cultural, social, político, etc. Pode-se até dizer que o necessitado econômico seja o mais usual, mas não o único.

Fredie Didier afirma que "a Defensoria atua mesmo em favor de quem não é hipossuficiente econômico. Isto por que a Defensoria Pública apresenta funções típicas e atípicas.12" Esta neo hermenêutica da hipossuficiência vai de encontro com as modificações introduzidas na Lei Complementar n. 80/94 pela novel Lei Complementar n. 132/09, que ampliou o rol de atribuições da Defensoria Pública reforçando suas funções típicas, para atender o necessitado econômico, e funções atípicas, para atender todo e qualquer necessitado, ou seja, qualquer ser vivo em situação de vulnerabilidade social.

Observam-se exemplos de funções atípicas da Defensoria Pública nos dispositivos relativos a Curadoria (artigo 4º , XVI, LC 80/94 c/c artigo 9º do CPC ), réu revel no direito penal (artigo 4º, IX e XIV, da LC 80/94 e artigo 263 do CPP) e titularidade para tutela coletiva (Lei n. 11.448/07) , estas funções atípicas nem sempre se referem ao necessitado econômico13. A nova Defensoria atua agora na defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar, do consumidor e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais.

A sociedade contemporânea criou uma nova categoria de hipossuficiente, relativa ao necessitado jurídico da sociedade "massificada". A vulnerabilidade das pessoas em face das relações sócio-jurídicas da sociedade atual não se mede apenas pela sua economicidade. "Isso faz com que a assistência judiciária seja entendida no seu amplo sentido, também servindo aos conflitos emergentes, próprios da sociedade de massa"14.

Nesta sociedade encontra-se o necessitado jurídico, como leciona Ana Pelegriner Grinover "mais uma faceta da assistência jurídica assistência a necessitados, não no sentido econômico,

Page 45

mas no sentido de que o Estado lhes deve as garantias do contraditório e da ampla defesa"15. Para Ada quando se trata de acesso à justiça não cabe indagar se há ricos ou...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT